2023/07/31

Mood of the day

 


Era quase imoral envelhecer.

Uma ideia curta, imóvel, que não incomodava. Mas ela via uma repugnância atroz naquele conceito, que tinha aprendido a ver com olhos próprios. E numa rotina quase programática. Estava ora sentado no parapeito da janela, e tinha a forma de um proxeneta de esquina, que insistia em assobiar músicas de que todos já se tinham esquecido. Fazia pantominices tais, que quase caía sem amparo. Mas segurava-se...

Também o via ocasionalmente na casa de banho. Como uma mulher de corpo a regua e esquadro, que deixava a água escorrer sorrateira e de forma sedutora pelo corpo, e revelava a cara só quando queria. E ao faze-lo, mostrava um rosto destruido pelo tempo. Tudo aquilo escapava ao que sempre tinha considerado racional...


Noite madrasta

 


Mas ela voltava. Regressava sempre. Trazia pequenos livros,...


Com poemas desequilibrados como este,

Sem mensagem,

     E diferentes da razão obscura da luz,...


Sentia vontade de desafiar o desejo,


Ao passear nua e a sentir cheiros que só ela conhecia,

E por consequência,

    Podia amar,....


Voltava mas sempre com o dia já envolvido,

Em poeira,

Ou seja a cidade,

Tinha de a convidar,

       Vestida no,

Seu melhor luto, ...


E deixava-se levar para a beira da água,

     Onde dançava sob o olhar de desprezo,

Complacente da noite madrasta

2023/07/30

Há mãos

 


Há mãos,
Um rosto imperfeito,
A que o lado malfadado do tempo chamou seu,
Disse-o a moldar um esgar de tristeza que vincasse a dor,....

Houve pés,
E com eles chegou se aqui,
Evitando o profundo e a escolher a vontade,...

Já não há saudade,
As lágrimas cor de virtude provam-no,
E a maldade do ser esconde-o

2023/07/29

Dificuldades de locomoção

 


O dia não está mau. Frio, sim. Sente-se um pouco nos ossos. Mas há um sol ansioso, a querer descender sobre a Terra, e que se insinua como uma bênção na pele. Queria fazer-me à estrada o quanto antes, e por isso tratei de me alimentar. Uma chávena média de café muito claro, três pedaços de pão castanho poeira, com uma manteiga cor de anjo. Serve-me a ilusão de saciedade. Pego no jornal de há vários dias, vai sempre a amparar o braço trémulo, e abro a porta para sentir a brisa desabrida a beijar-me de bons dias.

As rotinas são feitas para transgredir, mas já não me sinto desafiante o suficiente para o fazer. As pernas tremem ao descer a rua mal amanhada, e é com dificuldade que evito os obstáculos. Aquela hora só os que ainda com mais problemas do que eu lidam com o mundo andam na rua. E isso faz-me sentir, se calhar, menos desafortunado. Mas consciente de que o mundo tem limites auto-impostos. E eu respeito-os ao chegar ao centro, percebendo que é a solidão que me espera 


2023/07/28

Prisão de amor

 Menino descalço,

Fazem de conta os sinos,

Que o ouvem soluçar,

Lamuriar,

Nas promessas do mundo,

De mãos ratadas e pobres,

Ele é jogado,

Destruído,

Esmiuçado a ponto de a luz o trespassar,...


Mas o menino descalço,

Sem que nunca saibamos o que o fez partir,

Luta por chances,

Renova-se e auto inquire-se,...


Até a prisão de amor vir,

E o dia voltar aos eixos da razão,

E assim que seja noite,

De casa vazia e mesa sem pão 

2023/07/27

Parabéns à gerência do Inatingiveis 2023

 


Ao fim de um dia em que deixei,

De saber imaginar,

Produzir ideias coerentes,

Ou sequer adormecer de cansaço,...


Havia a noticia de que num canto arredondado do mundo,

Lá onde o vento não chega por desconhecer,

O sol tinha-se decomposto em quartos de sal,

E feito chover cristais por sobre uma terra estéril,

Indefesa,

E vazia de respiração,...


Muito diferente do sítio onde rabisco estes conceitos sem sentido,

Em que é estridente o ruído azulado do pânico 

2023/07/26

....sem o espaço e o medo

 


há cinco anos.
o tempo passou desviado
da sua intuição,
do alimento que a chuva
lhe dava,
fecundando a Terra
de forma,
apesar de tudo estéril,...

passaram-se evidências,
um carro a circular pachorrento
ao nascer do dia,
a voracidade das agressões sem dono,...

passaram-se poemas de
verdade neutra,
sem paternidade reconhecida,...

passou-se a luz no breu
do silêncio,
até hoje,
em que o tempo
recomeça sem o espaço e o medo

2023/07/25

sinal de latrina

 um sinal,
a violenta marca de uma
mão que tomba,
sim meu amor,
eu sou disso,
perdido numa rua onde
os cegos marinam,
sou de me encontrar
na latrina onde os gatos mijam,
onde nunca passarás,
se a comiseração me vencer de vez,....

desilusões como as que me
contaste, as que me rataste,
aqui tenho-as a subir pelo corpo,
como baratas cegas que
fogem do frio,...

um sinal,
volto a pedir-te o sinal da memória

2023/07/24

Para sempre magoava

 


Para sempre significava um bolso vazio,
Uma mão para sempre,
Com uma ferida ligeira e a sangrar suavemente,....

Olhos cozidos ao chão,
Pés enviezados,
Mudos e rentes à terra,
Que a cantar subiam aos céus, ..

Para sempre magoava,
Não muito,
Enquanto uma folha se amarrotava a si própria,
Saudosa de verdadeira poesia,...

Para sempre,
E partiste sem me dizer como amar o teu corpo,
Foi diferente de amar a ti

2023/07/23

Pedaços de loiça antiga

 


E a verdade onde está,

Pergunto quando o fumo normal do café,

Dissolve-se no ar,

A redenção de um profeta estará no queimado da torrada de todos os dias,

Pergunto as mesmas resenhas desnecessárias,

Sem valor,

Porque a verdade arde,...


Espero,

Enquanto me reuno aos poucos,

Aproveitando os pedaços de loiça antiga,

Que me fizeram,

Os gritos soltos dos morcegos da noite 

2023/07/22

A voz atrapalha

 


procuras a palavra, e ela não está no copo que és incapaz de conter em mãos trémulas.
Levantados os olhos, vês ao nível de um horizonte limitado.
Ideias imprecisas escorrem-te pela testa, salgadas pelo suor que o teu corpo ainda produz.
A palavra não está ali, porque se calhar nem sequer existe.
Há vontade de redenção.
Pecados explicados em pequenos tiritares de unhas falhadas, num balcão sujo e de pedra.
Silêncios cúmplices de anónimos como tu, à esquerda, à direita, atrás.
E fazeres da mentira a saída desta limitação, não parece resposta.
A palavra estará lá fora, na raíz da árvore moribunda que ainda vai sobressaindo ao pores os pés na rua...........

2023/07/21

Olá,...sou a neve que desliza nas tuas mãos


 

Se fosse inventado


eu,
se fosse inventado,
a perna doía
como um erro,
o braço escavava
a terra,
e fecundava
a matriz criadora,
o coração dissolveria
a fuga ao amor,
e o amor das mentiras
feito,
beijaria as bocas
que quis,
e nunca tive,....

se fosse inventado,
a luz nada diria ao
escuro das lágrimas,
eu contava como
números furados,
e chorava,
havia de chorar tanto,
que os restos do peito
explodido,
alargavam o ventre do
meu regresso,
de forma brutal,
criminosa,
sem perdão

                                                                                Tirado daqui

2023/07/20

O homem fraco no meio forte

 


Os olhos ao meio,

Mãos insultuosas,

Corpo disruptivo,

E as porções,

As porções de terra que escorrem,

Aos poucos,

Por entre dedos disformes,

Desconexos do real tépido daquele tempo,...


Já fui assim, sabes?

O homem fraco no meio forte,

Com um silêncio fortalecido pela razão fraca da ausência,...


Hoje já não sou,

Olho o espelho,

E vejo o vento por entre os olhares desligados,

De um anoitecer qualquer

2023/07/19

Artista japonês

 


De um artista japonês para o seu público,

Olhamos indiferentes para tudo,

Porque tudo está secundarizado,

Em relação ao particular,

Não existem mãos de vento,

Olhos que as materializem,...


O real em suma,

É uma mulher deitada na sua cama,

A pele exposta à deterioração,

E um conceito de abstração ao lado,

Que se abandona ao interminável do ato de pensar,

Sem controlo

2023/07/18

Descobrir que Sir Paul atravessou Abbey Road de chinelos....


 

Sem linguagem

 

Oscar Niemeyer
Sem Título, 1987
Grafite, caneta permanente e colagem s/ papel manteiga
Tirado daqui

no fundo as palavras
servem para doer no dedo,
que as aponta,
discrimina,
desmantela,....

são de deixar
apoucadas,
perdidas no caldo ralo
de uma sopa apodrecida,
para aí se desvanecerem,...

e em troca ficamos com o silêncio, 
para que sejam horas de tudo
recomeçar,
sem linguagem

2023/07/17

Desenhar desejos

 Tratava-se de uma espera de anos,

As ideias tinham simplesmente deixado de florescer,

A ilusão contava como imprecisão,

 em discussões filosoficas de fim de tarde,...


Tinha deixado de haver nomes,

Para que as pessoas medrassem apenas como raízes indesejadas,

Como que levadas pela ação fecundatoria do vento,...


E talvez tivesse chegado o momento de o tempo ser invertido,

Nos olhos dos animais via-se a antecipação,

E as pessoas esperavam só pelo momento detonador,...


Para que ansiar,

Esperar,

Desenhar desejos com as mãos envelhecidas na terra adormecida,

Fosse sinal de recomeçar

2023/07/16

exaurir maldade

reviro-me em sangue,
há propósito,
pele excruciada,
notas pisadas,
de música enterrada
e decomposta,
num tempo que
se lavra, a si próprio,
para estender a esterilidade,
como um manto diáfano,
que protege a madrugada,....

mas como ser de noite,
nego roupa,
beleza impura,
lágrimas nos olhos,
e sons soltos
da ingenuidade natural,
nego porque a revolta,
é a minha cama,
a vontade excelsa de ofender,
provocar,
denotar virtude,
e exaurir maldade,...

tudo mudará,
com a presença estreita
do amor,
aí a luz
voltará,
servida
como água
em deserto




2023/07/15

Ainda para ontem

 


Em pretérito assaz perfeito,

Procura-se pessoa iludida e ilusória,

Olhos de leite e corpo de pedra fundida,

Braços extensos e reutilizáveis,

Um conceito de máquina sem alma,...


Alguém surpreso e que,

Assim sendo,

Se surpreenda em ações e nunca em lamentos,...


Procura-se,

Ainda para ontem

2023/07/14

A poesia sairá prejudicada

 A linguagem é escassa,

Há dois poetas que se esforçam pelo belo,

E fazem-no com gestos,

Inocência até ao receber a brisa indolente,...


Deste amanhecer em concreto,

Nada virá de bom numa reunião de mentes desinspiradas,...


A poesia sairá prejudicada,

E os dois poetas sabem-no,

Ao trocarem vários e consecutivos olhares gélidos,

Sem lugar à linguagem,

Enquanto parecem redigir Al Berto em carateres assexuados,

Numa página em branco 

2023/07/13

Olhos marejados de felicidade

 


Das coisas delicadas,

De pele aveludada e metamorfoseada em beleza,

Retirava o que podia,

 Boas experiências,

Olhos marejados de felicidade,

E até janelas a abrir para o sol que nascia,...


Das más afastava-se,

Era uma escolha de princípios dizia,

E quem o ouvia tranquilizava-se,

Fazia-o em silêncio,

Mas experimentava novas sensações 

Anonimato e devassa

sentia-se anónima,
os lábios
esfoliavam sem razão,
as mãos tremiam
e perdiam secura
ao décimo de segundo,
sem que conseguisse
guardar o olhar onde fosse,....

ele fixava-a,
predava cada
porção do seu ser,
distantes pareciam
aproximar-se,
e ela pensava que
lindo é,
o rosto pedia arte,
o corpo aproximava-se
virtualmente do seu,
e ela pedia mais,...

pedia volúpia,
animalidade,
devassa de pele e
sexo,....

mas sentia que a
Terra a absorvia,
a engolia,
e ele,
sem se mexer,
estava já junto a ela,...

escondeu as mãos
nos bolsos,
trincou suavemente o lábio,
e sentiu que chovia,...

ele estava lá,
mas ela virava costas,
ia deixar ,
outra vez,
a escuridão tomá-la nos braços

2023/07/12

Mirar

 Afinal, é isto a morte?,...

Um casaco perdido no meio de uma rua lúgubre Uivos de um cão perdido, que não se deixa ver, e parece chamar por todos os desejos que alguma vez perdeu,...

Contar-te isto custa. Perdi o sol, os passos certos para as opções erradas. Mas de voz precisa, palavras previsíveis, e um sentido de responsabilidade trémulo, coloco-te a mão no ombro. Sinto que já foste mais perfeita. A magreza da tua envergadura entristece, talvez menos que a resolução perdida de saber que já é final de mais um ano. E talvez por isso isto seja a morte. 

Acendo um cigarro, e a noite de cacimba ilumina-se, nem que seja um pouco, para que algo que pode ser para sempre, se torne de fácil explicação. Falei-te vezes sem conta de névoas inexplicáveis, pessoas com propósitos diferentes que nelas habitam, e eu como elo perdido em algo que nunca realmente entendi. E não entendo. Anda. Caminhamos juntos para aquela viela sem nome, e ali sentir-me-ei mais seguro para qualquer coisa...

2023/07/11

Serviço público melómano

à beira de Lisboa

as palavras cintilam,
um brilho inóspito que
ofusca,
rasga a noite ainda sem idade,....

o Tejo já me namora
inofensivamente,
do arco da rua Augusta
sorvo a solidão,
inspiro-a até me rasgar o ser,...

sou a peça que falta
para o tempo parar,
o brilho do apelo à
banalidade,
ao vulgar,
deixa-me os olhos feridos,....

e há muito menos de
desafio,
de imparcialidade,
em acabar um novo dia
vazio desta forma,....

como se a vontade, 
significasse pesadelo,
estagnação na vontade de
recordar



2023/07/10

Regresso

 


a porta do quarto abriu-se,
tudo estava intacto como
deixara há mais que muito,
uma cama periclitante
mas digna,
um espelho que tremia
com a brisa que se insinuava
pelas frestas da janela,
pedaços de pétalas
de flores,
gastos pela oxidação,
que representavam a persistência
do amor naquele sítio,...

os passos que retomava naquele espaço,
desenhavam vontade,
a vitória da luz sobre a escuridão,...

até um pequeno livro,
de autor desconhecido,
foi pousado no parapeito,
como uma chave para o mundo exterior 

2023/07/09

Passarinhar

vou dizer pior,
fazer assim,
e assado,
mais pelo dito,
espero pelo desdito,
há frase,
conjugação certa para
a menina errada,...

já nem o chapéu
me tiram,
porque o carro partiu,
e fiquei para trás,
chio mal,
esgravato bem,
e tudo soa a maldade,
 quando o bem,
a verdade do calor,
surge despida,
como a mulher que imagino,
o corpo que não terei,...

e direi pior,
tão mal,
que ao doer-me a alma,
gritarei tanto,
mas tanto,
que despido de falso,
me arrastarei,
como privado do público amor



2023/07/08

se um dia

 


e se um dia,
a palavra surgir um dia,
como flor no cabelo
alourado do destino,
se um dia o tempo
se ajoelhar no caminho irregular,
que fere olhos,
descarna pernas,
e fomenta a discórdia,...

se um dia a Terra
se abrir,
e de dentro de
tudo surgir o nada,
se um dia houver
um livro onde,
toscamente,
com escrita trémula,
e um caminho humedecido
de lágrimas,
tudo ficar registado
para frases que hão-de vir,
aí eu falarei,...

e o som que produzir
cheirará a fim dos tempos

2023/07/07

Woody Allen



Tal como woody allen,
Entras num sitio,
Cafe, bar, tasca, lugar infecto,
É indiferente,...

Pedes uma bebida e servem-te vapor de álcool,
Algo que melancolicamente te embebede,....

É então que olhas para o lado,
E um som nefasto de clarinete te envolve,
Rebate as defesas,
E num espaço breve de abrir e fechar os olhos,
Dás por ti a falar com uma mulher insegura,
Bonita e que parece ser sexualmente ativa,...

Diz chamar-se annie,
E acabou naquele momento de voltar a pôr o namorado judeu fora da sua vida,
Apetece-lhe conversar,...

E tu pensas em woody allen

2023/07/06

Exercício do particular para o geral

 


O sorriso era reconhecivel.vulgar mesmo. Os lábios gretados, aparentemente fruto de uma alimentação deficiente, à base de fritos e outras coisas normalmente dispensáveis. 

Os dentes, apesar de parecerem desenhados à esquadria, eram finos. A boca assustava, em suma, por isso permanecia oculta com camisolas 'turtleneck' de cores sóbrias, que independentemente da estação do ano tapavam os lábios, e com isso dificultavam a percepção de uma identidade difícil de ser definida. 

Este é um retrato feito ao longe, e que permite perceber um homem de meia idade, assoberbado pela rotina. Pode ser sempre encontrado à mesma hora, mergulhado num mar de gente anónima, com transportes que vão e vêm até chegar o certo. Veste roupa formal, e na mão uma pasta de executivo, já desgastada pelo tempo e uso.

Oculta a calvície precoce, e o cabelo envelhecido, com o mesmo chapéu. De feltro, com uma banda azul escura. Herdara-o do pai, que o tinha recebido do seu pai,....

E era algo que sempre tinha contribuído para manter um ar de distinção na família. Este é um exercicio de escrita que parte do particular para o geral. É respeitando essa ideia que surge, por entre a chuva que entretanto aparece, ritmada e sorrateira, o transporte que tantos esperam. Entra no velho autocarro de dois andares, de fabrico inglês, e mantém-se com a dignidade intacta, na medida do possivel. Engolido por uma maré de anónimos, pensa em branco. Com rebordos de cores desmaiadas, e que talvez indiquem alguma alegria impossivel de explicar...

2023/07/05

Músculo da verdade

 


Desejo,

Desejar,

Esconder e alvitrar,

Sonhos perfeitos em pedrinhas gastos,

Luxúria descrita como amor,

E amor resumido a pó,.. 


Alumia a perdição,

E o que se torna o músculo da verdade,

Perde-se no derrame,

Que fica para trás,

Quando a porta bate,

E o desejo recomeça 

2023/07/04

Música de um amanhecer

 

o vento, o que restava do vento, as franjas do vento, uma cara substituta do vento, forçava sorrateiramente as janelas, encostadas, e entrava sem pedir licença.

Os cabelos louros espalhavam-se, sem ordem nem tempo definido, sobre duas almofadas que lhe elevavam subrepticiamente a cabeça. Respirava com dificuldade, enquanto olhava, de olhos bem abertos, para um reflexo semi-apagado no espelho. Achava-se semi-nua. Pernas de que gostava, uma fletida, e a outra esticada a ponto de dar a entender um sangue que corria descontrolado. Os braços estavam dispostos, sem qualquer pedido ou ordem pensada, em cima de uma cama barroca larga. A cabeceira da mesma era dourada, com reposteiros envelhecidos, presos toscamente com fitas de tecido.

Os contornos das ancas, que cantavam um gemido de mulher, confundiam-se com o desenho de onde repousava. Um seio, de branco mais alvo que a madrugada que despontava, dava os bons dias. O outro escondia-se, nas fímbrias dos lençóis. Achava-se prostrada, esquecida, quase oculta nas ondas mais revoltas da solidão. Peças de roupa avulsas, escolhidas sem critério, pintavam o chão do quarto, escondido nas traseiras de uma mansão sem idade, oculta no cerrado daquele local

2023/07/03

Escrito por uma ela

 


Ele diz que tem ciúmes da forma como,

Ao soletrar amor,

O deixo envolvido em odores de final de dia,...


Digo-lhe assim,

Com todas as letras,

O tom jovial da pele,

Está escondido,

E ele nunca o encontrou,....


Nos equivocos de uma mulher,

Procurar a luz nas curvas de um corpo,

Que ele sabe ser imperfeito,

É a razão de ficar,

E não partir para sempre 

2023/07/02

Fim do verbo

 


Sinto o teu joelho a afundar-se,
Numa pressão assustadoramente definida,
Primeiro quase imperceptível,
E depois a esmagar-me o coração,...

A vida abandona-me pelo cansaço do choro que deixaste em bolas de terra,
Nas noites que encolheram pelo lado mais negro,...

E deixo-me ir até onde o inferno me leva,
Abrindo os olhos onde a confissão é o mais escaldante,
E o nódulo de visão se reduz a um ponto de acidez no horizonte

2023/07/01

Julhando a 28 de Janeiro

 


toca o telefone,
dizem-me que ela não
sofreu nada,
ninguém lhe tocou,
simplesmente aconteceu,....

não há violência na
verdade,
nem há acomodação
no refúgio da mentira,
e fechei os olhos,
admitindo a presença da
ilusão da pancada,
dos brutos e inverídicos olhos que sangram,....

ela não sofreu nada,
assumindo que nunca quis
que isso acontecesse,
e ofereceu o corpo às mãos
de um remédio que desconhecia

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