2023/07/04

Música de um amanhecer

 

o vento, o que restava do vento, as franjas do vento, uma cara substituta do vento, forçava sorrateiramente as janelas, encostadas, e entrava sem pedir licença.

Os cabelos louros espalhavam-se, sem ordem nem tempo definido, sobre duas almofadas que lhe elevavam subrepticiamente a cabeça. Respirava com dificuldade, enquanto olhava, de olhos bem abertos, para um reflexo semi-apagado no espelho. Achava-se semi-nua. Pernas de que gostava, uma fletida, e a outra esticada a ponto de dar a entender um sangue que corria descontrolado. Os braços estavam dispostos, sem qualquer pedido ou ordem pensada, em cima de uma cama barroca larga. A cabeceira da mesma era dourada, com reposteiros envelhecidos, presos toscamente com fitas de tecido.

Os contornos das ancas, que cantavam um gemido de mulher, confundiam-se com o desenho de onde repousava. Um seio, de branco mais alvo que a madrugada que despontava, dava os bons dias. O outro escondia-se, nas fímbrias dos lençóis. Achava-se prostrada, esquecida, quase oculta nas ondas mais revoltas da solidão. Peças de roupa avulsas, escolhidas sem critério, pintavam o chão do quarto, escondido nas traseiras de uma mansão sem idade, oculta no cerrado daquele local

8 comentários:

Acha disto que....