2024/04/30

Qualquer coisa mais uma vez sem corpo, mente ou espírito....

 A descoberta do cadáver aconteceu no quarto. Abdul Wahid acordou sozinho num hostel da rua da Madalena, em Lisboa. O sol intrometia-se pelo pequeno e mal cheiroso quarto, desfazendo as defesas do pequeno e inexperiente árabe. Ao lado da cama estreita onde se achou a si próprio a dormir, deitado de barriga para baixo, salpicado por pequenas manchas de bílis esverdeada e pestilenta, encontrou um desconhecido. O corpo estava nu, com os olhos vidrados no teto. Pela pele exibia escaras de ferimentos desconhecidos. O dedo grande do pé direito tinha sido amputado, e já gangrenara. As mãos estavam dispostas em cruz no peito. Os livores de uma morte confirmada, mas recente, espalhavam-se por todo o corpo. O filho de Hassan e Fatma, nascido no pico do Verão quente de Carachi, respirava afogueado.  Pedia ar, mas ele não vinha. Sentou-se na cama, sem poder assentar os pés no chão. Tinha um corpo inerte a centímetros. Dois toques secos e inesperados na porta quase lhe fizeram o coração parar. Reparou que estava nu da cintura para baixo, e que vestia apenas uma camisola de alças rasgada, e uma meia sem calcanhares. Não havia mais roupa à vista, e só uma bolsa de tiracolo repousava a um canto do quarto. Mais um, dois, três toques secos. Abdul reconheceu a sua língua. As memórias começaram a assaltá-lo de sopetão, como pontapés sucessivos na cabeça. Lembrou-se de uma mulher. Era noite. Queria, mas não conseguia recordar-se onde estava naquele momento. Só se lembrou dos murmúrios daquela ninfa do paraíso. Era escorreita, seca, cabelos côr de tâmara, e olhos que deixava no mistério. Pegou-lhe na mão, e levou-o por um sítio escuro. Mais toques na porta. Abdul Wahid sentiu a vida a escorrer-lhe pelas mãos….

                                                                              Tirado daqui

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Acha disto que....

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