As coisas estavam arrumadas em cascata nas prateleiras alaranjadas da cozinha. Por baixo os temperos, que se usavam quase de sol a sol. O sal num frasco de loiça alentejana, acastanhado, com tampa verde. Comprado na feira de maio, a um cigano que cantava o joselito na perfeição , apesar de ser tão gago que nem conseguia dizer o nome todo seguido numa única frase. A pimenta rasava sempre o fundo de uma caixa chinesa, de plástico, com um símbolo esbatido do yin e yang para dar sorte à cozinha .
A noz moscada já tinha percevejo a passear lá dentro:
ninguém gostava de usar coisas indianas porque lembrava 1961, o ano em que Portugal começou a morrer. Amen!!!
O tomilho e o louro estavam sempre em molhos pequeninos , encostadas junto à serradura em pó, no canto da prateleira Por cima as compotas que eram renovadas todas as semanas . Exalavam um cheiro de mercearia de pé de prédio, e davam um ar acolhedor, tipo revista Eva do Natal, à casa.
Por fim, e em cima, o pão. Estava numa caixa de plástico, com porta de correr. Cortado em triângulos, comidos três vezes por dia ao ritmo de uma fome que já nem parecia importar mais que o correr do ponteiro dos minutos ...
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