2007/12/30

Nove de Outubro de 2007

O que me atraiu foram os olhos. Talvez por estar frente a frente com um esgar de genialidade, mas senti-me atraído pela força magnética de duas crateras. Eram de um castanho diferente. Eventualmente de um café colombiano antigo, daqueles difíceis de macerar, e colhido em dois vales de difícil acesso. As sobrancelhas eram finas, mas bem suportadas por ossos frontais salientes.Aliás, percebi logo que não tinha hipóteses. Nunca fui um xadrezista que contasse.
E sentei-me naquela cadeira por motivos que só o azar conhece. Ainda esbocei uma tímida ameaça. Daquelas que de tão ridículas que são, só dão vontade a quem as ouve de passar à frente, e pedir um copo de bagaceira para relaxar. Ele acendeu um Cohiba. Um vício talvez vulgar no sítio onde nos encontrávamos. Mas lá está. Aqueles olhos trataram de transformar uma situação misteriosa, em laivos de pura sedução.
O primeiro dos meus dois cavalos foi o primeiro a desaparecer. Antes de lhe conseguir comer um peão, tive de me resignar à morte violenta de duas torres e um bispo. O Cohiba ainda ia a meio, quando ele me perguntou se eu era feliz. Respondi-lhe que sim. Os ventos do inevitável sopravam para quem os quisesse sentir, e eu não fugia à regra. Ele sorriu, e coçou os pêlos ralos no queixo. Senti a minha rainha prestes a cometer suicídio. Quinze minutos de jogo, e eu já conseguia cheirar a derrota.
Ele mantinha-se concentrado, sem nunca baixar a guarda. Em cada segundo senti que estava a ser observado e monitorizado. Um suspiro meu, era um sorriso dele. Um gesto nervoso, traduzia-se num suspiro de auto-confiança do meu adversário.Quando já só me restavam três peões, em regime de guarda pretoriana a um rei prestes a pedir asilo político, pensei no meu futuro.
Fechei os olhos por segundos, e senti-me uma gaivota a voar no ‘Malécon’. Foi impossível guardar segredo dos meus pensamentos. Ele sussurrou quatro palavras, que me deixaram apreensivo.- Tens de ser tu.Olhei para aquele par de olhos, e então percebi que estava ali o meu futuro.Nove de Outubro de 2007, Havana, Cuba.
Quarenta anos depois, eu sou uma pessoa feliz, tal como ele havia vaticinado. Velho, com o relógio a correr contra mim, mas mesmo assim certo de que uma derrota nunca soube tão bem a um perdedor em toda a história da humanidade.Sim, eu fui derrotado numa partida de xadrez com o ‘Che’. Mas de que importa isso, quando foi a própria vida a ensinar-me a melhor forma de assimilar o poder magnético de um simples par de olhos.

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