2025/09/30

O rosto envelhecido,..

 As palavras não me sabiam,

O vento rezava por cima de um amor de esquecimento,...


Apresentei-me como o sol dos sapatos velhos,

O rosto envelhecido,

Que o sol humedece e a terra frita,...


Ás vezes,

Conheço-me como sombra,

Resposta iludida e ilusória,

Mas uma continua corrente elétrica de dias repetidos,...


E acabou-se,

Tão depressa como a novidade de ser novo num instante que morre

                                                                           Tirado daqui

2025/09/29

Começou a chover,...

 Escrevo histórias porque mas dão,

sim,

a manhã levanta-se,

a noite lamenta a roupa velha,

as rugas desnecessárias,…


e à porta,

após dois baques suaves,

encontro uma criança perdida,…


fala-me do além,

que o mundo se põe a jeito

de levar com almas inconsequentes,

e ao afastar-se faz-me o gesto da paz,…


começou a chover,

voltei para a minha parca habitação,

e sentado a escrever encontro-me

em versos de prosa,…


sim,

dão-me histórias como estas,

e eu faço delas rebordos de solidão


2025/09/28

A morte que fica para a próxima,...

                              Tirado daqui
 Um político Suez,

Uma criança que chora,
A dança possível,
 no lado menos claro da noite,....

Resoluções,
Tantos desejos por criar,
Aperfeiçoar,...

O volume da televisão mais alto,
O ódio a espalhar-se pelos poros de quem respira,....

Uma página que se rasga,
Uma mulher que morre jovem,
Um asteróide que rasa a nossa normalidade,
A morte que fica para a próxima,...

Um político que dá as costas,
E se retira até voltar 

2025/09/27

E corpos semi ocultos pela paralisia,....

 Acabaram-se as palavras,

Eu escreverei mal,

No particípio passado de verbos que repousam com escorpiões cegos,

Debaixo das pedras viradas do tempo,....


Eu sou o mudo dos gritos isolados,

A força de um murmúrio na boca do renascido,....


Que seja o que me quiseres,

Em bocas abertas para o sol,

E corpos semi ocultos pela paralisia,....


Há voos,

Passeios,

Madeira podre debaixo do que agora te continuarei a ditar 

Leda e o cisne
1920
Fotografia de Marcel Meys

2025/09/26

Pensar em sair daqui,....

 

                                                                        Tirado daqui

A vontade é começar por dizer a noite,
A luz fugiu,
Retiro o que pensei aobre a mortandade,
O espetro confuso da luz,
antes de o nosso cérebro desligar,....

Para minha justificação,
Eu não sou desta terra,
Lembro-me que vim para aqui emprestado,...

E agora contorno dificuldades,
Penso do ser muita água,
Um dia de chuva regeneradora,
Que me coloque no sitio onde devo estar quando,
Pensar em sair daqui,....

E é a voz de novo,
Acabarei de escrever o que agora reconheço,
E depois precisarei de me ouvir,
Para continuar 

2025/09/25

Perigoso para os conformados,...

Casal num comboio
Fotografia de Vivian Maier
1956

Chamar-lhe-ia irrepetível,
Difícil de entender e processar,
Era um animal político,
Pessoa inconstante e de opiniões radicalizadas,....

Perigoso para os conformados,
Inofensivo para os alienados,
Mas inevitavelmente processado,
De ideiais racionais,
Humanistas,....

Um homem que escrevia à socapa em pequenos lenços de papel,
Sujos e gastos,
E se sentia acumulador de princípios sociais assim constituídos,....

Um dia saiu de casa,
E o dano foi inevitável,....

Sentiu-se absorto num real empírico,
Que desconhecia e até abominava,
E mudou,
Para pior ou melhor,
Haja quem julgue

2025/09/24

E só hoje,...

Fotografia de Eduardo Gageiro

A frase sangra,
O som acomoda-se aos pés do mal,
Os olhos escolhem não ver o que a boca silencia,....

A vida indica-te dolosamente o caminho,
Querendo que te desvies,
Que a refeição tomada sozinho,
 seja a de um novo capítulo de ansiedade,
De pernas travadas pelo desânimo,...

E há depois a faca do desejo,
Simbolicamente o que te faz recuar,
E dilacera a necessidade de um nevoeiro de sons,
Que hoje,
E só hoje,
Traz ao tabuleiro da vida a solução para esta noite

2025/09/23

Não é meu

 Não é meu. Nunca foi. Talvez se tenha falado, em tempos, dos seus contornos. Das cores garridas que tinha, invocadoras do prazer e da descoberta sensorial. Mas eu nunca o tive. Escrevi sobre ele. Situei-o no outro lado do mundo, num dia anormalmente frio de Verão. Descrevi-o a andar de mão em mão. Junto a uma fogueira de sentidos, com pessoas boas e más a discutirem a viabilização da luz como garante do bem estar e da saúde mental de uma sociedade. Mas agora, recuso-me a falar sobre ele. Sei que está fechado num museu algures. É trabalho para conservadores sisudos, de roupa formal, que trabalham com o silêncio como companheiro, e quase sempre com chuva imaginária a bater em vidraças de gabinetes escuros e proscritos. Se me pedires uma posição sentimental sobre ele, talvez ta dê. Há a verdade, o respaldo das mentiras, e a ilusão de que fazemos bem ao continuar a iludirmo-nos com a desilusão provocada, e a dor desnecessária. É isso. Não te vou falar dele. Não vale a pena. Sei que está bem. Que faz sol no sítio onde agora está. Não me parece que queira regressar. Já perdi as esperanças....

                                                                       Tirado daqui

2025/09/22

Tubo

 Tubo,

Vida cuspida de uma vez,
Tubo,
Lá longe um barulho,
Um som irritante,....

Tubo,
Love as you get the morning news,....

A cola sai de um Tubo,
E há o Tubo,
Com que se vê a loucura a sair de casa na manhã 

2025/09/21

Pelo menos sonho-te assim,..

 Uma coisa, 

A banalidade de uma roupa,

A desenvoltura de um pássaro a voar no céu,

Tu a respirares afanosamente,...


São o que faltar pro fim do dia,

E tenho tanto para acabar de te dizer,...


Descobri o formato esquálido das paisagens,

O esquecimento de uma bebida a inocentar-nos do pecado,...


Descobri o formato dos pomares de mortos,

Que povoam os sonhos que me permito ter,...


Mas há uma coisa,

A que não chego,

Acho que já lá estás,

Pelo menos sonho-te assim

                                                                     Tirado daqui

2025/09/20

Não participo em razões despertas..

 Sonhei a quantidade de ilhas vazias,

O especial de um céu composto,

Completo pelo vazio do abandono,....


Sonhei com o vento,

O envelhecer das mãos que criam,

E o renascer de uma mente,

que se trespassa com o caleidoscópio da verdade,....


Não participo em razões despertas,

Brisas que fazem de criança ansiosa,

Pronta para a despedida,

e o ardor de um mundo por conhecer,...


Sou como sou,

E já acordado dei a possibilidade de uma catarse,

À minha própria vontade de conjetura 


           
                                                      

2025/09/19

Da eterna solteira de cabelos desgrenhadoss,...

 Fazias renda, uma coisa tosca mas bem nossa, encostada ao muro de casa.

Nem sempre conseguíamos ser um.a nossa duplicidade via-se com frequência. Mas naquele momento encostei-me a ti. E senti-me parte do teu ser. Das tuas razões para o silêncio. Das formas com que falando, inventavas novas formas de comunicação nao verbal. E encostei-me a ti. Simples.

Não queria ser sondado, mal julgado. Preferia a invisibilidade. Só estar ali, no fundo, a absorver as imperfeições das tuas mãos, a sombra irregular daquela casa, que conversava connosco como um estranho a pedir as direções. 

Lembro-me que te falei de personagens. Da eterna solteira de cabelos desgrenhados, e que ainda não tinha nome. Do marinheiro que estaria prestes a matar uma pessoa se não lhe dessem atenção. 

Tudo caminhos possíveis para qualquer coisa que queria iniciar. Mas naquele momento nada interessava. Só ver-te. Enquanto fazias renda 

Kansuke Yamamoto, walk melancholy

1949

2025/09/18

A minha pele enoja


                                                                         Tirado daqui

Ilustração de Adams Carvalho

não sou de cá,

os pés que me

andem um pouco

acima do chão,….


 que se perceba

o que digo como

grunhidos,

e a minha roupa assuste,

se digam patranhas

 consecutivas sobre ela,....


a minha pele enoja,

é cor de café estragado,

os cabelos enrijecem

com o calor,

e respigam em dias gelados,....


há sapatos rasgados

e traçados pelo chão,

e mesmo assim sou um estranho,....


vivam as ofensas

que arrasto como latas


2025/09/17

Não sou de cá,...

 não sou de cá,

os pés que me

andem um pouco

acima do chão,….


 que se perceba

o que digo como

grunhidos,

e a minha roupa assuste,

se digam patranhas

 consecutivas sobre ela,....


a minha pele enoja,

é cor de café estragado,

os cabelos enrijecem

com o calor,

e respigam em dias gelados,....


há sapatos rasgados

e traçados pelo chão,

e mesmo assim sou um estranho,....


vivam as ofensas

que arrasto como latas


                                                                         Tirado daqui

2025/09/16

E podes começar a andar,...

 Sacode a terra,

Os pés já estão limpos,

O corpo contorce-se,

Os céus de inícios de Abril enganam,

Já não há aquele frio penetrante à roupa,....


Mas apetece ainda um aconchego,

Duas ou três vozes parecidas com o desfazer das ondas nas praias,

E assim já estarás iludido o suficiente para seguires caminho,...


Leva um livro mal amanhado debaixo do braço,

E podes começar a andar,....


Este é um incentivo semântico mas bem definido,

A que o caminho se abra à tua frente 

                            Tirado daqui

2025/09/15

....que nos dê proveito aos dois

 

                                                                          Tirado daqui

David Lynch
Oh Darling Please Come Home
Litografia em RIVES (marca d'água)

Tens de esperar,

O carro buzina,

A rua aperta como um desejo,....


A relação desejo-verdade modera-se ao entardecer, 

Um copo ajuda a entornar o espírito,

Ninguém me espera em casa,...


Sobre ti não sei,

E cá está um livro,

Antigo,

Sem sentido,....


Que nos dê proveito aos dois 

2025/09/14

...e amores inocentes

                         Tirado daqui

O regresso dos caçadores (1964)

Pintura de Andrei Alexeevich Yakovlev


Esta era a soma indefinida,

De coisas que não se escrevem,

Dos silêncios de uma cidade,

Mexidos numa caneca de café,....


Tanto medo,

Mal vestido,

Dito aos soluços,...


A ferrugem dos dias,

agarrada às figuras de pedra daquele lugar,...


E todos distantes,

A passarem debaixo do mesmo arco,

Ditos para o mesmo sentido de lado nenhum,....


E virava-se a página,

Perto do limite,

Com um autor sem idade e nome,

A imaginar caminhos para redescobrir soluções e amores inocentes 


2025/09/13

Numa apneia de conveniência

 respiramos o mesmo ar,

numa apneia de conveniência,

no aceno para esconder o

desfalecimento,....


sim,

quando nos sumimos,

a evasão é certa,....


esperam-nos à porta

 de um parque,

com árvores que acenam

ao sabor do vento,

e vão dizer-nos

que falta pouco para a despedida,.....


e o peito ofega,

arqueja inocentemente

como um cachorro que anseia pelo dono,...


e nós a respirar pelo mesmo

ar,

a aguardar juntos

ao som do nada com passos

                                                                   Tirado daqui

Aron Wiesenfeld (1972)
Fish Gatherer

2025/09/12

Empresto-lhe experiências,..


                        Tirado daqui

Greta Garbo e Mauritz Stiller, década de 1920

Onde a solidão vai ter,

Eu tenho dinheiro para me esquecer

dela,

e posses para lhe ser superior,

mas sigo-a,

aprecio-lhe o traje antiquado,

o andar insinuante,…


e escassez fonética,

ou por outras palavras,

falar apenas quando se lhe pede,…


e sigo-a até onde for preciso,

como com ela,

sirvo-lhe um copo com duas

pedras de gelo,…


e falamos,

empresto-lhe experiências,

ela sorri,

com distinção e sem vulgaridades,

como me contaram sempre ser seu

apanágio,

e a noite acaba antes que o dia

se engane a chegar,…


afasto-me,

sem esquecer que escrevo

o suficiente,

para que em qualquer momento,

a possa fazer regressar

2025/09/11

De pés cruzados,...


 Atino,
De pes cruzados,
Com aquele caminho negro,....

Por onde já andaram loucos e cientistas desorientados,
E agora se cheira a presente,
E o passado tem pedras grandes,
Que ate serão armas fatais para os desesperados,....

E chega a sombra,
Um desafio germanizado paira no ar,
Com gritos aluados num périplo desorientado,
Pela verdade,
Por mentiras tão diferentes como o sol,....

E há o mal sob tantas
formas distintas 

2025/09/10

Pausa a pausa

 As versões desta história,

Pausa a pausa,

Recordação a recordação,

Eram o que tinham de ser,....


Ninguém podia censurar,

Refazer discursos que tinham ficado por dizer,...


Apenas deixar correr o tempo,

E esperar que ele fosse digno de guardar este sonho,....


Falávamos de algo etéreo,

Que não exalava cheiros,

Nada que comprometesse os presentes,...


Nem pusesse em causa o nascer do sol,

Instável,

Novelesco como hemingway a sair da bodeguita,

Mas ainda assim um novo começo 

                                                                         Tirado daqui

De: Valerie and Her Week of Wonders (Jaromil Jireš, 1970)

2025/09/09

Sentado a olhar para o vazio,.. .

 Gostava de comer sozinho,

Olhava em redor,

E estendiam-se tantas almas ao sol,....


Preferia as vozes do passado,

De cores desmaiadas e roupas anónimas,...


Estavam lá,

Falavam-me dos que me eram próximos a sair para trabalhar,

Com canções de protesto a sumirem-se na rádio,...


E apresentava-se o desafio de me transformar numa casa vazia,...


Como tal comia,

Sentado a olhar para o vazio,

Desfiava-me como um atacador velho de sapato de trabalho,....


Estava bom,

Para quem eu era na altura 

                                                                       Tirado daqui

2025/09/08

Duas mãos numa mesa,...

 O peso,

Duas mãos numa mesa,

Estar aqui,

enquanto há água que se renova num ribeiro envelhecido,....


Isto são felicidades que estão lá,

Pesam mais que o amor,

Que os contornos do bem querer,...


E para mim defendo,

Que isto não é sobre sentir,

Sequer sobre falar,

É sobre partir,...


E deixar os olhos,

 onde sabemos que estará o descolar do nosso passado,

E a cor neutra,

do que quer que venha no momento seguinte 

                                                                                Tirado daqui

2025/09/07

Fim de capítulo,...

 O sentido da água,

Um crime que devassa a vida santa de uma ideia,

Chuva desprendida do basalto do céu,...


Página virada,

Descobre-se o sol,

Som concentrado no vento,

Saído do sino de uma capela esconjurada,...


Fim de capítulo,

Ela pensa nele,

Olha de soslaio pelas cortinas envelhecidas de uma casa encovada,

E escurecida,...


Ele dorme longe,

Muito longe,

Sozinho por opção própria,

Doente com a finta do destino,...


Chove de novo,

Será uma experiência religiosa,

a ficar na ideia de qualquer leitor

                                                                    Tirado daqui

2025/09/06

Andar aos saltos no chão,...

 Agora muitos dentes,

Sorrisos vá,...


Barriga para fora,

Mexer-se como um desnorteado para fazer o sol,

Andar aos saltos no chão entre os gatos que respigam no chão,....


E o preço,

Dizer que isto tudo é caro ao deprimido que nos observa sem emoções,

Fazer de conta que a noite não vai chegar,....


E dizer ao homem dos jornais,

Que se quer o tabaco do dia da nossa morte,...


É isto a loucura a chegar de sapatinhos de lã,

E ainda hoje começa a semana,...


Faltam tantos choros para escrevermos bonito outra vez

                                                                       Tirado daqui

Xingzi-Gu
Rouge, 2024

2025/09/05

Imaginar em pares de versos,

 Carne de cada corpo,

Lágrima de todos os olhos,

Poder chamar-te segundo em vez de tempo,....


Na codicia de um abraço que me foge,

De um lado só do nosso mundo secreto,...


Imaginar em pares de versos,

Como os que agora te namoram as pupilas,

Se o verbo fosses tu,...


Se assim fosse o ser,

Abdicaria de mim,

Porque viver em entranhas destas,

É ser do olhar,.. .


Dos instantes que sempre foram os teus,

E agora se espalham,

Como arte defronte dos nossos passos 

                                                                 Tirado daqui

2025/09/04

Os dois ou três restos de pão,....


                                                                     Tirado daqui

Loie Fuller fotografada por Samuel Joshua Beckett | 1900



Ao mesmo tempo que a luta,

Um boletim de célula partidária ensanguentado,

Os dois ou três restos de pão que são os últimos da casa,....


Tudo num último capítulo de livro,

A primeira obra de um autor pouco experiente na vida,

E no respirar,....


E que teve um pai,

Lá atrás no tempo,

Que lhe ensinou o abandono espalhado pela casa,

Em copos de vinho rachados,

E correctivos bafientos e que só doiam se se quisesse,....


O homem novo é alcançável,

Mas convinha ser relido,

E com uma música vulgar de despedida a acompanhar

2025/09/03

A vida é um apelo à desilusão, .

 


Um murmúrio,

A frase antes da frase,...


Das letras perigosamente próximas,

A anteverem o mal,....


Ontem eram detritos,

Passos antecipados,

Muitos por conveniencia,

antes até de o tempo ser a linha irregular,

Onde se multiplicam números,

que buscam o espaço e a razão,....


A vida é um apelo à desilusão,

Mascarada de mulher que no trovão imaginado,

Suspira por um corpo que a encante

                                                                      Tirado daqui

Ulrike Ottinger
Kriegsgott (Deus da Guerra)
1967

2025/09/02

Deseja-se tanto a obliquidade,....

 

               Tirado daqui

Gráfico de Egon Schiele

É difícil ser plano, certo?,

Dores enviezadas no peito,

Estragar olhares com horizontes distorcidos,....


E falar,

Falar muito como se os problemas do mundo se solucionassem,

Perto da água e debaixo do futuro,...


Deseja-se tanto a obliquidade,

A perspetiva errada dos assuntos certos,

E desdenhar,

Desdenhar sempre,

Até a espinha entortar,....


E um beijo,

Ainda que fugidio e despido de sentimento,

Resolva a parcela que falta 

2025/09/01

Setembrando a 1 de maio

 -anda para aqui
O amor moldava-lhe as palavras, a ponto de a desilusão se sobrepor à vontade de partilha. De conforto. Ele era agora uma pessoa adaptada ao que a vida lhe trazia. Os cheiros das novidades. A falta de expetativa de dias sempre iguais. Mas naquele momento, enquanto de soslaio olhava para o ponteiro dos segundos a acabar de dar mais uma volta completa, queria-a junto de si. Acomodada, sem que as palavras servissem para empatar o que fosse. Apenas ali. E ele iria encarregar-se de adaptar o seu corpo à situação. Escrever-lhe palavras de amor invisíveis, com a certeza de que seriam lidas pelos olhos pequeninos de quem ali estava. Pedir ao tempo que fugisse daquele cenário idílico, e deixasse que fosse o espaço, as contingências de odor, de cor, a dominar o que advisse daqueles momentos inexplicáveis por si só. Com a certeza de que agora, dedilhava desta forma numa folha branca, por só saber escrever sobre amor, sobre desilusões de amor, sobre a cor do amor. Mas queria-a ali. E voltou-lhe a pedir que se aproximasse....

Foto de Kin Chan Coedel
                                                                 Tirado daqui