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2017/10/27

Texto #89

Foi o pior dia de vidas que estavam unidas, naquele corrupio de eternos anoiteceres ocorrido quando as costas se viraram. Da calma de uma praça de cidade pequena, de repente, surgiu a tempestade do saber-se que nunca mais olhares apaixonados se cruzariam. Lágrimas rolavam até se partirem, como cristais, na calçada portuguesa endurecida por décadas. Só restou a enviesada sensação de que às vezes é assim que se desfiam os pormenores da tristeza como costela imprescindível da condição humana….
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2011/09/29

Texto #90

Tremelicava o pulso. Gostava de o fazer, mas arredondando a situação de forma a que ninguém reparasse. Era uma nova velha, ou uma velha com tiques  de nova. Gostava ainda de se chamar insuficiente desculpa de ser humano com quem nada se pode conversar. Era pendurada nas situações menos claras que este sentimento criava, que passava as noites. Abraçava-se ao picotado do escuro, sempre com o pulso a tremelicar. Se não o controlava, arrastava-se no turbilhão que a situação proporcionava.

2011/08/30

Texto #91

Amanheceram-se assim várias coisas, em desabrochar de céus azulados. Era um carro que conduzido pelo frustrado da terra tentava não morrer a meio da subida. Pela berma da mesma estrada, procurava-se qualquer coisa pelas pernas de uma velhota desgastada.E cá em baixo, dois petizes com cabelo desgrenhado mas olhos felizes como o desterro nos sonhos, chutavam uma bola em carcaça, insultando-se carinhosamente.
Apetece descrever tudo isto, mas ao mesmo tempo o silêncio, a cruel brutalidade do não dizer nada, talvez fosse a melhor forma de cativar atenções.De dizer às pessoas leiam isto, porque os  sonhos são qualquer coisa que se assemelha ao som que se solta assim. E parecia ser isso que por aqui se respirava.

2011/04/21

Texto #92

Quem quiser que a vida conforme a pensou seja fácil, que a desenhe. Não somos repositórios de momentos apenas sentidos. Fazemo-lo com a serenidade que o pensamento nos dá. Ao repetir inspirações, desilusões, segundos desfiados em tantas coisas e pormenores de somenos que se tornam séculos difíceis de passar e descrever. Talvez com rabiscos tremidos. Semi-círculos de luz aconchegados pela insegurança tremeluzente de uma divisão de subúrbio inundada apenas por um fio de luz artificial vindo não se sabe muito bem de onde. É isso. Sou apologista de desenharmos o que nos dá vontade de chorar. A solidão que quase já se despenhou dentro um peito cansado de respirar. E os dias que não passam até chegarmos perto dos que nos amam. Com tudo isto podemos mal. Sem nada disto, acho que nem escrever estas coisas sem sentido poderíamos. Ao perdoarem-me o que acabei de descrever, que o façam por um motivo. Haverão de cá estar amanhã para repensar toda a forma como já erraram, e não o souberam admitir.....

2010/08/08

Texto #93

Não serei por eles mais que o som. Os que cá ficaram, nada me dizem. Os que partiram, deixaram a memória. Foram como árvores a cair mesmo que ninguém as tenha ouvido. Ficou um peito cicatrizado e em chaga como o que carrego até o último suspiro mo tirar. Vi tudo quando a transformação era ainda simples. O vento soprava sempre do mesmo sítio. As coisas deformavam-se à medida que o homem as abandonava. E as pessoas conseguiam ser felizes pensando que dão à luz outras pessoas que também querem vir a achar esta passagem como uma experiência que valeu a pena. Tudo mudou quando o mundo pareceu abraçar a sombra. Deixei de ser o social, e sou agora o anti qualquer coisa a mais que eu e os meus. Desgosto de dizer que o futuro somos nós todos. E andar a evitar as gotas de chuva ácida que o céu teima em tombar sobre nós faz de mim uma invisível sombra do que fui.
E foi como conheci quem tentei sempre ser. Um dia contornava a mesma rua, evitando os olhos de morte do aglomerado indiferente de arrotos estridentes, quando me deparei com a certeza de que era eu que pairava assim, ao som do bailar de uma flor morta.Foi o som a despertar sons, e depois a trazer lágrimas de emoção, e no fim a deixar-me incrédulo no que não conseguia perceber. O belo nunca tinha sido tão imprescindível. O feio perdia cores. As certezas do fim, irremediavelmente travestiam-se de raios incólumes de luz do bem.
Sentei-me a escrever o que sentia na ardósia dura do alcatrão, para sair a reflexão mais dura de sempre sobre o que os homens querem do futuro.

2010/06/17

Texto #94

Do mal as coisas de perto. A lassidão do vento que nos toma os medos, e pinta a pele com antecipada frustração pelo amanhã. A futura devassa. Os sorrisos que pelos choros transformam o tempo em coisas poucas que roem o impenetrável. É a conversa que nos vai mantendo. A recitar poetas malditos e sem heranças. Escrevendo em cantos de páginas rimas indecifráveis que nada dizem quando fraccionadas. Desmandos contínuos. Afãs ardentes e sem sentido. Nada...

2010/06/09

Texto #95

Com o sangue a escorrer sucintamente nas paredes da concordância, as pessoas sentiram-se inseguras. Capazes de descreverem-se com palavrinhas pequenas e desprovidas de sentido,
mas com aqueles sorrisos que tornam tudo mais complicado e infeliz.

2010/05/05

Texto #96

De todas as ruas feitas ácido, salvava-se aquela das flores de sombra. A da mulher do fato escuro, com pés de vento, e sintomas de querer, sem desejar. Passeei-me pelas frestas sangrentas das pedras da calçada de fados. Cantava baixinho o desejo, naquele amanhecer encantado. Como a sereia que ali me trouxera. Sou o que escreveu poemas baratos. Coisas sem sentido, esforçadas, mas que dissecadas só encantavam o ar. Nada mais.

2010/04/08

Texto #97

Ora se fala da família. Também se fala de morte. Deixam-se de lado soberbas difíceis de explicar, e as pessoas reúnem-se. Discutem perspectivas incineradoras de ideias políticas, trocando-as por decisões de amizade e serenos encontros entre pólos opostos de ver as coisas. Quem se posicionar à margem, vê os factos. O indefinido passar do tempo, com a água a contornar as irregulares faces dos medos humanos.
'Com paz, tudo se alcança', escrevia um filósofo de cariz oriental, embalado pela facilidade com que o fogo era contido à porta daquela sala estanque, e capaz de imunidades irreconhecidas.

2010/03/27

Texto #98

Afundado nos sonhos destes primeiros raios de sol dos últimos momentos da minha vida de infeliz. Sou marialva, numa inconsequência que a manhã lá fora, ao bater nas portas dos infimos mortais, descobre aos poucos, e deita fora. Deitei-me por sobre o fogo morto das ideias deslindadas e insuficientes, e acordo amorfo. Presumivelmente incapaz de determinar se são os pássaros chilreadores que me querem matar e incinerar, ou se sou eu que quero o mundo todo na alcofa do meu choro impassível. Raios para mim. Raios para tudo o que de feliz me entra pelas janelas neste dia amarelecido de tão bonito. Pintado de vermelho sangue morto, ponho pé-ante-pé com o intuito de desmentir o chão que me parece querer engolir. Lembro-me de todas as manhãs infindas como esta, que de tão sedutoras quase me tiraram a vida nas ondas intermináveis do choro.

2010/03/05

Texto #99

As pessoas entravam. Ninguém reparava no sentido menor das dúvidas. E cabiam nos nós dos dedos, pequenas porções do sangue invisível que as paredes falavam naquela sala. Diziam de tudo, sobre a infelicidade pintada da vida que ninguém consegue explicar. Eram muitas, sendo só uma. Todos queriam o mesmo, pensando que seria mais coerente deixar paralisar a roda viva do mundo, deixando-o flutuar. Pessoas de fé. Gente correcta, com o que de correcto tem a vida aos solavancos na perspectiva das crianças a sorrir antes de chorarem. Do muco invisível que sai do último suspiro antes da libertação final.
Falei com ninguém, conseguindo partilhar tudo, com todos.
- Sou o Sol
reconheci para o mais velho dos velhos que ali, a conta-gotas, desaguava.
Respondeu-me com a lua que, corporeamente, se assenhoreava do céu moldado a cinzento que se despegava do dia. Apontava para os contornos irregulares daquela forma branca que conseguia apagar de todos o sorriso normal do que parecia ser o cumprimento efectivo de um objectivo de vida.
- Sou o sol, já disse. E quero respeito
senti-me assim, o mandante das coisas findas. Nada do que alguma vez escrevi faz sentido. Muito menos consigo falar . Resta-me apetecer mandar. Efectivamente ordenar, sabendo que ninguém vai ouvir-me. Mas acabarei este relógio feito dia, pensando que o consegui simplesmente por estar aqui. Mesmo a sentir o sangue a retornar, imparável, para dentro das minhas veias de onde escapou.

2010/02/28

Texto #100

Destituiste-me de seres pátria. Deixada a fardos de sonhos, encontrei-te depois como continente de beijos. Assomada na varanda que a madrugada lançou sobre o dia que não queria nascer, estavas parada. A aguardar entronizações dessas parcerias amor-ódio que formavas com olhares enrijecidos por tomadas de posição enérgicas sobre a morte.
Desenhavas assim como um raio de sol. Daqueles que esmagam a areia quando querem deixar o mar sem resposta a perguntas inofensivas sobre a existência. Criavas pessoas pequeninas, que cantavam. E descarnavam crianças para depois as amarem. Mas tu, continuavas a ser tu. Talvez com menos intensidade de depressões, e sempre a meia-luz de amor. Não te alcanço, nunca o fiz. Talvez porque não quis. Talvez porque o teu não deixar, sempre foi mais forte que o meu querer. E restavas-te assim. Sentada com um toque infindável de brisa nos cabelos cor de malva que o vento insistia em acariciar distantemente.