2025/05/31

Briqueabraques

 Entre todos os briqueabraques,

As indecisões,

Os momentos em que um toque desfez o gelo,...


Tudo não significa mais que medo,

Um correr de água permanente e entediante,

Destinado a partir as hesitações....


A fazer com que os livros se abram na página certa,

Indicando que hoje é aquele dia que se esperava,

E que a espera só irá prolongar todas as agonias possíveis,

E até indesejáveis 

                                                                        Tirado daqui

2025/05/30

Porque foste tempo parado,...

 Escrevo-te porque não sei de ti,

Estou na raiz da ausência,

Na melhor frase de um consentimento total à liberdade,....


Porque foste tempo parado,

Encosto coletivo ao tic tac dos segundos perdidos,

Da roupa espalhada no calor de toda a ausência,....


E toma um verso sem sentido,

Todo um caminho feito de poesia desnivelada,

Arremetida à insalubridade de tudo o que deixaste 


para trás 

                      Tirado daqui

2025/05/29

E um livro que o atesta,...

 A casa ainda tinha cada cheiro nosso,

Cada equívoco,

Frases por dizer e chuva mal sentida,....


A abertura dos passos com que nos afastamos,

E um livro que o atesta,

Com uma versão diferente para cada um de nós,....


Não temos de perceber o tempo explicado desta forma,

Somos os intervalos dos problemas que ele deixou por resolver,

Temos as mãos amarelecidas aqui,

Onde perdemos a vontade e a secura da solidão,....


Mas tudo nos é explicado agora de forma conveniente,

E é isso que conta,

A luz há-de ajudar a que o paradigma mude

                      Tirado daqui

Eva González
The Pink slippers

A latitude deste país,...

 É certo que aquele pode ser um político desesperado,

O país floresce,

As pessoas entristecem menos do que a alegria contagiosa pode permitir,...


Há focos de revolta contida,

E meninos de mão dada com as mães ,

Que nada exigem e limitam-se a sentir a preciosa sensação de pertença,...


E quem sabe,

A latitude deste país permaneça desconhecida,

Não há livros que o localizem,

Nem sábios disponíveis para o escalpelizar,

Apenas a ideia de idealismo que a ele se aplica,...


E o político desespera

 ao pensar que nunca chegará a mais do que um conceito díspar deste lugar inalcançável


Leprechaun (1993)
Realizador: Mark Jones

2025/05/28

Refúgios como este,...

 A carne da tua carne,

As decepções sem nome num voo inocente,

Infeliz,

Faz-te pensar em herança como o que está por detrás das nuvens de qualquer dia,...


Não são lições de moral,

Vozes estranhas e sem idade,

Ter de escrever assim,

Mas sim a rapidez do passar do tempo,

O efeito monopolizador que ele tem nos nossos corpos,....


E depois a volta de ti mesmo nos finais de dia repetitivos,

Refúgios como este,

De canções estranhas,

Poemas inocentes e desprendidos como o que lês,

Talvez sejam a saída possível,

Para evitar a loucura


                                                                     Tirado daqui

Kati Horna ,
Remedios Varo em uma máscara por Leonora Carrington
1957

2025/05/27

E ainda ontem era madrugada,...

 

                                                                           Tirado daqui

As hesitações,
As discussões que não tiveste,
O silêncio,
O mesmo que te escurece o ser das noites,
Foi ele de quem saíram todos aqueles poemas insultuosos,...

E ainda ontem era madrugada,
Ainda ontem sentias aquelas peles sedosas contra a tua,
Quando te guerreavas acordado,
A olhar pleno de medo contra a parede,
A voar pela ausência dos que te deram vida,
E a pensar que se calhar esta cidade não tinha cheiro,
Nem valor,...

E que te terias de mudar com urgência,
Mas não sabias como...

Por isso ficar tudo como está,
Com esta fome de morte que te acaltifava a barriga,
Era capaz de ser o melhor 

2025/05/26

A manhã,...

 A manhã,

O que resta da manhã na lancheira manchada,...


A vontade de desarticular o amor,

E a manhã que não passa,....


Cheira a valsa incompleta,

Das dançadas numa pausa,

Sem ser levada a sério,...


A manhã que ainda bate à porta,

Condoída e discordante,

Como uma viúva inocente e afrontada

Pelo que a noite trará de branco

                                                                    Tirado daqui

2025/05/25

Faz saber,...

 

Faz saber o azul do corpo,

O carmim dos lábios,

O desânimo da ausencia,....


Faz saber a distância de um passo a mais,

E como é bela a virtude de faltar,

Faz saber pela escrita,

Em versos assaz estranhos,

De pernas disformes e a presença da morte,....


Faz saber que sozinho,

Vales mais que a totalidade da escuridão,...


Faz saber,

E prega assim a ignorância 

                                                                                 Tirado daqui

2025/05/24

Na linguagem barroca,...

 No jogo de emprestar virtude à linguagem,

De a tornar cativante,

Vestida de mel e coisas bem cheirosas,

Eu era decente,...


Na forma como via uma simples brisa,

A mesma que içava a tua saia como uma pétala de rosa,

Em dia absurdo de primavera,

E te tornava na longitude e latitude da perfeição,...


Na linguagem barroca que para mim era o travesseiro da cama medieval que era a nossa,...


E por fim,

Nos sorrisos,

Teus,

Meus,

De todos,

A forma como deixávamos que eles nos povoassem a vida

                          Tirado daqui

2025/05/23

Descrita de fio,...

 E destes dias,

Cá vem a repetição profunda e doentia,

De todos os dias,

A noção de falta de um todo,

Ideias curtas,...


Peito apertado,

Libertar frustrações,

Medos apertados,

Passados por completar,

Tudo pelo sexo,....


A pessoa que se adivinha,

Dia após dia,

Descrita de fio,

Como um copo de água fria,

Da maneira mais insuportável e libertária possível,....


Com medo de um cursor que treme,

E de uma criatividade opaca

                       Tirado daqui

Foto de David Galstyan

2025/05/22

Adeus happy:-(

 


A tua mesa da escola,..

 O horror,

Eu sei o que o horror é,

Duas e tal da manhã e murros na cara,

Pontapés e um lápis meio gasto jogado aos teus pés,...


E uma voz sumida,

 e ao mesmo tempo mais estridente do que alguma vez ouviste,

Pede-te que desenhes,

Uma avó que não a tua,...


A tua mesa da escola,

Com o garoto da voz iníqua ao teu lado,

Que te aponta o sol,

e faz um desenho dos rostos sonhados e desunidos,...


E na volta da manhã,

Olhas

Arredondas os olhos,

Curvas os gestos,

E não estás em lado nenhum...


Há um quarto que é isso,

Lado nenhum,

A sul de um coração enlouquecido

                                                                   Tirado daqui

Pintura de Eric Bowman

2025/05/21

...à sombra de todas estas indecisões


                                                                                     Tirado daqui

A demora,
A raiva enlatada,
Esperar por ti como um designio de um país longinquo e perdido,....

As permanentes idas e vindas do mar assim,
Como razão especifica e concreta para que a loucura possa,
Um dia,
Vir para ficar,....

E se vier,
Eu escreverei sobre ela,
Nem que seja a última coisa que faço, 
 à sombra de todas estas indecisões 

2025/05/20

Era a sua pena de morte,...

 Escrever sempre sobre o mesmo,

Era equivalente a paredes de casa revoltadas em sangue,...


Igual ao silêncio da admissão de morte,

O mesmo que se espalha pelas casas como o cheiro da vida,...


Era a sua pena de morte,

A frase errada no momento da dúvida,...


Tentou alterar as experiências marcantes,

Fazê-las de gelo,

Belas à sua maneira,

Com a novidade possível e embelezada pelas figuras de estilo,...


Mas nada se resolveu,

E em nada conseguiu resolver-se,...


A continuação da poesia monótona foi assim o esperado que deixava em todos,

Sem surpresas

                              Tirado daqui

2025/05/19

...na segunda página do vazio

 A verdade,

Cá volto a esconder-me atrás do seu corpo disforme,

E repelente,

Ando à procura de não sei bem de quê,...


Um refúgio evidente das ofensas,

Das explicações replicadas,

De mim mesmo inseguro,...


E onde me assusto mais a chorar num banho de final de dia,....


Há sempre um ou até vários livros como defesa,

A voracidade de enredos geométricos,

Para me esconder dos passos desordenados da minha voz,....


Sim,

Estou na segunda página do vazio,

Se entretanto me quiseres

                       Tirado daqui

De: Lostoneself

2025/05/18

Tinha perdido o amor próprio,....

 O dia estava rotineiro. As pessoas entrecruzavam-se, em tangentes calculadas, e seguiam caminho da forma habitualmente desprezível para a condição humana. Ele posicionara-se conforme o acaso lhe dissera. Debaixo de uma sacada de janela antiga. Cavalete aberto, estojo de desenho no chão, e o cão, um indolente rafeiro, companheiro de todas as horas, deitado a arfar 

Chamava a atenção pela magreza. Cabelos compridos desgrenhados, e maçãs do rosto quase tão proeminentes como o nariz. Tinha perdido o amor próprio há muito tempo, por razões que talvez mais à frente nesta história se expliquem. Agora ia desenhar. Não sabia quanto tempo ia ter, já que o céu de meados de Novembro escurecia rapidamente, e a Lisboa a que se habituara era cruel com as manifestações meteorológicas.

Onde estava, só podia concentrar-se nas multidões. Pessoas de todas as formas, cores, aparências. Melhor e pior vestidos. De presente claro, ou passado difuso. Não interessava. Com um pedaço de carvão irregular preso na mão direita, e com o olhar ocasional que o cão lhe devotava, dedicou-se a esboçar rostos, e corpos, e acessórios...

Mas principalmente sinais de loucura. Eram os seus preferidos de retratar, e naquela Lisboa que o tinha espezinhado, especializara-se nesse desígnio 

                             Tirado daqui

2025/05/17

O Inatingiveis apoia o bicampeão

 


Era uma regra tosca,..

 Ficou convencionado que as figuras mágicas e prosaicas,

As mesmas das madrugadas quietas e ledas,

Descritas com o descolamento da realidade que o chauvinismo traz,

Fossem descritas em tons avermelhados,

Ensanguentados até,...


Era uma regra tosca,

Escrita quando o tempo dava as suas voltas ilusórias numa tumba que lhe será eterna,

E no meio dessa inquietação forjada,

Sobrava alguma água onde estas descrições de circunstância,...


Ganhavam dimensão,

Uma visão clássica,

Que as tornava compreensíveis aos olhos de quem até,

Se sentisse influenciado por nepotismos e princípios distorcidos


                                                                     Tirado daqui

Melancholia (2011)

De: Lars Von Trier

2025/05/16

Ao sol de uma tarde de Verão,...

 Os remorsos jogavam-se como cartas,

Sem interessar o número de participantes,
Ou sequer as possibilidades de derrota,
Era um jogo exequível,
Com um potencial transformador de vidas,...

A mãe da situação era a manhã,
Embrionária de mudança e da
Vontade perdida,...

E havia muitas razões para que continuasse ao sol de uma tarde de Verão,...

Mas o tempo escurecia sempre as possibilidades de tudo,
E o silêncio voltou de repente,...

Sem que a noção de vencedor fosse realmente compreendida
                                                                            Tirado daqui

2025/05/15

Choro envelhecido

 quem há-de chorar,
os que dão a primazia à noite,
ao insulto gratuito do silêncio,...

uma dor que sai destruída,
e caminha sem roupa
por ruas escurecidas,
por entre almas destroçadas
dos que sofreram mais que
o destino podia prever,....

e se se chora,
recompensa-se,
ganha a virtude,
a previsão inocente de
qualquer coisa,
que só temos de observar
ao longe

                          Tirado daqui

2025/05/14

Que se recusava a dar nas vistas,....

 Estava intrigado. Sem perceber os sinais que a situação emitia. Nem o tempo possível de um caso como este. Diziam-lhe ter um sinal visível no corpo. Ele perguntava qual. Ninguém lhe respondia concretamente. Pensava com isso ter uma diferença difícil de entender para os outros. Haviam excepções em que se afirmava como uma pessoa muito carateristica. Que se recusava a dar nas vistas. Mas outras em que, com pouco ou nenhum esforço, fazia com que os outros reparassem nele. E aí resguardava-se. Sentia o corpo a desenhar transparências que o pudessem defender. E naquele momento, achava que pudesse passar sem se explicar. E assim conseguiu. Por entre olhares inquisidores, e perguntas desagradáveis e até ofensivas, seguiu caminho com os olhos fixos no chão. Era o meio do dia. Sentia que tinha por fazer ainda muito mais do que já tinha feito.

                          Tirado daqui

2025/05/13

Caos XXI

a loucura,
o copo de água rachado,
que reproduz som desordenado,....

um assobio insolente,
como uma ordem,....

uma mulher frustrada
que grita aos sete ventos,
que quer uma nova vida,
livros adjacentes
que se leiam ao contrário,...

um homem entristecido,
que pede para que as
flores fiquem,
e a chave do quarto se substitua,....

e procura na poesia
de que secretamente gosta,
a resposta que ainda desconhece

                                                                               Tirado daqui

2025/05/12

Sobre a prosápia,...

Sophia Loren fotografada em 1964

A posição era a ideal,
Uma mulher consciente das suas limitações,
Suficiente em medos que não a dominavam,
Mas apta a avançar,...

Olhava com o receio do quotidiano,
Sorrateira,
Sobre a prosapia de quem passava,
Buscava confiança,
Atitude de dominação,
Amor fosse isso o que fosse,...

E era ainda cedo,
Poderia esperar pela esfera do anoitecer,
Até encontrar quem a pudesse achar 

2025/05/11

Na mente dorida,...

 Às vezes a gente esquece a dor,

Como se poesia fosse um acessório dispensável,

E o tempo contasse como grãos de areia na mente dorida,...


E o que diz isto,

O generalista incapaz de especificidades como uma prosa genérica,

Histórias sem rei nem roque,

Encontra na alma espaço para refletir,

E pensar que a dor faz falta,...


Em doses certas,

Mas como recurso que deve guardar se sempre,

como tesouro 

                                                                                Tirado daqui

2025/05/10

Deu-lhe um nome qualquer,...

 Ocorria-lhe,

A doença era um motivo para escrever,
Semelhante a um lençol que cobre do frio,
Ou a um desentendimento,
Sim um conflito sem razão,...

Inofensivo e ligeiro,
Que se resolve pela presença,
E palavras abrasivas e preponderantes,...

Por isso,
Voltou-se para a criação de um personagem já com a terceira idade consolidada,
Solitário,
Sem esperança e circunspecto em todo o tempo,,...

Deu-lhe um nome qualquer,
As coisas banais da vida não vinham ao caso,
E era pouco o tempo em que o queria a mover-se,
Assim como o espaço,...

Reduzir a esperança do único centro desta história,
Começaria a partir daí 
                                                                                    Tirado daqui

2025/05/09

afastar

 

                         Tirado daqui

Irving Penn, Rose-Blue Moon (1970)

às vezes afasto-me,
sou tão melhor que
um ponto,
dois desânimos,
toda a frase reconstruída
da separação,...

e se me afasto,
o propósito é claro,
desconstruir,
lamentar tudo
e por todos,
com tanta força
como a que sempre tive,
e desperdicei sem porfiar nada melhor,....

e daqui,
afasto-me até envelhecer,
sempre e cada vez mais

2025/05/08

...em jardins de coco

 Vontade de serem nossos,

estes contos escritos,
ditados,
recitados com vozes perdidas,
em jardins de coco e sem som,….

tudo o que fugir ao regular,
não dará personagens,
nem doenças aleatoriamente fatais,…

a minha ordem será sincera,
e não permitirei nãos na sequência
de uma história,
que forçosamente não terá final,…

nunca foi de memórias torpes o que vivemos,
mas sim da música,
do rasto infundado de desejo que ela deixa

                                                                      Tirado daqui

2025/05/07

Quando se respira,...


                         Tirado daqui

André Breton, Marcel Duchamp, Max Ernst (atrás de Morris Hirshfield’s “Nude at a Window (Hot Night in July)”), e Leonora Carrington (sentada) no Peggy Guggenheim’s townhouse, Outono de 1942, New York 


Numa noite,

o conceito de outras noites foi abandonado,

Demasiadas leituras desnecessárias,

E um cruzar de pernas lânguido adia a partida,....


Quando se respira,

Parece a madrugada afastar-se,

como água levada pela fatalidade do planeta,

E a escuridão permanece,

Madrinha,

Inviolada,

E o respirar dificultado e desnecessário de quem não se prende pela necessidade,...


A voar,

A pensar,

Há antenas antigas de recepção de amor,

Espalhadas neste lado do mundo

2025/05/06

A frase tonitruante,...


                                                                                 Tirado daqui

O arrependimento enxota-me de casa,
Nada parece ter contornos de beleza,
Com uma manhã exótica,
Repleta de sombras iludidas e ilusórias,...

Pondero tudo nesta decisão de andar sem destino,
A luta,
A cobardia,
O ter uma idade instável,
Como os meus olhos de maré vazia revelam,...

A frase tonitruante da infância,
A mesma das noites escuras,
Repele-me de volta à segurança do escuro...

Mas prossigo,
Até que da música que sempre acomodo nas sinapses,
Retiro plantas verdejantes para o meu futuro 

2025/05/05

Nós vemo-la,...

 Uma fé anunciada,

Subtil,

A ponto de a mulher denunciada se aninhar nas ruas vazias,

A fazer de necessidade,

De tempo frustrado e desnecessário,...,


Uma mulher que com a luz precisa,

Descoordenada,

Faz de todos os pontos cardeais um começo,

E se debruça depois no miradouro das decisões,

Para fazer o que dela se exige,...


Uma mulher que está ali,

Confiável,

Nós vemo-la,

Mas não merece o nosso gostar

                                                                        Tirado daqui

Robert Wun Alta Costura Outono Inverno 2024/2025

2025/05/04

Há muito tempo atrás tive uma mãe,...🥺


 

E é Verão,...

 

                                                                           Tirado daqui

Felizmente que só está aqui o homem inseguro,
E é Verão,
As casas fazem sombras estranhas,
E tudo é inócuo e sem sentido,....

Será seguro para caminharmos tranquilos,
Roupas largas e pernas desembaraçadas a galgar caminho,
Rua acima,
A passar por mostos de sangue em baixo de beirais,
E livrarias fechadas mas ainda com herbertos empoeirados nas montras,...

E lá no topo,
Estas pessoas improváveis que somos,
Inconstantes e talvez amorfas,
Olham para trás e caem no feitiço,
De um pôr do sol que se calhar nem está lá,....

Duas pessoas improváveis,
Que se calhar nem existem 






2025/05/03

Pelas horas do dia

 Nós nunca nos calávamos. Podiamos abraçar a vida, como ela nos abraçava a nós. Era sempre do ponto mais alto da cidade, que juntos, de mão dada, espreitávamos a pôr do sol, e o tempo ficava assumidamente mais pequeno. Para nós tudo bem. Éramos um grupo grande, de bem vestidos, esforçados, os menos específicos do mundo. Esta era da minha autoria, o autor poliglota do grupo. Que levava uma série de nós pela mão até mundos coloridos, diversos, situados nas partes simultaneamente ensolaradas e escuras da vida. Não me importava que fossemos lá nus. Desde que chegassemos juntos. E perguntassemos muito. Sempre cada vez mais. Pelos mistérios insondáveis da vida. Pelas horas do dia. Tanto fazia querer saber o caminho da praia, como quanto durava a noite. Tinhamo-nos uns aos outros, e não éramos de ninguém ao mesmo tempo. Parecia-nos bem o amor como um fim a alcançar, e o ódio como um tema de conversa igual a outro qualquer. E quando os primeiros de nós decidiram partir, não houve tristeza. Acho que perdemos os sentimentos. Os nossos corpos tornaram-ee mais pequenos. Menos significativos e de significado. Até que o dia do silêncio total chegou. Demos as mãos. Já éramos poucos. Recordo-me do teu sorriso. Outrora meu. De bálsamo feito. Agora era uma sombra difícil de distinguir, que se confundia com a noite que tinha vindo para ficar. E surgiu se calhar o momento em que nos tornámos um só. E a criança velho, feita das possibilidades incumpridas do que fôramos como realidade, levantou-se e partiu para nunca mais voltar 

                                                                               Tirado daqui

2025/05/02

A sevícia da pele,...

                           Tirado daqui
Jean Cocteau

O tempo todo a esmagar a revolta,
A sevícia da pele,
Da culpa,...

E quando se era criança,
Ter achado o mesmo,
Na noite,
No dia,
Quando o amor nos virou a cara,
E em noites alternadas ter-nos doido a alma,....

E agora que somos velhos,
Este amanhecer,
Sempre encolhido,
A fazer de conta,
Que não vê a culpa

2025/05/01

Maiando a 27 de dezembro

 Lembro-me,

Através dos vidros foscos dispostos nas paredes em esquadria daquele velho sitio,

Que via rostos,...


Via situações perdidas no tempo,

Ouvia conselhos,

E até a insinuante e infinda vibração do mar,...


Era uma sedução que aprendi desde que não sabia o que era sedução,

O reflexo da minha insegurança,...


A luz a dizer-me como sonhar,

Até que aprender substitui o respirar,...


E tudo no reflexo daqueles copos,

Tantos,

Sempre dispostos milimetricamente,

Ao nível de diversos olhares,

Mas nunca de qualquer toque 

                              Tirado daqui
Vendedoras de flores nas ruas 
Moscovo, 1956,
Fotografia de Lisa Larsen