2025/05/18

Tinha perdido o amor próprio,....

 O dia estava rotineiro. As pessoas entrecruzavam-se, em tangentes calculadas, e seguiam caminho da forma habitualmente desprezível para a condição humana. Ele posicionara-se conforme o acaso lhe dissera. Debaixo de uma sacada de janela antiga. Cavalete aberto, estojo de desenho no chão, e o cão, um indolente rafeiro, companheiro de todas as horas, deitado a arfar 

Chamava a atenção pela magreza. Cabelos compridos desgrenhados, e maçãs do rosto quase tão proeminentes como o nariz. Tinha perdido o amor próprio há muito tempo, por razões que talvez mais à frente nesta história se expliquem. Agora ia desenhar. Não sabia quanto tempo ia ter, já que o céu de meados de Novembro escurecia rapidamente, e a Lisboa a que se habituara era cruel com as manifestações meteorológicas.

Onde estava, só podia concentrar-se nas multidões. Pessoas de todas as formas, cores, aparências. Melhor e pior vestidos. De presente claro, ou passado difuso. Não interessava. Com um pedaço de carvão irregular preso na mão direita, e com o olhar ocasional que o cão lhe devotava, dedicou-se a esboçar rostos, e corpos, e acessórios...

Mas principalmente sinais de loucura. Eram os seus preferidos de retratar, e naquela Lisboa que o tinha espezinhado, especializara-se nesse desígnio 

                             Tirado daqui

12 comentários:

  1. Miguel,
    Enquanto lia eu
    fiquei imaginando
    as formas e imagens.
    Genial.
    Bjins de ótimo
    fim de semana.
    CatiahôAlc.

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  2. Profundo y melancólico poema. Te mando un beso.

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  3. Uau, esse texto tem aquela vibe artística e meio melancólica que faz a gente querer virar um personagem e sair desenhando pelas ruas também! A descrição do cão preguiçoso é meu momento favorito. parceiro fiel até na preguiça! E esse artista meio perdido, mas focado nos “sinais de loucura”, é tipo o mestre dos detalhes da cidade. Adorei!

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  4. Such a great visual, as always we wonder if you will pick up where you left off. Wonderful tale of the madness. Very inspiring.

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  5. I like the profile of you and the cat. Thanks for such great imagery. You always bring depths to art.

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Acha disto que....