Terminal de autocarros de Ljubiliana, Eslovénia 26-6-2023 |
Cheguei a velho, e ninguém me tinha ensinado a lidar com isso. Eram manhãs diferentes, com uma diferença insinuante, que batia à porta quase como se quisesse entregar uma encomenda de um familiar distante, e depois nos entrava pelos poros, numa dor excruciante e que humilhava. As frases saíam a medo. O cérebro dava mostras de desligar muito devagar, e afogueava todos os sentidos, numa clara sensação de não retorno. Eu consigo ainda perceber quando essa noção clara de fatalidade chegou. Tenho 62 anos conformados. O meu corpo falha, mas falha subtilmente. Mostrando que é ele quem manda, e que eu nunca poderei fazer nada para evitar essa fatalidade. A minha vista esmiuça-se como bagos de arroz. O som da vida chega-me por um túnel que se vai estreitando cada vez mais, a ponto de acordar sem me reconhecer a mim próprio. A memória, bem, essa sinto-a como um caleidoscópio sem sentido, e com cores que nem sequer consigo dominar. Era um inicio de manhã de Inverno, e procurava sapatos decentes para calçar. A minha casa tem uma divisão única para estes acessórios, e cada par tinha até aqui uma história diferente para contar. Tinha apreendida a data, o contexto, a verdade com que tinha comprado cada um deles. E, de repente, isso parece ter sido a primeira coisa que deixei de controlar. Depois veio a necessidade de cumprir horários. Considerava-me um fanático da rotina, com horas meticulosamente definidas para cada parte do dia. E esse desejo esvaiu-se a seguir. Passei a arrastar-me da cama de manhã. Não tinha objetivos porque escolhia deixar de os ter. A uma solidão auto assumida, tinha aprendido a responder com designios fortes de vida. Perceber o mundo em que vivia, dominando assuntos que eu próprio escolhia. Fazer-me ver junto dos edifícios dos órgãos de soberania que tinha aprendido a respeitar. E principalmente, acima de qualquer outra coisa, não ser mais um na maré de anulação que matizava os dias. E agora escrevo a forma como isso me está a ser retirado. De uma forma vil e metafórica. Não ter já quem nos salve de uma fatalidade como esta, é mais doloroso que inacreditável.
La vida pasa como uno lo afronte es lo que hace la diferencia. Te mando un beso.
ResponderEliminarUn beso tanbien
EliminarEnvelhecer é inevitável.
ResponderEliminarMas há muitas e variadas formas de envelhecer.
Uma excelente reflexão, gostei de ler.
Um abraço e boa semana.
Concordo Jaime.
ResponderEliminarAbraço, e boa semana tb
E, no entanto, envelhecer traz uma certa paz.
ResponderEliminarConcordo se for encarada forma menos trágica
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Bem vindo ao blog
Pois é "fatal como o destino"! Ainda bem que se chega a velho. Mas 62 anos?... É melhor ninguém se deixar abater pelo peso da idade. Antes ser velhote e não pensar nos anos.
ResponderEliminarA banalidade do talento do autor atéo faz ter boas ideias. O problema depois é desenvolvê-las
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