Foram os dois, lado a lado, com vontade domada de dar as
mãos, a contornar as poças de água que empapavam o caminho para fora daquele
terreiro. Ele acompanhou-a a casa na primeira noite. Prometeram voltar a
ver-se. Seis meses depois estavam noivos. Ela tinha dezasseis anos, com os
dezassete prometidos para um trabalho no Lar de velhotes da freguesia. Não quis
estudar, porque dizia que não tinha cabeça. Ele ajudava o pai numa loja de
ferragens, mas queria ser músico. Foi o padre que os tinha batizado a ambos,
quando o destino parecia que nada ia fazer para os juntar, que os uniu para
todo o sempre. Não demorou para que Amélia cumprisse o destino das mulheres da
terra. Ser mãe jovem. Um, dois, três meninos. Todos saudáveis, rosados. Os pais
davam uma ajuda a criar. Ela não recusava a maternidade, mas preferia ouvir
músicas de amor na rádio, todo o dia. Afonso trabalhava, e à noite cantava para
Amélia. As músicas falavam de mundos sem cor. Onde as pessoas eram felizes, e
não havia dinheiro. Tudo se pagava com amor, e caminhos mão na mão até à
velhice, e ao que viesse depois.
Os meninos foram para a escola, e o dinheiro não esticava.
Afonso ainda foi trabalhar para Espanha. Ajudava numa herdade, na apanha da
azeitona e mais o que surgisse. Amélia cosia roupa, e tomava conta de velhotes.
Sempre os velhotes. As coisas mudaram quando ele voltou. Não tinha o mesmo
apego à casa, a deitar-se com ela de noite, e jurar-lhe coisas de amor bordadas
a luz, que a deixavam tão feliz. Não explicava porque tinha mudado. Só passava
menos e menos tempo em casa. Amélia não conseguia chorar em frente a ninguém. Só
olhava para um gato velho que a ia visitar, de quando em vez, às portas da
cozinha, e soltava lágrimas que a pareciam deixar pintada de noite, e com os
olhos feitos lua em tempo de invernia.
A primeira falta de respeito, como lhe chamava de si para
si, veio numa vinda da taberna. Afonso já devia ser um alcoólico, era o que
pensava no meio da pouca cultura que ainda lhe restava. Na televisão diziam que
tinha de se começar a usar uma nova moeda, que vinha lá da Europa. Ele perguntou-lhe
porque é que ela o olhava assim. Ela baixou a guarda para o chão. Foi então que
só se apercebeu de um vulto, que baixou sobre a sua cabeça. Doeu-lhe no corpo,
e na alma. Caiu indefesa no chão. Não conhecia o homem que destilava fel contra
ela. Os miúdos estavam com os avós. Afonso retirou-se, e voltou a chorar. Pediu
desculpa. Disse que a amava, e iria amar para todo o sempre. Ajudou-a a
levantar-se. Cheirava tanto a álcool, que Amélia quase conseguia contar as
cervejas que tinham feito dela, umas horas antes. (segue)
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