Naquele tempo, o tempo estendia-se em tapetes de veludo, quase como se risse de despreocupação. O sorriso servia para nos banharmos nele, e tornando-o um apêndice, tornava-se parte de nós. Mas só parte. O resto servia de repositório, garantias tu. De dejectos a correr, de fruições acomodadas, quietinhas sem levantar pio.
Acreditei.
Senti-me inapto para agarrar, de unhas, outra alternativa mais plausível. Desenrosquei a mão da alma, arqueei o braço direito porque já me fartava de o ter estendido, e debrucei-me no miradouro das paisagens incompletas. Tudo nadava em rios com meio caudal. E vi-te a cantar. Entoavas modinhas medievais, como se o hip-hop fosse um derivado dos lamentos da mãe de um agricultor, pai de um filho que morreu à nascença.
Não fui capaz de sorrir, porque os olhos que vi não eram os teus. Achei-te morta, com uma capa de ser gasto por cima. Insistias em cantilenas imperceptíveis. E pediste-me paz. Mas uma paz que já não se usa, que eu posso jurar ter ficado perdida no profundo dos tempos. Naquele tempo, o tempo assustou-me.
Já te falei dos tapetes de veludo, mas não te falei que quase me sufoquei na suavidade prometida. Vinguei-me no correr de água do rio dos sonhos. Caminhei pela margem ao teu encontro, e chutei a maior pedra irregular com que me cruzei.
O que se passou, não me recordo. Naquele tempo, a memória perdeu-se em sulcos de montes forrados a cetim.
2008/05/08
Tempo do quase
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