A urna foi levantada por quatro homens vestidos de roxo. Amparado em reduzidas superfícies de fibra muscular. Um par de ombros direitos, e outro de ombros esquerdos, suportaram. Oito pernas andaram. A carpideira do bairro do amor silencioso abriu a porta do quarto. Liderou o desfile fúnebre e, quando o primeiro pé tocou no frio da calçada, soltou um pranto certinho. Lágrimas salgadas, daquelas que com a chuva se dissolvem em microscópicas poças ácidas.Ferve uma metálica cafeteira de leite, num fogão a gás.
É um jovem que trata de cuidar que o líquido não verta, amparando o recipiente com a mão direita. A esquerda está no bolso de um par de calças sem cor. Terá uma hora de existência a menina que, fixando um ponto no tecto de brechas, esperneia com pouca convicção. Continua sem chorar. Parece antes cerrar os lábios de um rosa tímido, e esperar. Espera, e educa. Educa-se, ensina uma alma que ainda não é mais que uma nódoa, a aguardar.
Sem desarmar.O primeiro portão metálico ecoa contra a lage de mármore da entrada do jardim dos ajustes de contas. Cemitério, já não é por aquelas paragens. Tomou antes as formas de um purgatório. O segundo refinado trabalho de latoaria já não faz o mesmo barulho. Ainda se guarda respeito, traduzido na exigência de não acordar os mortos.A cabeça do recém-nascido projecto é amparada.
Instintivamente, quem provém alimento, tem também de o dar. Soltou-se um pequeno urro. Coisa quase imperceptível. A janela do esparso quarto abriu-se, e do nada irrompeu uma ave. Pousou no canto do berço de metal que não tine. E também aguarda.
2008/03/18
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