2008/03/07

O bairro do amor...

O Amor tem destas coisas, mas ele só a tem a ela. Está descansado porque julga do alto da sua superior ignorância, que não precisa de mais nada. Um amor, uma cabana e como brinde de promoção de lançamento, uma canção do José Cid.O narrador exemplifica de seguida um trecho de pensamento que sai da cabeça primária de semelhante criatura:
“Este amor que nos une é imenso, só comparável ao que devemos ao Banco, ao Sr. Do talho, a duas ou três empresas de concessão de crédito em vinte e quatro horas. Por ti deixei a casa da minha mãe em Marvila e nunca mais me recompus. Sinto falta da carne guisada da matriarca cozinhada na panela encardida e das vizinhas aos apupos pela manhã quando estendem as ceroulas dos respectivos. Por amor mudei de vida. De Marvila, fui para a Rinchoa e posso dizer que estacionei o meu carro com mais facilidade. A vida corre-me de feição”.
Por ela, o jovem trocou o Citroen dois cavalos, uma viatura típica de solteirão invertebrado, sedento de engatar miúdas do bairro desprevenidas e com eco na cabeça, por um confortável Renault 19 azul metalizado em bom estado de conservação tirando a panela de escape rota.Ela adora o carro, e é vê-la acenar quando passa pelas vizinhas que olham alertadas pelo ruído ensurdecedor da viatura familiar. Até já prometeu escrever um poema sobre a viatura, com enfoque nas fantasias eróticas que lhe desperta o tecido roto que cobre o banco traseiro do veículo.
À primeira vista, parece que os pequenos buracos, com meio centímetro de diâmetro, espalhados pelos dois metros quadrados de pano verde azeitona, deverão ter sido feitos com pontas de cigarro em brasa, quiçá apagadas na pele suada de uma jovem que perdeu a virgindade dentro daquele espaço apertado. Uma mancha de um vermelho sangue, timidamente perdida perto da porta traseira do lado esquerdo, permite traçar conclusões nesse sentido.Ele concorda com tudo. Até se a fantasia em causa, que ele pensa já ter percebido mas da qual compreendeu apenas a parte sexual, puder ser realizada, melhor ainda.Ela garantiu que se as coisas derem em casamento, o pai, um estivador com 152 quilos de peso, mas perto da idade da reforma, vai exigir o tradicional.
As coisas poderão ser resolvidas graças ao médico de família da freguesia, que em princípio estará na disposição de passar uma credencial a atestar que os três ainda estão no sítio onde devem estar.Mas, para já, isso são futuras núpcias. O matrimónio, ele respeita, até porque um homem tem de assentar algum dia. Só que isso, a vir, que venha num futuro distante. Para já, ele quer é arranjar uma câmara de filmar digital, e abrir o livro da criatividade. Aos fins-de-semana, na esquina da rua onde fica a sua nova casa, dois irmãos de bigodes fartos, e de persistentes roupas negras, vendem artigos electrónicos durante períodos de dez minutos, intervalados apenas pela chegada das autoridades policiais. No sábado que vem, ele já prometeu a si próprio que se irá levantar cedo, comprar a coisa mais baratinha que encontrar, e levar a rapariga para a Serra de Sintra.
Sempre quer saber se uma mulher ingénua, quando se abre, dá melhores close-ups do que as rameiras da esquina. Até pode ser que a cena toda dê um filme caseiro, com banda sonora do Cid, claro está….

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