2008/03/18

Evaporar (1)


Ela nasceu no dia em que o velho de desvarios morreu. Foi parida no exacto momento em que um exalante suspiro ecoou no quarto dos fundos da casa de repouso dos derrotados da vida. Vinha amarelecida, quase que carcomida por dificuldades engolidas em fase de gestação. Chorou um único lamento frágil, e desfez uma aura de alma desnutrida, que a envolvia numa nuvem arroxeada. Fala-se em precipitações, considerandos desajustados com a realidade de uma morte anunciada.
Mas o que se esperava era o inevitável. Que em paralelo a uma morte que se desejava, ocorresse um nascimento mal pensado. Uma concepção deslocada do tempo e do espaço. Quase que um acaso, que traz consigo arrependimentos de falácia.Cobriu-se um rosto tranquilo. Fartas sobrancelhas grisalhas, semi cobriam cavidades orbitais tranquilas. Enrijecidas, supunha-se que tapavam uma paz de compromissos. Um deixar andar que, levado ao extremo, serviu para apagar a chama da vida rotineira. Embalado por silêncios de conformismo, um novo ser foi limpo, e vestido com parcas vestes de modéstia forçada. Iria repousar, abandonado a si mesmo, enlevado em micro-doses de amor próprio. Coisas quase inexistentes, mas que a selecção natural teria de tornar fortes.

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