2009/01/03

Trazida para casa

Trazida para casa. Sentiu-se recortada do ambiente natural de soluços descontrolados em que foi pescada. Podiam censurá-la, e dizer que sempre se sentiu peixe a saltar na lota, com o sol fraquinho do amanhecer a percorrer-lhe o corpo. 
Mas foi trazida para casa. 
As redes invisíveis de lavanda barata tolheram-lhe os movimentos. Serviram para o desfeito soar de ilusões que a pareceu enfeitiçar. Aqueceram aquele frio desengonçado que sempre nos toma, quando as decisões tomadas são indefinidas pelo medo das consequências. 
E até ampararam a queda na ascensão ao inseguro do inesperado. 
Foi trazida para casa. 
Sempre previu seda, como ornamento de sedução. Mas por momentos a pele queimava, com o suave beijo da tentação capaz de a envolver.
Ele escolheu o que ela sempre gostou. O desejo era só um, se alguém a quisesse tomar por deusa de emoções. Que a conquistassem pelos ouvidos. Queria ser deixada em tranquilo desvario, com uma recriação do que o Universo ouviu no dia em que rebentou pelas costuras, e com os grãozinhos de pó que sobraram, começámos nós, os que vamos morrer, a ser criados. 
A mão dele era suave. 
Capaz de conter desesperos, com um saber tocar onde devia. Ela silenciava o que não queria que acontecesse. Com o corpo que ainda controlava, fez-se desejo que embalava dois corpos afogados no anseio.
Mas não tinha de acontecer,...
se o que se pretendia era só sentir a carícia das corpulentas gotas de chuva que descreviam trovas de amor aos vidros do apartamento. 
Trazida para casa,...
pediu meças de contentamento à solidão que a voltou a cumprimentar. 
Seriam já irmãs de eternidade, se não se quisessem matar uma à outra.

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