2008/01/01

Dias, Horas, e Segundo...

Há dias em que me sinto um octogenário, carregado de rugas numa face que só se abre por sacrifício. Daqueles pesares difíceis de suportar, e ainda mais complicados de levar à prática. Um enfado de viver. A necessidade de descer à terra na tranquilidade possível, para encontrar o final do novelo de que as pessoas tanto falam.Olho para um lado, e consigo ver uma mesa cheia de medicamentos que me controlam a rotina, e me observam em tons patológicos.
Daquelas miradas que deixam um ser humano doente do espírito, e incapaz de recuperar aquele desejo do ‘reveille’ francês, tipo pôr os pés fora da cama, e correr para o café de esquina para tomar um bule de chá, e comer uma meia torrada queimada na base.Olho para o outro lado, e acompanha-me uma poltrona vazia.
A napa castanha tem a marca irregular de um corpo, de uma companheira que eu recordo, mas já não sinto.Impressiona-me a capacidade de um lote de neurónios, que conseguem viver adiante do seu tempo, e traçar cenários com tanta clareza. A lágrima da solidão inerente chega até a correr-me pela face esquerda.A rotina consegue ainda dar-me horas em que tenho sintomas evidentes de engasgo, perante a leveza de sentimentos com que os mal identificados sexualmente abrem o livro de vidas alternativas.
Daquelas existências que custam a aceitar de tão redutoras que são. Olho para um lado, e vejo o ‘gentleman’ que rói o osso da empregada de balcão do café onde, diariamente, lancha de fugida após três quartos de dia de trabalho mal preenchidos.
À noite, o mesmo ser veste-se com a combinação da esposa e, ao espelho, desfila um rosário sintético de lamentações pelos erros genéticos com que foi desenhado.Ao olhar para o outro lado, acaba de desenhar-se a decepção cósmica que me envolve nas noites de maior indefinição. A mulher do lado, a criatura que me brinda com constantes insinuações de cariz vulgar, e incrivelmente decrépito, deixou o marido, e vive agora uma aventura lúgubre com a mulher de longos cabelos vermelhos que cria dois filhos com o sacrifício de uma Catarina Eufémia que passa o dia enfiada numa repartição pública.
O segundo de esclarecimento, o único momento que o ‘karma’ cósmico que me rege a existência me concede para fazer com que eu pressinta algum vestígio de utilidade no meu quotidiano,....afinal não existe. Provavelmente, o que eu sou é um reflexo da minha própria maledicência. Haja quem me consiga fazer ver isso.

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