2025/02/22

Escrito de uma penada hoje, ao acordar....

 


Ele começou a escrever um conto. Esta era uma forma vulgar de começar. Mas era a realidade. O homem assumia a pose corporal, o desejo de criar algo de novo. E até o isolamento. Fechou-se em casa, com a porta trancada, e as janelas de forma a protegê-lo da postura assassina do sol de Verão.  E deixou a caneta caminhar. Sim, era um loboantunesiano, contra qualquer tipo de tecnologia ou apoio extra à criação anatómica humana. Feito o enquadramento, interessa tentar perceber quais seriam as suas intenções.  Nenhumas em especial. Primeiro criar um personagem principal coerente. Seria do género feminino. Uma mulher dependente, isolada, que não gostava de si mesma, e só com dificuldade aceitava os outros e as suas diferenças. Mas o contexto em que a faria mover, uma cidade média, com um bulício crescente, que dependia do turismo, e tinha um clima instável, mas cativante, iriam trazer-lhe a inevitabilidade de um início de relação. Essa era ainda a sua dúvida.  Com quem? Tinha pensado, necessariamente, com alguém diametralmente oposto.  De fora, com toda a certeza. Um homem jovem, que tinha partido à descoberta de tudo e de si mesmo. Iria cruzar-se com ela dentro da mais completa casualidade.  Num entardecer, com ela a regressar a casa após mais um dia de trabalho numa ocupação anónima e que detestava. Isso não a iria deixar recetiva a conhecer pessoas novas. Mas ele, pessoa experimentada em contornar as resistências dos outros, talvez apostasse no elogio simples. Da roupa, de algum pormenor imperceptível do aspeto físico. A caneta não conseguia parar, e isso deixava-o agradado. Estava a pensar em posicionar ambos num pequeno parque publico, que existia paredes meias com a casa dela. Ambos iriam a entrar no espaço, já que o caminho para casa a isso a obrigava. Iam dispensar olhares fugidios de início. E quando o leitor começasse a acreditar que nada iria acontecer, com os dois personagens a contornarem-se e a seguir caminho, a iniciativa seria dele. Voltava-se para trás. Perguntava as horas. Ela fingia-se despercebida. Ele insistia, dizendo estar atrasado para um encontro com familiares. Ela respondia, e continuava a andar. Ele invertia o sentido do seu percurso, ela continuaria a fingir-se despercebida. Até que aceitava parar. Iria dedicar-lhe um olhar desajeitado, o único que sempre tinha conseguido fazer. E ele responderia com um sorriso. Tímido a princípio, depois em crescendo.

O escritor teria agora de parar. A inspiração pedia-lhe uma pausa de conveniência....

2 comentários:

  1. Oh, I like the casual aspect of this, and yet something invisible continue..I like how it ended. Truly a great dance of everyday happenings.

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Acha disto que....