2024/11/11

A fechadura oxidada....

 Disseram que ia passar o natal para um sítio algures, na costa. A casa ia ficar vazia. E competia-me zelar por ela. O plano era simples. A meio da manhã subir ao segundo andar, abrir a porta com jeito porque a fechadura estava oxidada, e em circunstância nenhuma entrar calçado. O chão tinha um tipo de cera pegajoso, necessário para o ‘parquet’ se manter conservado. A primeira coisa a fazer era alimentar o gato. Um velhote rechonchudo, quase cilíndrico, que se arrastava de um lado para o outro entre sonos soltos que fazia onde mais lhe apetecia. Depois de posta a ração, e mudada a água, a ideia era ir à cozinha. Abrir as janelas que davam para um terraço. Com cuidado, porque a abertura era para o exterior, e com isso podia danificar-se um limoeiro frondoso que estava ali há décadas, mas ainda dava sinais de vida. Se quisesse, tinha autorização para ligar a aparelhagem antiga. Os donos disseram que a tinham comprado no estrangeiro, Nova Iorque se bem me lembro. Havia várias caixas envelhecidas de cartão, algumas com CD dispostos por ordem alfabética, e alguns, poucos vinis. Estes sem qualquer definição ou ordenação. Nunca tive coragem de mexer ali. Além de ser pouco dado a tecnologias, aquele recanto da casa fazia lembrar-me tristeza. Não sei como, nem porquê. Mas fazia. Por fim, organizava as minhas idas sempre de forma a receber o estafeta que entregava as compras. Nada de perecíveis, porque os donos da casa passavam longos períodos fora, e não gostavam de surpresas como cheiros difíceis de descrever. Só saía dali ao entardecer. Perdia algum tempo, confesso, a folhear uma longa e variada biblioteca. À saída, tinha a incumbência de me certificar que a porta ficava bem trancada. A fechadura oxidava cada vez mais…..

                                                                                    Tirado daqui

“Avian Rites”
[Colagem digital, 2018]

10 comentários:

Acha disto que....