2024/05/10

Gostar e não gostar

 

                                                                              Tirado daqui

Não gostava dos silêncios daquela terra. Da forma como se espreguiçava. Das dúvidas que, ao falar, tinha sobre até as mais pequenas hesitações. As fugas. Não gostava, tinha-o dito a si própria no dia em que chegara, de como a luz se enleava aos pés das crianças em cada final de tarde, quase como se quisesse fazer cair este e aquele. Ela sentia-se uma desconfiada por natureza. Sabia disso. Era hereditário. O pai fora-o, o avô, os dois homens da sua vida. A mãe menos, mas isso não o podia garantir, já que se tinha obrigado a apagá-la da sua mente no dia em que partiu, sem explicar porquê. Em suma, até nem dela própria gostava. Implicava com as rosáceas pronunciadas das mãos, quase como se tivesse passado uma vida a mexer em águas quentes, e isso lhe tivesse deixado marcas indeléveis para todo o sempre. Mas de frio gostava. Habituara-se a conviver com ele. Contava as mais difíceis ilusões às virtudes egocêntricas das noites geladas. Recebia o silêncio de volta, mas também não pedia muito mais. Era quase como se sentisse parte da previsibilidade da ausência de calor. Achava-se confortável com o pouco que esperava das coisas. E isso atenuava a vontade de querer mais dos outros. De ter perdido o interesse por o que chamavam de amor. De bem querer. Simplesmente não queria saber...

4 comentários:

Acha disto que....