2018/11/17

Gatos

A casa ficava ao nível do mar. Podíamos ver as gaivotas a sobrevoar o telhado, fazendo círculos concêntricos por cima das nossas cabeças. Grasnavam quando pareciam querer que as víssemos, e olhavam para baixo fixamente, atentando a cada pormenor do nosso percurso, sempre que o outono se preparava para espraiar nas falésias que embalavam o sono das ondas que vinham desfazer-se em espuma junto a nós, adivinhando quando queríamos fugir à loucura de tudo aquilo que era igual.
Havia sempre um gato à janela naquela casa.
Foram vários, ao longo dos anos, mas todos juntos pareciam fazer só um. Acompanhavam as nossas presenças de espírito perante tamanha beleza, as nossas depressões quando tínhamos de abrir as portas daquele sonho e regressar ao mundo encrespado que girava, lá longe. Nasci ali, no meio das mantas 'tweed', e dos bules de chá. Das gaivotas que ganhavam coragem de entrar porta dentro, e bicar os bocadinhos de pão torrado que saltavam da torradeira todas as manhãs.
 Mal aprendi a andar, aproximei-me da porta de casa e espraiava a curiosidade com longos olhares nos carros que, lá longe, serpenteavam no horizonte, fazendo-me crer que o real tinha um tamanho descomunal. Do tamanho da imaginação que eu conseguisse, um dia, amealhar por todas as pessoas com quem me viesse a cruzar na vida.
E sempre os gatos. O tal único gato de que já falei. Que quase me parecia sempre que sabia falar. Olhar para mim com olhos raiados de choro alegre. Ouvi miados roucos. Estridentes. Declarações de amor sem sentido, e plasmadas de todas as formas inexistentes que a linguagem proporcionava.
Ainda hoje me lembro de tudo. Como se tivesse acontecido em redor do último minuto.....

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