2009/02/17

Asas abertas para o nada

O homem da recepção é amável, mais amável do que o habitual na recepção dos hotéis. Lembrado que já aqui estivemos há dois anos, previne-nos que esta é agora a casa de um homem desiquilibrado. A chuva bate no granito do hall de entrada da casa senhorial, e parece acompanhar as palavras sorumbáticas que soam melosas. Díspares. Sem um rumo definido, e com laivos de insulto.
Diz-nos que foram momentos de tristeza os que vestiram a vida dele. Da pessoa que nos entretínhamos agora a dissecar. O tal que, em certa altura, terá parecido abraçar o mundo para o devorar aos bocadinhos, e depois acabou procurando refúgio neste canto de decepção, que era agora pintado a tons de amarelo de paz, com laivos de vermelho de morte.
Pelo ar, pululavam os agressivos acordes de um Vivaldi que agora se achava coberto por uma apreensão que nunca conhecera. Desaguáramos ali, como se o rio que nos havia trazido fosse a única solução do desmaio com que a vontade de viver nos brindara.
Olhámos em volta, assustados. Escrito assim, este parece o relato de duas pessoas que acreditaram ser possível fugir da loucura, quando foi quase sempre a loucura que fez questão de nos procurar. Fazendo de nós o gato-sapato tradicional, obrigava-nos a esperar por conhecer quem queria que nós ali estivéssemos. A voz dúbia de uma provocação risonha descia aquele labirinto de escadas de pinho, de uma madeira azulada pelo passar dos anos, e gasto pelos passos dos que ao engano, riram-se da vida quando, gozados, se deixaram espezinhar pelo assustador desfiar de entranhas do tempo assado em brasas de chuva.
Surgiu-nos o resumo de todo este recordar de tristezas feito. Foram os passos ecoantes de uma velha destreza que, pateticamente, calcorreava o chão despido que nos guardava as espaldas. Embalado por este toque-toque ensurdecedor, surgiu-nos o que nos fez ali estar. Vestia linho. Linho branco, da cabeça aos pés, e no topo da cabeça rapada um crucifixo preto, que de cristão tinha apenas a tranquilidade do gato que nele pousava.
- Quero as vossas almas, banhadas a ouro, pousadas no cinzel que aqui vos deixo.
Só mesmo o que parava o desenrolar lento das mentiras do tempo, interessava para esclarecer que de nós, restou só a consciência de que estar a escrever isto,....faz o sentido que quem ler nele encontrar.

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