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2024/12/25

Qualquer coisa de natal escrita num comboio...

 Não era culpa minha que as desilusões tivessem de ser deixadas à porta neste dia. Cheguei sozinho. A roupa estava apertada, desconfortável de uma forma quase medieval. O frio afagava-me o rosto, em intervalos curtos, psicoticos. Disseram-me que aquele sitio estaria cheio de gente, e que eu seria só mais um anónimo, capaz de deixar o tal de natal à porta, e confundir-me no meio de mais uma multidão, como as tantas em que ultimamente me achei imiscuido. Mas não. Era um edifício alto, imponente. Com arcos medievais, e onde as únicas formas de vida pendiam dos voos difusos de pássaros que, como eu, se incomodavam com a crueldade dos elementos. Anoitecia. Olhei para trás, e o sol já era um com a linha do horizonte. Pensei nos outros sítios todos onde poderia estar. A ouvir o barulho infernal de bairros iluminados por reuniões anónimas de amor e familiaridade, que se repetiam em loop, ano após ano. Ou sozinho em casa, a olhar para um prato de comida. A desenhar círculos intermináveis com os meus olhos. Mas estava ali. A fazer não sei o quê....


                      Tirado daqui

2023/12/25

...(ainda) Feliz Natal

 


Música de Natal

 


....um abraço, iria servir

 


tinha prometido voltar,
não faria mal o amarelo das paredes,
os olhos descolorados pela ausência de esperança,...

até escrever sem alma,
a pior desonra de um ser humano,...

estava de regresso,
ao sítio onde a felicidade tinha tido
mais significado,
onde nela tinham cabido mais pessoas,...

e tudo seria como dantes,
normal,
não excecional porque isso é ficcional,...

e um abraço,
iria servir

2022/12/25

2022/12/24

era pela festa

era onde uma festa nunca tinha fim,
em mãos sujas,
em sorrisos dignos mas escondidos,
em casas que se escondiam dentro de casas,
pelo meio de bairros anónimos
e escritos a transparente,...

era por aqui,
que o tempo passava apertado,
e a chuva caía fria,
por cima de outra chuva já morta,
por cima de um chão reconstruído
pelos pés do anonimato,...

era pela festa,
que se esperava o dealbar
de um novo dia,
que perdera o nome e a idade



2021/12/25

2020/12/25

O Inatingivel oferece uma prenda de Natal alienante....

 «Temos frequentemente a sensação de que será perigoso olhar, e por isso há uma tendência para desviarmos os olhos, ou mesmo para os fechar. Por causa disso, é fácil ficarmos confusos, não termos a certeza de que estamos realmente a ver a coisa que pensamos estar a ver. Pode dar-se o caso de estarmos a imaginá-la, ou a confundi-la com outra coisa qualquer, ou a lembrar-nos de qualquer coisa que vimos antes -- ou, quem sabe, que talvez tenhamos imaginado antes. (...) Não basta olharmos e dizermos para nós mesmos: «estou a olhar para aquela coisa». Porque uma coisa é dizermos isso quando o objecto que temos à nossa frente é, por exemplo, um lápis, ou um bocado de pão. Mas o que é que acontece quando damos por nós a olhar para uma criança morta, ou para uma menina que jaz toda nua no passeio, a cabeça esmagada e coberta de sangue? O que é que uma pessoa diz para si mesma num caso desses? Tenta perceber: não é assim tão simples declarar de uma forma categórica, inequívoca: «Estou a olhar para uma criança morta». A nossa mente parece negar-se a alinhar as palavras; de algum modo, não conseguimos forçar-nos a fazê-lo. Porque a coisa que temos à nossa frente não é algo que possamos separar facilmente de nós mesmos. (...)

Seria bom, suponho, ganharmos uma dureza tal que nos permitisse não sermos afectados por nada. Mas, nesse caso, ficaríamos sós, tão completamente separados de todos os outros que a vida se tornaria impossível. Há quem consiga fazer isso aqui, há quem encontre em si mesmo a força necessária para se transformar num monstro, mas garanto-te que são casos raros, raríssimos -- o que, sem dúvida, te surpreenderá. Ou, por outras palavras, todos nós nos transformámos em monstros, mas não há quase ninguém que não guarde em si mesmo um qualquer vestígio da vida que outrora se vivia.
Esse é talvez o maior de todos os problemas. A vida como nós a conhecemos acabou, e, no entanto, ninguém é capaz de entender o que é que a substituiu.»


/No país das últimas coisas, Paul Auster/

O Inatingivel 2020 deseja aos leitores, amigos e potenciais anunciantes um feliz Natal


 

2018/12/25

Any other christmas

falavas em Natal,
as mãos seguravam o ar como
se o vento te concordasse,
dizias que o mundo era servido
à mesa como chá,
com restolho de folhas
sob a forma de mortos,...

e passou-se o dia quase
como se o tempo,
nem custasse a pagar à solidão,...

agora falta-nos o resto da vida,
e já amanheceu




2018/12/23

um bem querer que não vai

haveria dias em que cozia o teu
não estar lá com o mar,
pedindo que nem as montanhas
invisíveis das lágrimas,
fossem mais alguma vez o
mês de todos os anos,
os tempos do multiverso em que não
nos conhecendo,
arrastámos para lá do amor,
a simples
necessidade de fazer parte,
do sangue um do outro,...

aprendamos agora a pulsão
de qualquer coisa a sós,
ouvindo ao longe a música
que as pessoas fazem a invejar
um bem querer que não vai,
acabar


2018/11/01

Primeira de novembro (Diz que é um conto de Natal)

Disseram-lhe que ela iria desaparecer. Sem escrever qualquer carta. Nem sequer esvaziar as gavetas de casa, as tais, muitas que nem fechavam porque as combinações de seda emperravam as dobradiças, e sofriam com aquele um ou outro frasco de perfume caído da caixa de casquinha que estava em cima da cómoda. Só ia sair, para provavelmente nunca mais voltar. Há uns tempos, as velhotas do mercado ouviram-na a choramingar sozinha, quando entrava de cesto de verga na mão para as compras do sábado de manhã. Não é que a conhecessem muito. Mas mulher cansada de viver, gosta de dar com o olho em cabelos sedosos como ela tinha. E a pele branca, como se fosse o último copo de leite que Jesus bebeu no domingo de Ramos. Perguntaram-lhe o que tinha e ela, a princípio, nada disse. Apoiou-se na mármore da banca do peixe. Os dedos muito avermelhados por entre as cabeças dos pargos. Parecia que ia desmaiar. Até houve quem se oferecesse para chamar uma ambulância. Mas ela aguentou-se em pé, apesar das pernas tremerem por entre a saia de folhos, que dava aquele dia de verão um ar de primavera mal redigida pelas mãos de um poeta. Foi aí que alguém a ouviu dizer que se ia embora de casa. Porque sim. 
E foi. Naquele dia, quando o céu já marcava os restolhos de fogo próprios de um dia de estio, ele chegou a casa desanimado. Pressentindo o pior. Ela não estava. A casa estava arrumada como habitualmente. O quarto de porta fechada. A mesa da cozinha alinhava com as cadeiras de madeira clara. Na sala uma escuridão baça parecia conversar com os raios de sol que entravam pelas frestas dos estores da janela. Ela não estava em lado nenhum. Soube que a vida teria necessariamente de mudar. O que era a cola que lhe juntava a madeira da vida desaparecera.
As semanas foram passando, e ele fechava-se como um caranguejo que repousa na rebentação, apenas com a carapaça como proteção.
O Natal já lá vinha no calendário, e alguém lhe disse que ela tinha sido vista. Passeava no jardim da cidade vizinha. Cabisbaixa. Tinha cortado o cabelo, aquele que tinha sido o seu tesouro de seda, como gostava de lhe chamar. Carregava na mão uma pequena mala preta, e andava em ziguezagues, sem destino.
Na véspera de Natal ele chegou do trabalho para uma casa vazia. Sentou-se no sofá da sala, ouvindo a chuva e o vento que lá fora arranhavam as paredes do prédio, recusando-se a ceder ao silêncio da noite. Pensou que não se recordava de qualquer prenda que desejasse mais do que ela, a bater-lhe à porta, com o mesmo sorriso que anos antes lhe tinha servido de chave a um coração fechado. 
Adormeceu, e só acordou na manhã seguinte com a luz do sol a acariciar-lhe o rosto, quase como se quisesse secar-lhe as lágrimas que cosiam uma segunda pele em redor de uma triste redoma.
Saiu para a rua, pronto para qualquer coisa que a vida lhe trouxesse. Era manhã de Natal, e andou minutos a fio sem encontrar ninguém. Chegou junto a um parque que sempre tinha adorado. Foi ali que a tinha conhecido, há mais tempo do que aquele que agora conseguia conceber.
E foi então que, fitando o horizonte, viu algo a aproximar-se. A princípio era um ponto indefinível, ate que....
Parecia que a brisa lhe tocava a música sem nome que, não era só dele.
Primeiro os cabelos, agora curtos, depois a pele reluzente naquele sol de fim de ano, e depois um sorriso renascido. Sim, era ela. Olharam-se sem que a palavra fosse uma prioridade naquele momento. Ela pegou-lhe na mão direita, e colocou-a no coração. Sorriram um para o outro. Regressaram de mão dada a casa. Ele percebeu que tinha de ser ela a explicar. Mantiveram-se em silêncio, a olhar um para o outro, até que a ela lhe saiu dos lábios:
‘Percebi que quando morrer te vou perder para sempre. Não consegui suportar isso’
Ele pegou-lhe na mão, quase como se pedisse desculpa por ser um indutor de sofrimento, e continuou num silêncio cúmplice.
Lembrou para si mesmo que era Natal, e tinha uma prenda que nunca havia perdido...