2010/01/25

Canto aplicado ao escuro I

Nos olhos, naqueles afundados lagos negros de choro, estava o jeito para cantar. Viam-se pombas brancas a voar nos dias em que quase chovia, antes de fazer sol, e todas sorriam. Morava sozinho, naquele canto de rua suja que os escritores gostam de descrever indeterminadamente, sem nunca conseguir dizer nada que as pessoas percebam. Comia só o suficiente para o ar vencer a resistência dos pulmões mirrados, e o resto do tempo passava a sonhar. Influenciado até pelo palpitar do coração da terra, definia-se como o herdeiro solitário da escapatória que Deus deu ao canto do universo, quando criou este planeta. E, para tanto, cantava até um sangue esbranquiçado lhe sair da garganta. Cantava aos céus, aos lagos mortos pela perfídia do homem. Aos animais desaparecidos e infelizes que começavam a tornar o local onde morava insuportável, e até à sombra que amava como mulher. Guardava, para ela, um acinzentado caderno de apontamentos poéticos. Coisas sem importância, sem métrica, nem poeira que ensombre os olhos.

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