2009/07/02

Pintei uma colher

Estava escrito a acre. Com rebordos de dourado, mas já muito sumido. Era perceptível só a quem lesse de muito perto:
"Deus perdoa a quem se atreve. Os resignados, pintam"
A parede já escaliçava. Ao sol, parecia mesmo querer desabar. Naquela aldeia, o tempo acomodara-se a esperar que o tempo passasse, com efeitos visíveis ao dobrar da menor esquina. Sobrava inteiro um desdobrado de livre iniciativa. Arredondado no estilo. Pormenorizado na vontade de fazer sonhar. Chamava-se café da esquina. Ganhava suporte precisamente no que parecia emanar de positivo daquela inscrição acre e dourada. As pessoas, quando pisavam duas vezes para lá da porta azul do espaço, eram convidadas a sonhar. Receptoras de uma colher mágica, dedicavam-se a pensar que aquela colher era,...não normal. Sentiam-se bem a pensar em reinos de mel, com cheiro a cacimba. Comiam da malga menos pura dos arredores e, para eles, era como se a última ceia tivesse sido um deslindar de coisas banais. Suspiravam quando tudo terminava, e no dia seguinte regressavam para celebrarem a falta de mais um dia para a morte.
Chamou-se a tudo isto quadro impossível, com reticências postas pela inexistência de semelhante colher. Terei sido o pintor, mas já me esqueci.