2008/09/27

Um homem e a sua bata



Esta é a história menos conseguida com o intuito de produzir uma boa história, mas a certeza de que sairá uma má.
Pudera um homem ser galã, e o filme seria fácil de ver. Pudera a mulher ser bonita, e dois sorrisos de casal amenizavam a noite que custa mais a passar. Mas só posso descrever um homem, que em vez de gastar neurónios a possuir as curvas de um demónio de saias, gostava daquela bata de trabalho. De uma forma comedida, chamou-lhe amante nos dias de desânimo. Até fez amor com aquele símbolo do feminino, concretizado em projectos sempre por consumar. Era companheira, quando chorar soava mais que a fome. Desordeira quando falar mais alto, era um abraço capaz de incentivar o amor-próprio desinflacionado e moribundo.
Fê-la à medida de um corpo de deformado. Cetim barato, apanhado quando a sorte quis. Levou para casa os maltrapilhos, coseu-os com cordão de sapateiro. Deu um ar propositadamente ofensivo aquele agasalho, e não o larga desde a última vez em que conseguiu perspectivar o mundo. Hoje, matrimoniza, à falta de melhor verbo, em todos os cantos da casa. Beija os recantos faltos de graça daquela peça de vestuário. Almoça restos guardados com desânimo, com ela a envolver-lhe o coração e os sacos de respirar. E, à noite, consome-se numa névoa de felicidade. Imagina o melhor dos mundos por entre os intervalos de doença com que o cubículo onde pernoita se decorou. Autoconvence o próprio convencimento com desenhos de personalidades que nunca teve. Copos de água que afogam o que quis ser, mas nunca teve coragem de expressar em obras de arte.
Desfaz-se a noite, e corporiza a vontade de fazer deste, um atrevimento literário sem sentido. Está calor. Um pedaço de trapo, com formas interessantes, pende da maçaneta de uma janela. O vento traz uma fagulha solta, e o estio encarrega-se do resto. Morta, de crime violento, a história de amor que resumi. Ardeu a bata de trabalho, e com ela o coração já esvaziado de um homem triste.

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