2010/11/04

Retalhar I


Destapada estava aquela pequena parte do coração que o vento trouxera ao entardecer. Era indecifrável a forma como as coisas se dispunham no chão, à beira de mais um passar de ano no bairro de todas as perdições. Havia um senhor esfericamente impreciso, que escrevia debruçado no degrau calcário da casa onde se aprestava a ganhar a eternidade. Adivinhavam-se grandes coisas de todo aquele silêncio que se permitia a si próprio, mas era o vento, o mesmo amparador da santidade indefinida daquela porção de coração, que o parecia desconcentrar. Mais à frente, um gato, ou o que parecia ser uma criatura carinhosa, acinzentada, e faminta, observava-o resfatelado silenciosamente em bocados de jornais das semanas que ali se foram desfazendo. Ali assim, perfeitamente balanceada no dispôr aparentamente caótico destas coisas, outra porção do passado de alguém pendia de um desnível na escadaria da igreja. Era uma carta, num papel amarelecido, só com um bocado de folha. Passando ao redor aparentava tranquilidade na forma como bailava à aragem, e nela o papel deixava entrever riscos certos e seguros de um punho que disse qualquer coisa, a qualquer pessoa. Afinal de contas, o sol já se pôs, e o homem continua a escrever. Quem observa podia fartar-se desta realidade. Mas narrar passa sempre por supôr. Encontrar pequenas concomitâncias na forma como o tempo corre devagar, para depois se lançar na montanha-russa das descrições sem sentido. Não parece ir a nenhum lado esta situação.

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