Ela disse-me tens de escrever, com o sol a desfazer-lhe o cabelo em milhões de cores mortas. Sentava-se na esquina da sala impressionante de espíritos. Nunca me cansei de olhar ao longe aquela velhice de inconsistências. E quando a recordei de que existia, que estava aqui para algo, não só para amparar o chão preto que gostava de descrever, ela sorriu. Pousou a mão direita no colo esquelético, que só a saia de lá cinzenta enfeitava. Respirou fundo duas vezes, com o ar a retirar-lhe para o éter mais dois sorrisos descomprometidos.
-Tens de escrever, já disse.
Não precisava de mais, estava convencido. Prostrei-me aos pés do gigantesco candeeiro a petróleo. Era assim que tratava aquele adamastor da minha infância, e deitei-me. O ar dançava com suaves e abafados acordes um fado do alfredo marceneiro. Não me lembro do nome. Só me recordo que adormecia ao som daqueles lamentos de bêbedo quando era criança. E ela varria. Dizia que nunca mais iria maltratar o mundo. E quando chovia, escrevia poemas de amor ao menino dos olhos da infância dela, o tal que morreu lá longe, onde Portugal nunca passou de um caroço de azeitona.
Procuro ainda coragem para conseguir ilustrar tudo isto sem cores...
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