2025/01/17

.. um enorme e insuspeito fio de água


 A vontade de mentir,

O desejo decrépito de alterar expressões,
Posturas corporais,...

O direito a uma verdade alternativa,
Que na medida do possível deixasse a vida correr como um breve e insuspeito fio de água,...

Semelhante aos que vão sucessivamente desaparecendo após um dia de tempestade,.....

E ele iria lutar por mais luz e razões de devaneios como criador,
De qualquer coisa de oposto à rotina,
Tinha essa vontade,
E os direitos são inalienáveis até eles próprios se fundirem com o tempo

2025/01/16

A batida de dias que não se cruzam,...

 Não lhes vou dizer,

Poderão ver pelos olhos ensanguentados,

As mãos que amarelecem conforme são lambidas pelo vento,....


Eles hão-de perceber que a luz não se explica,

A escuridão ganha sempre,.. 


A página vira-se com esforço,

Até não mais ser possível explicar a quem não entende,

Com o choro suficiente e as hesitações que cheguem,...


A batida de dias que não se cruzam,

Horas que passam por minutos,

E um conceito de tempo que,

Assim,

Se anula antes de se extinguir,

Em fogo


                             Tirado daqui

Duas jovens a beijarem-se

Louis Leopold Boilly (c.1790-1794)

2025/01/15

...o ressoar da verdade

Tirado daqui

É-me desconhecido o ressoar da verdade,...

O teor dos argumentos,
Acho que sempre soou igual,....

Ou seja,
A fala,
A expressão refeita de medos e de cenários proscritos pelo medo,
Sempre foi um passo em frente do homem,...

E seja a mentira,
Seja a palavra sem corpo mas com espírito da cativação e do querer bem,
Todas soam igual,....

E a prática que tenho de as despir,
De me fazer parte iludida do mundo em que vivo,
Através de silêncios consecutivos que ganhem corpo,
Vai dando resultados,....

Chamem-me portanto um estudioso da transumância da linguagem
 

2025/01/14

Há só escrita

                            Tirado daqui


Dois de três percalços do dia,
Uma cama antecedida,
Da partida sem pés,
Uma manhã esvaziada,
Com o padre fechado,
Na extrema unção,....

E porque não há livros perfeitos,
Rasga-se a página com o fim já a falar,
E não há alumiar,
Não há escurecer,....

Há só escrita,
Mesmo que permaneça a dor

2025/01/13

Cartas porque sim


                           Tirado daqui

Apolo e Dafne, 2020, Roberto Ferri

Eu também tive cartas. Via-as apenas como pedaços de papel. Não que as pessoas chegassem à minha vida, e elas aumentassem ou diminuíssem de valor. Continuavam a ser repositórios de experiências. Dias e noites a chegar e partir, e eu a permanecer o mesmo. Imutável, com experiências de vida vulgares e inúteis de serem explicadas, ou sequer partilhadas. Mas sentia, ainda assim, necessidade de as ter. Funcionavam como estertor das coisas que eu queria esquecer. Acho que estavas lá, ou tens passado como particula quase invisível de cor em tanto branco do papel. Já começo a ser desnecessário, e monótono. Mas não sei ser de outra forma

 Por isso estão aqui estas heranças. Se não quiseres, não as aceites como cartas. Pensa na virtude de tanta sinceridade, como aquela que aqui verto. Só isso que quero mesmo dizer-te....

2025/01/12

A modorra

 Já tinha reparado,

A modorra,

Os olhos das pessoas como berlindes gastos,

A passarem de mão em mão nas crianças,....


Uma ou outra boca anulada,

O silêncio traz a irrelevância,

Temporária ou não,...


Não podia assim dizer que era novidade,

Aquela hora do dia em que a porção do surreal se instalava,...


E ela escolhia a pusilinimidade,

Qualquer canto servia,

Para que observar durasse um extenso rol de tempo,....


E ela pudesse sair ilesa,

De tanta abstração 

                           Tirado daqui

2025/01/11

Por curvas irregulares,...

 Um pouco de lugar comum,

Enquanto o ódio sobe lá fora como o estio,

Há um corpo,

Dois, três, os que esta cama conseguir aguentar,...


E há tolerância pela imperfeição,

Por curvas irregulares,

Olhares que nada digam,....


Há vontade de que o mundo se encurte com simples toques,

E os julgamentos se vão diluindo nos silêncios cúmplices,....


Em suma quer-se o mesmo quando se olha em redor,

E se vê paredes que parecem encolher,

E uma vontade que cresce,

De tornar corpos num só,....


Assim se tolerem imperfeições,

E desejos mal expressos,

E de certa forma até toscos

                             Tirado daqui

2025/01/10

Homenagem sem rumo


                                                                     Tirado daqui

um lote de poesias cerebrais,
com nódoas de café em papéis
mal redigidos,.....

sujeitos indefinidos,
que refletem nos olhos
a luz da lua no Tejo,
e uma conversa acesa,....

homens com dores
nos prepúcios,
cansados,
a verdade tolhe os
movimentos de ambos,....

e sem conclusão
 termina o reflexivo do tempo

2025/01/09

Há ruas que ela recusa,...

 Quando a procuro também sei onde encontrar,

A tal da morada certa,

Dos dias inocentes e dificeis de agarrar,....


Há ruas que ela recusa,

Momentos que renega,

Roupas de defesa que rasga em ataques impassiveis,....


Ela,

A das frases inalienáveis,

Dos remoeres desnecessários,

E das preces pelo amor,.. .


Que se ainda houver enquanto cá andarmos,

Já será lugar para doer,

E nunca para recordar,

Como ela já quis,

Quando andava nua pelas frases incompletas 

                                                                               Tirado daqui

2025/01/08

Cenário de descrição literária

 O cesto da fruta era de um vime tosco. Comprado onde não vem ao caso. Tinha uma maçã rosada, mas a ganhar um gradual amarelecimento. Uma banana deformada, com pele de pescoço de girafa. Um cacho de uvas ainda viçoso, apesar de num exame mais pormenorizado se perceber que já havia sido manuseado várias vezes. E ainda três limões de dimensão reduzida, ocultos por entre as dobras de um pano de renda de bilros disposto como proteção em cima do vime. Era o único sinal de vida, este cesto de frutas, numa sala empobrecida e escura. Morava em cima de uma mesa de madeira de cedro, de origem impossivel de identificar. Como nota de destaque duas cadeiras, feitas aparentemente com o mesmo material, ambas encostadas simetricamente aos rebordos da mesa. E ainda um pequeno banco de três pés. Só com um exame mais próximo a este ambiente era possivel verificar a sua presença. Estava encostado à base da mesa, quase que de propósito. De repente abre-se uma porta, e dois dedos acionam o interruptor da eletricidade. Um cenário até aqui sombrio, ganha uma vivacidade um pouco maior.

                                                                                      Tirado daqui

2025/01/07

Violências contadas

uma manta envelhecida,
tem cheiros que o
tempo encarrega-se de perder,
um corpo irregular,
mais inocente que
indefeso,....

e bater à porta,
primeiro levemente,
depois com a insistência
do desespero,
exige-se sem palavras,
com troares consecutivos
de murros numa madeira que não responde,...

é tarde,
quem exigia desistiu,
o corpo escondido
debaixo de uma manta,
respira antes de
se entregar ao cansaço


                                                                            Tirado daqui

2025/01/06

....luto de fio a pavio

 Mas o problema nunca me é cruel,

Veste-se de luto de fio a pavio,

Engole o ar e regurgita bolas de névoa,

Como se o avesso do que representa fosse a sua verdadeira face,....


E percebes,

Tu observas,

Depreendes da minha certeza,

Mas não podes nem deves intervir,....


O problema é só meu,

É um problema da pele gasta que tenho

                              Tirado daqui