2024/11/20

Letra de leite

 Uma letra travessa,

Letra de leite,

De histórias,

Frase inteira aos gritos na sobra da manhã,....


E ao menos a espera,

Obrigarem-nos à luz,

A que tudo possa se calhar ser mentira,...


E no resto zero da dúvida,

Estarmos defronte do palácio do sonho,

E sermos nós próprios,

Os modestos,

Inseguros,....


Com medo das letras omissas,

E dos sons cavernosos,

Para que adormecer,

Deixe de doer,

Como a morte

                       Tirado daqui

Madhouse (1974)

2024/11/19

...copo do temor

 Estás excelente a manter as aparências,

Senão vejamos,

Como se escreve desilusão?,

E tu passeias na praça central,

Cabelos ao vento,

Cheiro a vitória a desprender-se de todo o teu ser,....


A procura pela ilusão,

Explícita e com laivos poéticos intensos,....


Ainda me lembro do que foram as parcelas da nossa conta conjunta,

Razão, explicação,

Virtude coerente e nunca desilusora,....


E agora,

Queria-te para bebermos juntos do copo do temor,

Do medo concentrado por entre as mãos suadas,...


Mas já vais lá tão longe,

E esta frase que para mim,

Não devia ter fim


                                                                        Tirado daqui

Wilhelm Sasnal  
Sem título   
(óleo sobre tela, 2017)

2024/11/18

Dedos que tamborilam,...

 Prioridades,...

Dedos que tamborilam por aqui e por ali,
Dores descontinuas e dois copos de zurrapa,...

Comichão na alma,
Não olhar pra caras feias por repugnância,
A desilusão de todas as noites,
Vitórias pequeninas com passos de Pirro,...

Prioridades sim,
A falta de cor
Aplicada à passagem do tempo,...

E mais qualquer coisa,
Por uma derrota que se compre por poucos réis,

Trazida para casa no meio do pão 


2024/11/17

Os gladiolos do jardim...

 Ela acompanhava-me na rua,

Os pássaros viam,

Quem nos conhecia ignorava,

O esforço do sol em recortar os passos que dávamos,

Era evidente,....


Assim como a respiração,

A incapacidade de uma coordenação,...


Ela ia apontando para aqui e para ali,

A igreja da cidade e a sua sombra monótona,

Os gladiolos do jardim que cresciam sempre para o mesmo lado,...


Era monótono e rotineiro,

Mas acontecia,....


No fim uma despedida aventureira,

E um dia que se partia em dois,...


Sem nunca se saber se voltava 

a colar-se

                                                                              Tirado daqui

2024/11/16

Matabichar

 Nunca saberia por onde andavas,

Se as coisas não tivessem enfraquecido por aqui,...


O dia enregelado,

As vozes enojadas dos desiludidos da vida,...


Matabichar sozinho como se diz na minha terra,

E sair porque não te pressentia,...


A escrita servia-me de apoio,...


De corpo doído e alma estendida aos pés,

Era o único consolo e forma possivel de te encontrar 

                                                                           Tirado daqui

2024/11/15

....e 20 anos acabam hoje. 😢a vida passa tão depressa

 



A sorte, querida....


                           Tirado daqui

ele queria a sorte,
um lençol rasgado,
um dia a menos
que a solidão,...

queria a sorte açoreada,
como um rio que corre
sem destino,
repleto de árvores
que pendem para onde o sol quer,....

e queria a luz recortada,
como papelinhos irregulares,
usados em despedidas
onde quer que a sorte quisesse,....

e queria tudo,
porque sentia poder
ter tudo,
assim a sorte quisesse,
a sorte aflorada,
como involuntária marca de passado

2024/11/14

...vértice feroz da escuridão

 Ficaram sem sentido os excessos,

E as conversas desnecessárias,....


De uma luz inconsequente,

Sorvida pelo vértice feroz da escuridão,

Saíam crianças mudas,...


A linguagem perdia gradualmente a importância,

E a comunicação evoluía em ondas parecidas com o mar,... 


Era um tempo desprovido de calor,

O mundo parecia, de resto, ficar envolvido numa pelicula fina de gelo,

A provar que uma nova era da história poderia estar para começar,...


E não havia novidades na água que apontassem,

Noutro sentido

                                                                       Tirado daqui

2024/11/13

Roupa espalhada por cima de livros...

 Alarmado,

Falta a água,

A casa arrefece,

As letras dissolvem-se,...


É tarde,

Já não terei companhia,

Engulo em seco,

Roupa espalhada por cima de livros,...


Madrugada esfaqueia,

Porta abre-se,

O escuro abraça,

E mergulho,....


O ar rareia,

E bato a mim mesmo,

Para acordar

                                                                          Tirado daqui

Frida Kahlo e Diego Luna

2024/11/12

Listas inteiras de pedras preciosas...


                                                                             Tirado daqui

Alphaville

de: Jean-Luc Godard


Podia ser deste sonho,

Deste lado da luz de presença do que era o nosso quarto,...


Uma cama modesta,

Duas janelas convexas que prendiam a luz do dia,

Como se de um tesouro se tratasse,...


A vontade de histórias,

Listas inteiras de pedras preciosas de faz de conta,

Que deixávamos para trás ao correr por campos de todo o lado,

Menos de aqui,.....


Mas era o real,

Uma música estranha e sem origem,

Que nos acompanhava enquanto não era dia,

Quase como se nos defendesse do pessimismo de querermos ter diferente,

Sem sequer conseguir 

2024/11/11

A fechadura oxidada....

 Disseram que ia passar o natal para um sítio algures, na costa. A casa ia ficar vazia. E competia-me zelar por ela. O plano era simples. A meio da manhã subir ao segundo andar, abrir a porta com jeito porque a fechadura estava oxidada, e em circunstância nenhuma entrar calçado. O chão tinha um tipo de cera pegajoso, necessário para o ‘parquet’ se manter conservado. A primeira coisa a fazer era alimentar o gato. Um velhote rechonchudo, quase cilíndrico, que se arrastava de um lado para o outro entre sonos soltos que fazia onde mais lhe apetecia. Depois de posta a ração, e mudada a água, a ideia era ir à cozinha. Abrir as janelas que davam para um terraço. Com cuidado, porque a abertura era para o exterior, e com isso podia danificar-se um limoeiro frondoso que estava ali há décadas, mas ainda dava sinais de vida. Se quisesse, tinha autorização para ligar a aparelhagem antiga. Os donos disseram que a tinham comprado no estrangeiro, Nova Iorque se bem me lembro. Havia várias caixas envelhecidas de cartão, algumas com CD dispostos por ordem alfabética, e alguns, poucos vinis. Estes sem qualquer definição ou ordenação. Nunca tive coragem de mexer ali. Além de ser pouco dado a tecnologias, aquele recanto da casa fazia lembrar-me tristeza. Não sei como, nem porquê. Mas fazia. Por fim, organizava as minhas idas sempre de forma a receber o estafeta que entregava as compras. Nada de perecíveis, porque os donos da casa passavam longos períodos fora, e não gostavam de surpresas como cheiros difíceis de descrever. Só saía dali ao entardecer. Perdia algum tempo, confesso, a folhear uma longa e variada biblioteca. À saída, tinha a incumbência de me certificar que a porta ficava bem trancada. A fechadura oxidava cada vez mais…..

                                                                                    Tirado daqui

“Avian Rites”
[Colagem digital, 2018]