O meu melhor amigo explicava-me que entrar naquela cervejaria era como extravasar emoções. A música soava baixinho naquele espaço sem nome que fica entre os dois ouvidos gastos que temos, e só conseguíamos olhar para as cadeiras enferrujadas. Tinham quatro pernas periclitantes, e um encosto a meio termo, nem muito direito nem recostado. Havia sempre copos meio cheios, mais vazios que outra coisa. Todos pareciam preferir cerveja, e quase ninguém haveria de comer por muito e muito tempo.
O meu melhor amigo, que eu me tinha habituado a chamar Leitão, apesar de saber que ele era qualquer outra coisa de pai que eu preferia ignorar, dizia que gostava de para lá ir escrever letras de fados. Ele conhecia um senhor, que vivia sozinho, duas portas abaixo da dele na rua de sentido descendente que sempre havia conhecido, apaixonado por fado. O homem parecia viver de duas, três noites que tinha na mesma casa típica, da qual eu nunca quis saber o nome, e onde ele transmitia melancolia a doses industriais, como sempre parecia ter sido. Lembro-me que para mim, sem nunca lho ter dito, sempre lhe tinha chamado o oposto do homem revoltado.
E voltando à cervejaria que me traz nestas linhas, era lá que o Leitão esboçava, de uma forma tosca e quase sempre cheia de anátemas, as letras dos fados que polvilhava pela semana de solidão que era obrigado a viver. E eram essas palavras, quase sempre expressas por entre os olhares dos que ali entravam, e os lamentos mudos dos que chegavam para se sentarem naquelas cadeiras de encosto difícil de definir, que depois entregava ao conhecido, que fazia deles a mesma coisa, mas com outras roupas. E por outros caminhos.
O meu amigo leitão passava muito tempo a falar de todos os problemas que ali encontrava. Eu habituara-me a ouvi-lo quase como se fosse uma voz das pessoas que dizem as notícias na rádio. Que estão lá, mas que nós nunca verdadeiramente conhecemos.
Por estranho que pareça, e depois de até me ter imaginado a comer uma boa refeição sozinho no interior daquele espaço, da qual só guardaria boas recordações, optei por nunca verdadeiramente lá entrar.
Acabei agora mesmo de me lembrar de escrever este episódio. Vou deixar estas palavras escritas numas folhas toscas, antes de sair para nunca mais voltar...
Gostei bastante deste texto que, para mim, foi um pouco perturbador.(isto não é negativo; se me perturba é porque não me deixou indiferente...)
ResponderEliminarRE - Ontem o SEGREDOS estava quase quase a acabar.
Hoje - já acabou! ��
Continuação de boa semana.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
Obrigado Maria.
EliminarAgradeço o elogio
😊
Beautiful blog
ResponderEliminarThank you so much for your presence
EliminarUn buen lugar, un buen ambiente, una buena música y un buen amigo para conversar...¿Se puede pedir algo más?
ResponderEliminarBesos
Si
EliminarEl ambiente ideal
Gracias por tu presencia
Amo contos, crônicas, historietas, assim , de bom tamanho como o teu texto. Impecável a escrita porque me transportou pro ambiente descrito. Teu amigo Leitão se sentir inspirado nesse lugar pra escrever fados, um estilo musical maravilhoso, sentido, quase dramático ? Se ainda fosse uma roda de samba seria compreensível.
ResponderEliminarAmei ficar presa na leitura , amigo. Muito bom.
Beijinhos.
Obrigado Lúcia
EliminarImportante sua opinião e leitura
😊