2021/03/31

Esgravatei

 


Devo começar a dizer que me desculpo pelo silêncio,

Pelas vezes que esgravatei nos bolsos,

E senti que tudo morria na palma da minha mão,... 


Que seria por aí que viriam a ser necessárias escolhas,

Com o recomeço vagaroso das iluminações dos pontos inóspitos de cada desejo,

Cada texto inacabado que fui deixando pelo caminho,...


Este é o precipício certo,

As formas inauditas de um beijo,

Não são aqui bem vindas,

Nem que para mim tudo acabe com o banho de luz média,

Que cada amanhecer me proporciona,

O mesmo que nunca mais irá voltar,

Se não o prendermos com o compromisso possível de vida 

2021/03/30

À espera

 


A procura reticente da curva dos olhos,

A ilusão,

Medida a copos vazios de sede,

Tanta arte descalça,

Descrita por entre os intervalos de abstracções,

Que por anos nos preencheram essa curva dos olhos,...


Saímos deste mundo como a mãe que parte,

E entrega os frutos do ventre ao acaso,

A ponto de morrer incendiada pelo arrependimento,...


Mas restamo-nos sempre neste espaço que nos agarra,

Disseca em desespero vociferante,

E me leva por exemplo a escrever-te este caleidoscópio,

Que assim queira a sorte,

Nos terá a girar em permanência, 

Em busca do fim dos tempos 

O livro da vida

 


As nossas previsões,

O que anseamos venham a ser formas imprecisas de felicidade,

Em tudo há risos humanos que nos tranquilizam,... 


A certeza que soa a gerações infinitas de crescimentos concretizados,

Anotações incorretas, 

No que ouvimos dizer ter sido o livro da vida,

A que nunca faltam páginas de tranquilidade 

2021/03/29

Autóctone

 


Parecia querer ouvir vozes que 

não lhe estavam entregues,

Sentia-se sozinho com o que disse,

Desapontado,

As fraquezas eram tão descritivas como 

se lhe tivesse dito o mal,...


Como uma transcrição do antigo testamento 

que nos desunisse,

Que fosse mentira clara,

E propositada,....


Cheirava a tantos propósitos por cumprir,

A ideias até que para 

serem cumpridas,

Só precisavam de roupa e cabelos

 alourados como religião,

Para que se soubesse das manhãs que 

traziam dentro dos olhos,...


Quando desisti de o ouvir,

Embarquei no primeiro transporte credível,

E hoje sou a razão do desespero de não 

acreditar mais no vento 

2021/03/28

Pele encastrada

 

Dizia improperios,

Percebendo que havia uma regra que os permitia,

Linguagem torpe,

Inconsequente,... 


Ofensiva para que a pele das pessoas se encastrasse na sua,

Seria assim a forma de os olhos descenderem à terra,

E com o cultivo do ódio,

Poder dizer que a vida desenha imunidades na morte,...


So assim se continua,

Pensava,

Ao mesmo tempo que arranjava o possível,

Em desejos por realizar 

2021/03/27

Língua perdida

 Arranjara um emprego num sitio repugnante,

Com pessoas que usavam a indulgência para sobrecarregar o ego de quem não gostavam,

Subia e descia todos os dias a mesma rua,

Debaixo de olhares assoberbados por uma morte indissociável da ruína,

E aliada do que possa vir a mais em relação ao que se tinha perdido,...


Resgatara o nome de escravo,

O que tinha usado nos tempos de algodão,

Os que lhe vinham à memória quando o sono o resguardava,...


Restavam-lhe mãos de sino,

Uma experiência inodora que só ele aproveitava,

E da qual fazia a teologia suficiente para,

Uma noção autóctone de religião,...


Estava tudo escrito em esperanto,

Ou uma ideia semelhante a uma língua perdida, 

Que só ele entendia, 

So a ele entristecia,... 


Quase como se o mundo fosse um nenúfar perdido 





2021/03/26

Um dia gostava de saber escrever assim

 

herberto helder / as imagens

 
 
[…]
 
Num país estrangeiro, ao norte, cercados pela noite onde a neve palpita friamente.
 
O ruído chega ao quarto como um vapor ligeiro, indistintamente iluminado.
 
Falando baixo, enquanto a neve desliza pela janela e um comboio passa, brutal.
 
Isto ao mesmo tempo que a noite, a neve e o rumor.
 
E a conversa interrompe-se, tendo ficado pelo meio uma qualquer palavra, com sentido, essa também, porque todas as palavras eram animadas de uma inspiração capital.
 
Era tudo terrivelmente importante.
 
Tudo é importante, enquanto a noite cria o seu labirinto e o quarto se desloca para o coração do labirinto.
 
Estamos inclinados um para o outro, por dentro, e eu sinto uma vertigem leve, como se soubesse que o chão poderia não ser completamente seguro, e o abismo sempre prometido se fosse revelar.
 
O amado e terrível abismo.
 
[…]
 
 
herberto helder
apresentação do rosto
as imagens
porto editora
2020

Vagamente inspirado em 'A morte de Carlos Gardel'

 o anão esperneava, esbracejava com o jornal desportivo. um choupo, a casar com um salgueiro. E o vento insinuava tanta ideia de conluio entre árvores centenárias. As janelas do hospital pareciam tombar sobre a estrada, alumiando os carros que passavam, alternadamente, para se fazerem à curva acentuada à direita, que depois levava ao centro.

-Precisamos de um defesa central. Se não lá se vai a taça.

Subia a rua desorientado. Lembrava-me do meu avô. O homem vinha de jogar dominó no jardim da Parada, vestia o roupão por cima do casaco. E depois repousava sobre os resultados de domingo.

O amigo do anão já nem lhe ligava. Chegou-se uma senhora bem posta, com um casaco de popelina, um chapéu com duas rosas enegrecidas. Teria os seus sessentas, e o taxista agradeceu. Pôs uma primeira solta. O anão continuava.

-Vai-te embora. assim não me respondes.

Continuei lentamente. Não sabia onde ia. Também não me parecia interessar. 




2021/03/25

a noite cresça para a velhice


 

copos espalhados 

assimetricamente, 

nódoas de sangue 

recônditas, 

recolhidas, 

que gritam ar podre,...


e há um dia, 

em que a rotina explode, 

os lamentos assumem 

a forma de um beijo, 

e há beijos que 

se desintegram, 

e o ar pesa, 

sobram vogais para 

que as consoantes emudeçam,.... 


lembro-me de tanta gente 

que já aqui coube, 

e a luz assusta, 

não há mais dia, 

para que a noite 

cresça para a velhice, 

que de si se espera

2021/03/24

Curta ilusão

 


Sou um museu medianamente relevante,

Mas continuas de olhos fechados,...


E o vulgar do surrealismo já não está no vento

2021/03/23

Uma casa e o medo



o sótão cheio de coisas a apodrecer,

um dia com sabor a morango,

e as janelas que abanavam,

pareciam contar a história repartida

de sonho,....


tanta música insolúvel,

e chás que se bebiam frios,

o anátema da solidão escorria por

paredes bolorentas,

a abraçar a fonte incolor

da crispação,

que numa casa pronta a habitar,

a tornava uma visão da extinção

dos verbos

2021/03/22

Palavras anotadas e concisas

 


Amo as palavras,

Tanto quanto as protuberâncias nos teus pulsos,

Indicam que já escreveste o suficiente, 

E lá fora há corpos lamentáveis que te vão dando razões, 

Para recomeçares, 

E rejeitas com o peso de recusas sem rosto,... 


Vou amando as palavras, 

Até quando não sei, 

Talvez espere que me retomes o gosto tu, 

Por poemas inolvidáveis e sem contornos de corda, 

Com a religião certa para que se continue, 

Pelo menos tu e eu, 

A preferir nem que seja um pouco de transmissão de sentimento, 

À total ausência de retorno do devir,... 


Continuo a amar as palavras, 

E lá fora no corredor ouço passos que me irão meter medo por esta escolha, 

Só que não me atormenta

2021/03/21

Arruamento

 Eu sei como tocas,

E tudo se preserva sem nervuras do mal,

Sem que a carne soe a luz,

A porta entreaberta para o abismo,

Como me recordo que sempre nos aconteceu,...


É hermético estar lá,

Como se tudo o que pensamos,

Que nos arrependemos de fazer,

Se feche ao ódio,

Ao amor disruptivo e sem sentido,

Que é o que encontramos por onde sempre andámos



2021/03/20

Escrever luz

 


Ou lugar ou sentido,

Frutificado,

Inocente de crimes de Anonimato,

De responsabilidade no desejo reprimido,... 


Presente num olhar de velho aprisionado,

Pela pergunta de todas as crianças inexistentes do mundo,....


Sentido sim,

Mas despido de referências, 

Sem soluções para a angústia humana,... 


Sem que haja lugar em que seja possível escrever luz, 

Com as letras da ausência de alimento para a solidão 


2021/03/19

A Terra há-de condenar-nos

 a terra condena-nos,

da água nunca tínhamos vindo,

se com o fogo déssemos as mãos,

e tudo nos lembra do que não somos

feitos,

para quê o momento certo de intrusão,

aquilo que resta de um conflito,

ser o que a nós parece suficiente,

para a comunhão,...


o argumento de que a terra nos há-de condenar,

serve para a noite




2021/03/18

:-(


 

Esforço na Terra

 

O tempo,

OK?,

O que deixaste de saber entender,

E agora sou eu a ter de levantar o cálice,

Como se as chagas tivessem um dia sido minhas,...


Mas não foram,

A lúgubre sensação de peso é tua,

A forma como intercedes pelo peso de um adeus,

Saiu do teu pedaço de carvão,...


E tudo isto enquanto os cabelos teimam em resistir ao vento,

E acabou por momentos o sol a desenhar o esforço na Terra,... 


Odeio o tempo por tudo isto, 

Sem que o perdão tenha algo a ver com o intróito 


2021/03/17

Wednesday afternoon


Tirado daqui


 ombro nu, 

pele desajeitada ao sol 

distinto de meio do ano, 

não é ainda a notícia 

de um sorriso, 

só as anotações precisas,

 para que haja sentimentos 

a revelar,.... 


números e números 

de pássaros feridos, 

cruzam o céu, 

e dizem que o meu lugar 

não tem felicidade, 

o meu tempo não 

usa roupa, 

na nudez felicito 

a minha ausência, 

no silêncio permanecerei, 

em fogo

Não teve cheiro

 Mandou-a despir-se,

Era só um adolescente a pisar uma linha de não retorno,

Com uma mulher madura,

Indefesa,

De formas assustadoramente gastas,

E talvez por isso cativantes até   ao mórbido,... 


Com um coração que parecia pulsar pelo nojo,

E pela aprendizagem de qualquer coisa, 

parecida com os primeiros passos da sexualidade,...


Mas a nada soou,

Não teve cheiro,

Significado,

Nem sequer percurso irregular, que fizesse prever algo semelhante a um sentimento,...


E por fazer estava tanta coisa,

Quando a vida retornou em palavras de ter de ir embora,

Com o segredo de uma noite que não ia mais voltar



2021/03/16

Só porque sim


 

Já custa a escrever

À cerca da meia noite,...

   está tanta coisa inutilizada porque a indecisão sempre vence,...

O senhor de todos aqueles olhos sentava-se sozinho. Queria grandeza, um desígnio inofensivo de poder. Dizia-o sozinho, enquanto fazia círculos intermináveis no tempo, com a cínica comida dos pobres de todos os dias.

Há mais qualquer sensação até que se vire esta página. Somam-se dois mais dois, e um velhote à beira do fim da vida suplica por atenção,...

   já custa a escrever. Os dedos doem. É propositado que toda a música do mundo soe mal num dia de final de ano. A criação  está a acabar. Os propósitos de novidade já não têm a mesma forma.

   O universo já foi digno de solitárias incursões por uma construção de personagem que valesse a pena. Agora já não... 



2021/03/15

Já por aqui passou, mas repete. Adoro esta música. Faz-me sentir indolente, inodoro, e insolente


 

O Inatingivel em 'crossover' com a revista Subversa

Agradecimento à equipa que edita a revista trimestral Luso-Brasileira 
'Subversa' pela oportunidade.





 

Consolidação

 custava-lhe a ausência,

tantas vezes mal explicada,

a ausência de hoje,

de ontem,

a mesma com que se regava as 

flores,

e ela cantando parecia explicar como

tudo estava errado,...


sem parecer o amor não 

se consolidava,

aparentava muitas vezes o som,

e o vazio que ele deixa quando nos 

apartamos da sua força,...


por isso,

pedindo que ela voltasse,

não chegava,

era preciso haver uma casa que

se contraísse,

e um nódulo de dor a crescer,

pequenino,

na voz embargada




um espírito que desistisse

do que nunca se teve,...

2021/03/14

A chuva de que gostámos


 As contas de estares vivo,

Sem lábios nem enfado,

Os passos para o retorno são o suficiente para um impasse,... 


E diria que lá longe,

Onde uma vez foi dia, 

Antes de que nos deixássemos ser noite,

Agora pararam com os sermões,

E as palavras vãs que se calcam,...


Se nos deixarmos onde já não há sol,

A chuva de que outrora gostamos se calhar,

Já não virá 

2021/03/13

A mosca


 

isto é coisa para ter acontecido

a uma mosca,

uma mosca despida,

oblonga,

sem formas definidas,

sem masculinidade,

sem gâmetas de todo,...


a mosca dos desejos,

indefinida nas razões,

insuficiente nas roupas,

tanto assim que a nudez lhe

caía sempre bem,

o que lhe teria acontecido deixou

de acontecer,

porque o tempo só acontece às criaturas

que precisam de mudança,

e como uma mosca,

nasce e morre no mesmo sorvo,

não precisa de mudança,

não precisa de nada,

auto renova-se,

e despede-se,

para outra mosca sem roupa

nascer

Projetos precoces da falta de destino

 Era a época em que as mulheres batiam nos vidros dos homens,

Com pequenas moedas,

A chamar com o que soava a silvos,... 


A princípio era inofensivo,

Mas depois era um convite para o pecado,..


E aquela pequena criatura cresceu no meio da banalização dos sentimentos,

Do amor,

A fazer projetos precoces de filosofia existencialista,

E nada,

Ou ninguém,

Conseguiu que se mudasse esta percepção de uma nova vida,...


Ele também nunca quis



2021/03/12

Falácia

 Se todas as letras em que adoeci,

Onde a confiança de ter vida além do número de ser só,

De desejar o que não ter fosse o mesmo que ter,

Tudo isso era agora da mesma cor do céu,

De sons inofensivos,...


Tanta palavra ficava por inventar,

Esquecia-me da escrita,

Persistia a falácia,

Para sempre o paraíso feito luz,

E a luz na escuridão,

Com o escuro dito fim




2021/03/11

Bloco de notas

O homem andava sempre com o bloco de notas,

Reparei que procurava aves moribundas,

Das que amanham um porte majestoso para ocultar o despedir da vida que desiquilibram a custo,...


Observei-o tanto tempo que o vi a deixar de fumar,

Permitindo que por mim passassem notícias que não entendia,

E também me esforçava por não entender,... 


O homem enchia blocos com imagens tão diferentes como díspares,

Senti o tempo passar e perder-se pelos meus olhos,

Que meio esgasiados,

Meio deprimidos,

Se deixavam ir sem qualquer promessa que pudessem voltar de um passado,

Por essa altura já cheio de vidas que desconhecia,...


Quando finalmente chegou a altura de conhecer o homem,

Que depois de tanto tempo eu já encarava como a resposta soturna do amor ao esvaziar das possibilidades de redenção,

Reparei que ele nunca sequer tinha estado lá,

Fora só uma projeção de mim mesmo,

Com  bom gosto pelo inusitado da vida 



2021/03/10

Mal pulmonar


 Sentia-se infetado,

Não estava nos livros o que lhe corrompia a pele,

Absorvia de dentro os pulmões que já sentia a apodrecer,... 


O amor já não era o mesmo,

Na praça pública os que antes inculcavam admiração e profundidade nos gâmetas,

Agora viravam a cara,...


Recusou o dia de voto,

Mesmo que toda a misenscéne prometesse mudar qualquer coisa,

Só para deixar tudo igual,... 


Se calhar deixar de cogitar em tempos verbais errados fosse a solução,

Mas sem certezas que a dor se fosse embora 

2021/03/09

Ansiosos

 Sabes aquela canção triste,

Com versos de sabor metálico,

E nem por isso as pessoas gostam dela,... 


Encolhi-a ao tamanho de um percalço,

Com as novidades todas dos ansiosos,

E a espera travestida de amor,...


Transformei-me enquanto a ouvia,

Confortavelmente dormente como no passado se disse,... 


E não há mais novidades deste lado,

A surdez tirou-me o faro da criatividade 



2021/03/08

Um dia gostava de saber escrever assim

 

pier paolo pasolini / o pranto da escavadora

 
 
I
 
Amar, conhecer
é o que conta, não ter amado,
ou ter conhecido. Angustia
 
viver de um amor passado.
A alma já não cresce.
Neste calor encantado
 
da noite profunda, aqui,
entre os meandros do rio e as visões
adormecidas da cidade constelada de luzes,
 
onde ecoam ainda mil vidas,
o desamor, o mistério, e a miséria
dos sentidos tornam-me hostis
 
as formas do mundo que, até ontem,
eram a minha razão de existir.
Triste, cansado, volto para casa,
 
por negros largos de mercado, tristes
ruas em redor do porto fluvial,
por entre barracas e armazéns que se misturam
 
aos últimos campos. Aqui reina um silêncio
de morte: mas, mais em baixo, na avenida Marconi,
ou na estação de Trastevere, a noite
 
parece ainda amena. Para os seus bairros,
para os seus subúrbios, regressam em motas
ligeiras – de fato-macaco ou calças
 
de trabalho, mas cheios de um ardor festivo –
os jovens, com um companheiro no selim,
rindo, sujos. Os últimos fregueses
 
conversam, de pé, em altos gritos,
aqui e ali, na noite, às mesas
das tascas ainda iluminadas e quase vazias.
 
Magnífica e mísera cidade,
que me ensinaste o que os homens,
alegres e ferozes, aprendem em crianças,
 
as pequenas coisas em que a grandeza calma
da vida se descobre, como, por exemplo,
andar, duro e lesto, entre a multidão
 
das ruas, dirigir-se a outro homem
sem tremer, não ter vergonha
de verificar o dinheiro contado
 
com dedos lentos pelo empregado
que foge, suando, rente às fachadas
numa cor eterna de Verão;
 
defender-me, atacar, ter
o mundo diante dos olhos e não
apenas o coração, compreender
 
que poucos conhecem as paixões
em que vivi:
que, não sendo meus irmãos, são, porém,
 
meus irmãos, porque sentem, justamente,
paixões de homens
que, alegres, inconscientes, inteiros,
 
vivem de experiências
que nunca vivi. Maravilhosa e mísera
cidade que me fizeste viver
 
a experiência dessa vida
ignorada: até me fazeres descobrir
o que, em cada um, era o mundo.
 
Uma lua agonizando no silêncio
que dela vive alveja em violentos
clarões, que, miseramente, na terra
 
onde a vida se cala, nas belas avenidas,
nas velhas ruelas, cegam, mas não iluminam,
enquanto, lá em cima, farrapos de nuvens
 
quentes as reflectem até ao infinito.
É a noite mais bela do Verão.
O Trastevere, no seu cheiro a palha
 
de velhos estábulos, a pensões
vazias, ainda não dorme.
Nas esquinas escuras, nas pacatas paredes
 
ecoam rumores encantados.
Homens e rapazes regressam a casa
– sob festões de luzes que são agora o sol –
 
vão para os seus becos, pejados
de escuridão e lixo, naquele passo brando
que mais fundo se cravava na minha alma
 
quando amava realmente, quando realmente
queria compreender.
E, como então, desaparecem, cantando.
 
 
 
pier paolo pasolini
poemas
trad. maria jorge vilar de figueiredo
assírio & alvim
2005

Néscios

 Não haverá jura nossa,

Desejo indefinido que deitemos ao rio,

Nada que nos destrua,

Nem que sirva para que ao olhar,

Tudo se desmorone ainda a tempo de que o tempo pare,

E os relógios cessem das voltas ilusórias que nos tolhem o caminho,...


Argumentando que não há sentido,

Que estaria melhor na estadia dos néscios,

Talvez acertes,

Mas por aí não irei,

Nem irei por lado algum,...


Apenas achei por bom dizer-to,

Antes que me olhes só o suficiente,

Para dizer que mal empregue foi o tempo,

A mim devotado



2021/03/07

Domingo à noite

https://poemaseletras.tumblr.com/post/643307360728809472/monstros-s%C3%A3o-reais-e-fantasmas-tamb%C3%A9m-eles-vivem

Referência

 Continua tão perturbante e desafiante

como antes,

olhos irrequietos,

mãos postas em prece,

como acomodação ao desejo de nunca se acomodar,...


aloja a precisão distinta do retorno,

nos mais qualquer coisa de todos

os dias,

sempre convidativos,

a mais um recato,

às discrições e descrições

de felicidade,...


concordei com a frase

dita,

tanto que aqui descrevo

o que penso




2021/03/06

Homem desconstruido

 Insistia em ser estranho,

Vestia todas as roupas possíveis para que só o pudessem considerar anacrónico,

Fora de tempo, 

Enraivecido até com os pormenores macabros de uma história por contar, 

De um desejo por realizar,... 


Sentado ao sol, 

Achávamos possível que se remodelasse, 

Todas as partes possíveis de uma ideia iriam encaixar bem nesta pessoa, 

Até à razão ser ela própria parte da sua pele,... 


Mas não formou jurisprudencia, 

Nada era regra na sua personalidade, 

Só talvez as vezes com que brindava à memória dos projetos que tivera, 

Deixando-os destruídos 




2021/03/05

Alvéolos

 Perder a respiração,

mesmo com poças de equívocos,

vidros embaciados aqui e ali,

perdidos no trajeto para casa,....


há o frio,

antecede a espera pelo

transporte para a revolta,

as pessoas enroscam-se até,

que o novelo de indefinição seja

tão grande,

e deixe de haver nuvens no céu,

a ponto de custar encher os pulmões 

e lamentar,

estar a chover,

à espera de um sol que

não lê,

o amor




2021/03/04

Reflexo de chumbo

 este não é o único sentido de

vida que conheço,
o que viste em mim aliás,
se sempre o soubeste,
se o meu céu para ti
não mais se abriu o suficiente
para que houvesse luz,
por sobre o que de mau
eu transpareço,
só o reflexo de chumbo das 
mesmas nuvens de sempre,
o curso de água irregular que,
tacitamente,
me definia e fazia repousar em mim
o percurso do nada,...

se eu sou a desilusão conhecida,
o que resta de ilusão desnecessária,
por aprofundar,
deixa-me com este sentido de vida,
procuro sempre conhecer mais



2021/03/03

O sentir

 saiu um dia de casa sem o que mais prezava. O sentir,

Passou por renovações, aprofundamentos,

similitudes com o divino,

tudo num percurso corriqueiro para o mesmo

trabalho de sempre,...


só reparou que se sentia incompleto já

perto da hora do regresso,

voltou triste,

acabrunhado até,

em casa procurou,

declamou o que se recordava,

e não,

da obra que tinha para publicar,

até que o sentir se revelou,...


estava doente,

e escolhera ficar ocultado pelo tecido

da solidão,

sentia-se a morrer



2021/03/02

O que e Gallego e bon

https://manoelt-finisterrae.tumblr.com/post/644350830121811968/ent%C3%B3n-o-meu-coraz%C3%B3n-non-te-co%C3%B1ece-non-te-co%C3%B1ec%C3%ADn

Livro de dúvidas

 


Sou curioso por esses momentos,

Quando fechamos os olhos e o retorno das indecisões todas,

Regressa em ascendentes manifestações de medo,... 


Um medo tranquilo,

Pintado de todas as cores,

Quase como se fosse roupa com que nos vestissemos,

E depois servisse para nos redimirmos com a intensidade possível,

De tanta coisa que fica à porta de casa em cada noite,... 


Não tenho título para um livro estruturado assim, 

Nem sei se é livro ou não 


2021/03/01

Marçando a 4 de Janeiro

 escrevi um texto sobre escrita,

sentia afogar-me neste céu que esbranquiçava

pela perspetiva de um poema,

e o retorno que me era dado soava a conto

opaco,

sem brilho,

anotadas as imperfeições,

era um grito sem dor que

me assolava,....


resisti com a escrita,

e um frio de ossos que me arrastava

para o fundo possível,

da lonjura





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