2008/06/08

Vinte cães


Foi toda uma casa medieval que acordou em uníssono. O sol, geometricamente, escolhia desencabrunhar-se sempre para o mesmo lado, o que gerava o ângulo certo para que aí umas quinze pessoas abrissem os sobrolhos, mais coisa menos coisa, todas ao mesmo tempo. Era uma coisa de esquina, aquele prédio. Com uma pedra sobre pedra intelectual. Apetecia mesmo ler qualquer coisa aos pés daquela porta de puxador.
Minutos depois das sete. Variava, consoante as nuvens se amontoassem lá em cima, e chorassem lágrimas transparentes, ou não. Naquele dia foram segundos depois das sete. Os quinze, qual pêlos de adolescente a pedir para beber cerveja à escondida dos pais, vieram à janela em simultâneo.
Foi outro apelo de geometria que 30 globos oculares ficassem virados, em simultâneo, para um banco de jardim verde. Costumeiro poleiro para pombos, hoje estava branco. O sol abriu mais um pouco, e o branco ganhou formas. Tinha um quico pequeno no topo, e um par de sandálias amarelas. Foi giro um cão zarolho a rodear-lhe as cercanias,....E sim. Era um homem.
Outro homem, o reformado do exército do prédio, saiu à rua. Atravessou a estrada deserta, sentou-se ao lado do homem, e abriu um livro. Era vermelho, mas daquela coisa mesmo tipo sangue. As páginas brancas, tinham umas manchas de tinta preta. Muitas manchas, que de tantas, tornavam o objecto diáfano.
Sete e meia. Hora de uma senhora, que nunca ninguém soube a profissão, regressar ao prédio. Tornar-se-ia a 16ª pessoa do imóvel, mas antes disso sentou-se no banco do jardim. O senhor reformado do exército, ela conhecia. Não falava com ele, porque o homem ressonava mais alto que dois aviões, mas conhecia-o. O homem de branco é que não. Perguntou-lhe quem era. O senhor disse chamar-se Joseph, e que estava a ponderar se haveria de se entregar à polícia.
Oito horas. O senhor tinha um ligeiro sotaque belfo, e reconheceu ter assassinado vinte cães. Pintou-lhes a palavra Ratzinger no focinho, simplesmente porque encostou o táxi com que trabalhava havia um dia, e apeteceu-lhe ofender o mundo.

P.S.: Texto usado em concurso do site http://www.escreva.com/

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