e era o mundo, o rumor do estio com os seus barcos de folhagem entre as pedras e o sol por sobre os muros, a linguagem dos gestos quase imóveis no ardor monótono e sombrio de uma brancura que vencia o tempo e era o ombro e o seio da terra entre o verde e a cinza. Eu procurava e recebia o sopro de um fogo em labirintos áridos e a violência reunia-se num flanco vermelho, companheira que ardia adormecida e se elevava sem sobressaltos à nudez do cimo. Era como se a terra amasse o sonho e com a mão de fogo e a mão de água desenhasse o instante da primeira alegria divina. Eu recebia as formas que se abriam e encerravam em círculos vagarosos de uma matéria pura.
Atravessar uma rua para fugir de casa só um rapaz o faz, mas este homem que vagueia todo o dia pelas ruas já não é um rapaz e não foge de casa. Há no Verão tardes em que até as praças ficam vazias, estendidas ao sol que vai pôr-se, e este homem que chega por uma avenida de árvores inúteis para. Vale a pena ser-se só, para se estar cada vez mais sozinho? Percorrê-las apenas – as praças e as ruas estão vazias. Havia que parar uma mulher e falar-lhe e convencê-la a viverem junto. Doutro modo fala-se sozinho. É por isso que às vezes vem abordar-nos o bêbado nocturno e conta os projectos de toda a vida. Não é certamente ficando à espera na praça deserta que se encontra alguém, mas quem anda pelas ruas de vez em quando para. Se fossem dois, mesmo a andar pelas ruas, a casa seria onde está essa mulher e valeria a pena. De noite a praça volta a ficar deserta e este homem que passa não vê as casas nem as luzes inúteis, já não levanta olhos: sente apenas o empedrado, que outros homens fizeram com mãos calejadas, como são as suas. Não é justo ficar na praça deserta. Anda certamente na rua aquela mulher que, rogada, havia de querer dar uma mão à casa.
III Perto das árvores sob as estrelas olho com orgulho para o céu e sinto que pertenço ao universo. A minha carne é de terra, os olhos são de terra e a minh’ alma, um pássaro sem corpo… mas junto de ti, no meio destas flores de papel perfumadas de música, sinto-me tímido e infeliz, a tropeçar no corpo inútil. E apetece-me não viver, mas apenas existir. Ser uma coisa qualquer esquecida de criar. josé gomes ferreira cabaré 1932 poesia I portugália 1972
Nada se faz sem cigarros opacos, arredondados de forma tosca, aquele apoio que nos desencrava a garganta, e faz a verdade tratar-nos como bens dispensáveis,...
Trouxe também a luz adequada para que falemos, não te peço uma dissertação sobre o sentido da vida, de cartesiano nunca tive nada, só quero saber onde estiveste, como te chamas agora, porque
Se bem me lembro, era tua distração dispores identidades em cima das mesas de refeição, e lá longe a ausência de tempo que nos matava,...
Não faço mal por saber que o bem é inconsequente, nem aqui penso que caiba a reestruturação de todos os erros que colecionámos um dia, à espera que deles viesse uma oportunidade de fama,...
Só interessa agora que trouxe o tabaco, estamos suficientemente longe de tudo para do tempo se fazer uma amálgama de mágoas sobre as quais,
Sem que fossem dois corpos unidos em xis, ou até o dia condenado a uma morte morrida, soavam a desafio de contornos pálidos,
tudo ficaria na mesma se do teu arrasto, da calma que insistia nesse adeus que era só teu, se de tudo isso permanecesse nada, ficasse só eu a escrever irrealidades,