2020/09/30
Inatingivel 2020: Texto #99 (A fechar o mês, o Inatingível tem memória do que já por aqui foi feito)
Tratado poético intemporal
Responde-me com o traço escandalosamente irregular que tens,
Mostra-me o sol,
A irremediável perdição dos desejos estragados,...
Revela-me o possível,
Porque a poesia,
Pelo menos a boa,
Eu já a guardo no bolso quando saio à rua,
Para ver as caras tristes de pessoas,
Que se transfiguram em frutos do mar,
E por ele abaixo vão,
Até serem reabsorvidas pelo núcleo da terra, ...
Para mim boa poesia,
Possivelmente,
Vende-se ao quilo,
No mercado dos vulgares,
E leva-se para casa,
Como que para adiar a morte mais algum tempo
2020/09/29
Prazeres culpados
Sonhos desatados,
Como se as prendas não se dessem,
Antes se escondessem,...
Não se confessam prazeres culpados,
Com traduções à letra,
Antes contornando a questão por fora,
Deixando a razão de uma noite por terminar,
Sem explicação,...
Está assim lembrado este momento sem cor,
Da melhor forma que o entendo,
Como uma história sem culpados,
Sem fim,
Mas com um princípio disforme e monstruoso
2020/09/28
Pele morta
O que me lembro de nós,
Se calhar não cabe em cores desordenadas,
Para to agradecer,
Este mundo terá de perder o sentido,
E recordo-me das últimas vezes que o experimentei,...
Perdi-te,
Tantas e tantas manhãs depois não me ocorria sequer o retorno dos teus sorrisos,
De tudo o que acomodei nestes versos,
Como a idade deixa fugir a mocidade num prenúncio de fealdade da morte,...
A ficar por aqui,
Estes serão os suficientes e recônditos renascimentos,
De tanta coisa que eu já troquei com a minha pele morta
2020/09/27
Checked it...
"Sobretudo não minta a si mesmo. Aquele que escuta a sua própria mentira vai ao ponto de não mais distinguir a verdade, nem em si, nem ao seu redor; perde pois o respeito de si e dos outros."
Dostoiévski
Anotado no barro
2020/09/26
Coisas e por aí
Dentro das coisas há coisas,
E outras coisas dentro
de tudo o que por lá caiu,
Dúvidas houvessem,
É só perceber que tipo
de coisas medimos
com ações incompletas,
As mesmas que nos deixaram os produtores de coisas
que conhecemos,
As mesmas pessoas indecorosas,...
Melhores que o que representamos,
Mas piores que tudo o resto,
Eu só sei destas coisas,
Nenhuma outra festa me alegrou mais do que esta
2020/09/25
Sem desejo
Aprofundada,
Sem desejo por aquilo que a carne consegue,
E o desejo deixou de saber escrever,...
Afiançava uma perdição,
O poder do beijo descomprometido,
Do sexo que se insinua naqueles restolhos de chuva de fim de verão,...
Tudo prometia,
Anotava luz na expectável morosidade do desejo tosco,
E que ela soubesse encarar,...
Mas recusava compaixão,
Haveria de o ter,
Sem que ele soubesse voltar à casa que já foi dos dois
2020/09/24
Censor oficial
2020/09/23
Caminhar espaçado
Optou por seguir aquele caminho para casa,
Não porque era o que mais gostava,
Nem sequer o que encurtava preocupações,
Mas só porque sim,...
Algum dia havia de se mostrar complacente ao menos por uma vez,
Palmilhava pé ante pé,
Sentia que não teria destino se o destino nada quisesse com ele,
Ia só a pensar que tinha uma tradução de Balzac para terminar,
E uma sopa de tomate que tinha de fazer,
Para deixar a si próprio,
Simplesmente por não haver mais ninguém,...
E agora que chovia,
E não havia mais homens de barba na rua a circundar os marcos históricos,
Talvez fosse altura de parar,
Tinha de deixar tudo arrumado para que o fim chegasse
2020/09/22
Parar por qualquer coisa
2020/09/21
Mitologias
2020/09/20
Question mark
2020/09/19
Frase lida agora numa legenda, e que mexeu cá dentro
Proselitismo
2020/09/18
Desabrido
2020/09/17
Fábula da menina que foi buscar vinho ao pai à taberna
Porque é tudo para sempre,
mesmo aquela indisposição de
não nos voltarmos a encontrar,
porque é tudo para sempre
nem sempre assim pareceu,...
havia uma taberna suja e feia,
em que uma menina indefesa e de longas pernas
magras e dessintonizadas,
percorria uma via sacra de medo
refletido no vidro espesso
de uma garrafa vazia,...
e havia a morte em decrescendo deste,
e do que já tinha sido feliz,
e do outro que tem a mulher a morrer,...
tudo é para sempre,
se do sempre descontarmos o que ali
nunca sangrava do chão,
e dali não saía para a rua,
onde basicamente tudo era igual,
sem contar com todas as outras coisas
diferentes,...
tudo é para sempre,
porque ela sabia no regresso a casa,
ter o mais parecido com o sempre
escondido na cor
de sangue que lhe balouçava
entre os braços