2018/08/30

Qualquer coisa às 00h00

Joventino de Jesus era um homem baixo, e descontente com o nome. Todas as manhãs, quando o sol lhe encerava os fartos bigodes só o suficiente para o acordar, achava-se com o centro de gravidade mais próximo da terra. É certo que tinha os pés, ao que parecia, a transformar-se em patas de galinha velha, o que o fazia parecer enterrar-se gradualmente em si próprio. Sentia mesmo a espinha a dobrar-se lentamente em pequenos pedacinhos de jornal, dos que se usam para matar os nervos quando esperamos por qualquer coisa sem sabermos se ela vai realmente chegar. E depois, vestido como quase sempre de calças de fazenda cinzentas, e casaco de malha da mesma cor, que já se tinha habituado a aconchegar a camisa aos quadrados, andava pela rua quase sempre a olhar para cima. As caixas do correio pareciam, a cada manhã, encastradas mais alto na parede do Hall de entrada do prédio. O carteiro, homem atarracado e de cabeleira farta de tal maneira que conseguia estar grisalho das sobrancelhas às têmporas, parecia olhar-lhe de cima para baixo, de soslaio, quase que a pensar que ali estava quase qualquer coisa digna de andar no circo. O homem que encolhia sem que ninguém soubesse explicar.
E havia a raiva que sentia do próprio nome. A mãe, senhora temente a Deus e que, no meio de uma educação cheia de lugares comuns e metáforas redutoras, o tinha ensinado a pensar que as melhores coisas da vida estão nos intervalos de um prato de sopa, nunca lhe tinha explicado porque o decidira chamar joventino. O de Jesus percebia-se, apelido de família vindo do avô materno, já que era filho de pai incógnito. O tio do Brasil, que morrera afogado na baia de Guanabara, no Rio de Janeiro, quando tentava alcançar terra de um salto após ter ajudado a carregar um navio com bananas para lisboa, explicara-lhe que só tinha de se sentir feliz porque ser de Jesus, significava que se tinham garantidas noites tranquilas de sono, com a consciência tranquila. Agora joventino,...
Pensou várias vezes em mudar. José sabia-lhe a caldo verde, que adorava. Manuel não lhe agradava muito, mas podia ser um recurso. António, achava um nome redondo, cheio de som de fado dentro. Agradava-lhe. Também não desgostava de carlos. Soava a espanholada, e adorava flamenco para se sentir mais confiante. Mas nunca aconteceu mudar. Por duas ou três vezes faltara-lhe a coragem. 

3 comentários:

Acha disto que....