2018/08/14

Os sonhos não sabem desenhar

Diziam-me dos sonhos que eles não podiam desenhar. Só se sabiam exprimir por gestos limitados, quase como se fossem crianças a aprender a agarrar o mundo quando o mundo ainda nem sequer se apercebeu delas. E escolhi entendê-los, aos sonhos, como sempre percebi as estrelas:
como pequenos picotados que as pessoas que dormem acordadas destacam, e levam para casa para mergulhar em soluções de água com açúcar, fazendo-as florescer em filhos e filhas. Ou por outras palavras, garantes de imortalidade teórica.
Isto já aconteceu há uns anos, esta forma de ver o real. A vida passou por mim quase como se nada disto contasse para nada. Nunca o partilhei com ninguém. Tive filhos a nascer nas cozinhas que fui tendo, quase como botões de rosa que aparecem na primavera já com a educação assegurada, e morrem primeiro que nós sem que nós nos apercebamos de que eles são, na realidade, livros que nós lemos e optamos por deixar a meio para que outros, mais tarde, encontrem a maneira segura de se sentirem felizes com os finais incertos que dali surgem.
Enquanto escrevo isto sinto o meu corpo a definhar. Durmo pouco, como só o pão de todos os dias que sempre conheci. Leio nada mais que as caras das pessoas, todas as manhãs, quando propositadamente deslizo como o vento por entre tudo só para ver que nunca me enganei nas idiossincrasias empacotadas que me convenceram do fim dos tempos ainda antes que se saiba que ele vai chegar.
Mas de uma coisa continuo convencido: os sonhos não sabem desenhar. Refletir, talvez...


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