2018/11/28

Breve esboço de amor em fim do mundo

servia para conter a raiva. Dizer a si mesmo que as noites são,quase,sempre menos frutuosas que os dias. E por isso decidira chamar-se todas as coisas, uma por dia. Abdicara da identidade. De sentir que tinha um esqueleto, dois corações, um para a vida e outro apodrecido, para a morte. Preferia sentir o ar queimado a desvanecer-se pelos seios respiratórios a dentro, falseando o sentido de ter um norte. De querer, infrutiferamente, amanhecer uma qualquer ideia quando lá fora nada mais há do que trevas a desenhar olhos que choram no céu.
Tudo estava escrito a seco, nas paredes daquela casa encostada a uma falésia que o mar ia carcomendo. A solidão almoçava com ele, recusava deitar-se consigo na mesma cama, mas passeava de mão dada com ele nos breves momentos que a chuva ácida do fim dos tempos permitia ao sentir nada, à normalidade ...
As coisas mudaram talvez porque tinham de mudar. Um dia, sentado de pernas cruzadas, a meditar sobre o que é certo e incerto, ouviu uma voz que subia pela sua pele acima. Percebeu que era algo sobre o caminho para a civilização, para um sitio onde ainda poderiam haver pessoas que sorrissem, capazes de partilhar uma ideia inocente e dissolvida nas paredes do tempo, chamada amor.
Ela sorria só o suficiente para não chorar, e parecia ter esquecido de como dissecar o choro. Os seus olhos de tez amarelecida, que ao mesmo tempo equilibravam uma existência de séculos, com a juventude eterna do querer bem, perguntavam-lhe todos os enigmas do mundo.
Ele, que se tinha esquecido de falar, de tentar ser feliz....


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