2018/05/22

Operário despedido

Já sabia como ia ser despedido . O relógio, vagarosamente, ia marcar as três da tarde com três gongos semelhantes ao ko Tecnico de um combate de antigamente do coliseu dos recreios. Vestido com o macacão azul, ruçado, e ratado nas mangas e nos tornozelos, batia na porta de mogno do gabinete do engenheiro, e ouvia uma voz cavernosa, de cinco uísques seguidos:
-entre e depressa.
O dia estava chuvoso, por isso o cubículo, com uma bandeira nacional na parede frontal à porta, e um quadro do menino da lágrima que tremia a cada dois passos no chão de tacos, ia estar pintado de um daqueles cinzentos que daria vontade de chorar.
À ordem para se sentar, respondia com um silêncio de quem já sabia como iria dormir a noite seguinte.
Começava com uma palmadinha nas costas simulada, com um gosto muito do seu trabalho, e já cá está há muitos anos.
E depois vinha a parte do já não precisamos de si. Por essa altura já não devia estar a ouvir nada, só talvez o casal de gaios que gostavam de dar uma pinocada em cima do Salgueiro velho plantado à entrada da empresa, e que faziam sempre uma algazarra enorme.
Ia vir-lhe à memória os cinquenta e tal anos, a mulher desempregada e com a doença malvada a precisar de tratamento, o rapaz sem cabeça para a escola e que ainda não tinha trabalho porque preferia ficar fechado no quarto de manhã à noite a fazer coisas que se calhar será melhor o pai não saber.
-espero que entenda esta nossa decisão . É a bem da empresa.
Estenderia a mão como um manequim da loja de roupas da rua do ouro, e sairia derrotado, acabrunhado, sem cor nas veias, e a fazer as contas para o último dia com o coração a apertar, e a ficar -se debaixo das lágrimas da mulher e da inação do rapaz que ia perceber aí que teria de se transformar no homem que sempre tinha tido medo de ser.

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