2022/04/21

Ideia politica

Disseram-me o suficiente para acreditar que a razão, o que nos resta de derrotas e derrotas a fio desta rotina que nos absorve, vem sempre acinzentada. Incapaz de servir para explicar a forma como nos alimentamos. Como dormimos. Como regurgitamos a forma de odiar os outros, e isso volta sempre para nos amestrar os poucos sentimentos que restam intactos pelo semelhante.
Sentado a escrever, o que se via era só um pouco da cidade que recordava. Ao longe, o Cristo-Rei já tinha deixado de me abraçar. Conseguia perceber um pouco das virtudes que Lisboa me tinha sempre conseguido deixar. A volúpia, com dose certa. O amor pelas desditas do prazer, escondido para que os outros não fizessem parar o tempo em meu redor. E principalmente, acima de tudo, um ódio profundo, mas tão devastador, assassino até, pela Poesia. Essa arte que nos segue, pegada à pele, e que aperfeiçoa a sua vertente recalcitrante na vida assustadora das pessoas que a seguem. Eu desenvolvi esse ódio, com a vontade de o escalpelizar, escrevendo. Uma, duas vezes, deitei-me numa praia de fantasmas. Mais vezes, senti-me uma vertente independente de um riso de amor. Por fim, acho que a última tentativa, espraiei-a sobre um quarto onde suspirei pelos cheiros femininos que ali se complementavam, sem nunca se tocarem.
A ideia continuava a estar na casa. Mas pouco já dela restava nos braços enrugados e devastados da quietude que me restava. 



15 comentários:

  1. ... um ódio profundo, mas tão devastador, assassino até, pela Poesia...
    Uma confissão.

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  2. É sempre bom
    vir ler aqui.
    Como sabe aprecio
    ler e pensar.
    Bjins
    Catiaho Alc.😍💖

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  3. Um poeta encurralado?
    Em qualquer caso, um excelente texto. Para ler e reler.
    Continuação de boa semana, caro Miguel.
    Abraço.

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    Respostas
    1. Obrigado jaime.
      Ja fiz melhor, eu sei
      Foi o quw se arranjou
      🙂

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  4. Li e...fico em silêncio para não escrever "asneira", lol
    .
    Cumprimentos poéticos..
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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  5. É preciso escrever - exorcizar esses fantasmas que nos assombram os caminhos.

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Acha disto que....