2020/07/24

Conto raso

Uma noite que sentia como aqueles adesivos incómodos que se punha antigamente, antes de se ir para a praia. O sol ia descansar no horizonte, e a pele estava normal.
 Os primeiros urros de coruja, as que são meio de cidade meio de campo descrito num conto atravessado de alentejano, com a planura do escuro a assentar, e a pele já tapada com aquele picotado. Diziam que era para que respirasse, mas sentia-se sempre um sufoco a vestir-se por nós dentro, quase como se de um casaco dos nossos velhos estivéssemos a falar.
E os olhos semi cerravam. Como se fosse o convite que recusava. Como se a minha mãe ainda chamasse para ir tomar banho, e eu a começar a pensar que gostava de poder sair ainda mais sujo do que estava. E ouvi-la, ainda tão presente, a dizer-me para despachar. Porque havia pessoas à espera, porque o meu pai devia estar a chegar do trabalho, e havia um jantar para comer. E sentir-se a mais, com uma pele a começar a borbulhar. O passado pesa tanto nestas ocasiões. Pesa o que se espera dele, e o que haverá de crescer por entre os espaços que ele deixa.


4 comentários:

  1. Também me recordo dos adesivos nas costas. As nossas memórias de vez em quando aí estão.
    Bom Dia

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  2. Respostas
    1. Obrigado pela presença, Isabel.
      É sempre um prazer.
      Obrigado.

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Acha disto que....