2018/09/16

Cadeira de balouço

A gola de renda estava conforme lhe tinham sempre ensinado. Branca, a assentar sobre o pescoço, sem tocar nos ombros. Os folhos pareciam pétalas de girassol, mas um girassol morto, já esbranquiçado pela infeção de anos a fio a dançar sozinho com a tortura do vento. Os cabelos alourados assentavam como palha num campo alentejano em cima daquele objeto do amor de sua mãe. As mãos assentavam em cruz, em cima do colo. O vestido azul claro, cor de mar quando amanhece, dava um ar de pintura renascentista aquela sala. Sorria, ao fitar a parede branca, ao mesmo tempo que, de quando em vez, assentava a nuca numa almofada castanha da cadeira de balouço, que se deixava ir num bailado frio, e desconexo.
Mas que não saía de tom naquela sala, perdida no fundo de uma cidade adormecida, ao som da banda sonora do passar dos dias. Lembrava-se disso, e também se lembrava do que podia ser a sua vida caso, no outro lado do mundo, houvesse um coração que batesse ao mesmo ritmo que o seu. Escrevesse os mesmos versos sem sentido, e que se recusavam a rimar. E ouvisse uma música inconstante, da mesma forma que tudo em si era inconstante.
Odiava ter de frisar as coisas na vida conforme lhe tinham sempre ensinado. Mas um dia tudo ia acabar. Até lá, que se deixasse balouçar com a gola de renda imóvel.


8 comentários:

  1. "Lembrava-se disso, e também se lembrava do que podia ser a sua vida caso, no outro lado do mundo, houvesse um coração que batesse ao mesmo ritmo que o seu."

    Esta citação é só brutal! Fez-me lembrar quando uma pessoa pensa que na vida não irá encontrar o dito "amor para a vida"

    Brutal mais uma vez continua!

    www.mygentlemanside.com

    ResponderEliminar
  2. Parabéns, por mais um fantástico texto!

    Confesso que, ler e ouvir a música ao mesmo tempo me comoveu. Trouce-me uma certa nostalgia.

    Maravilhoso.

    Não deixe de partilhar os seus textos connosco

    Beijinhos
    www.aalfacinha.com

    ResponderEliminar
  3. Obrigado A Alfacinha por mais um comentário:-)
    E pelo elogio também:-)

    ResponderEliminar
  4. "Mas um dia tudo ia acabar. Até lá, que se deixasse balouçar com a gola de renda imóvel." Mais um texto incrível, esse trecho em questão me fez pensar bastante, sem falar que é uma conexão direta com todas as outras facetas do texto em si. Obrigada <3

    ResponderEliminar
  5. Comoveu-me imenso, recordei-me instantaneamente da minha avó paterna e da sua casa de bonecas, humilde e cinzenta, onde passei muitas férias de verão. Só um texto muito bem escrito nos dá estes momentos. Obrigada!

    ResponderEliminar

Acha disto que....