A sopa sabia mal. Além de insonsa, tinha dois pedaços irregulares de chouriço a boiar num pequeno rio alaranjado, onde nadavam amálgamas verdes que imitavam os desperdícios radioativos do Tejo, que os lisboetas tomam como algas.
Ainda pediu o sal, que veio num frasco transparente, com um fundo cheio de verdete, e que parecia bailar em cima da mesa que tinha os pés assustadoramente assimétricos .
Deu duas colheradas, e socorreu-se do copo de três que repousava nos limites do toalhete encardido, quase a despedaçar-se no chão, mas que ainda servia para que aquele antro guardasse um restolho de dignidade.
Ao seu lado, um velhote que parecia mais entrado do que devia ser fitava a parede amarelada da sala. Tinha uns óculos de armação de massa, bem preta, que envolviam daquelas lentes que pareciam o entardecer: meio claras e meio escuras. Ainda lhe escapava o olhar para a barba de três dias que o outro tinha, e que só servia para lhe dar um ar de campo minado a um rosto quadrado, e que denotava um talento para a música quiçá nunca aproveitado.
Eram duas da tarde, por aí. Faltava já o apetite para continuar ali. Fez escorregar a mão direita para o bolso das calças de sarja, e tirou um lenço dobrado em seis. De um gesto fê-lo desabrochar, e encostou-o às duas narinas obstruídas por uma primavera que dava uns sinais de vida naqueles pontinhos sem cor com que sempre se anunciava, e que pareciam dançar ao som dos escapes do bulício da baixa por volto da hora de almoço, quando o calor já amornava as rotinas.
Pediu a conta. Tinha mais fome, mas só pensou em sair dali. Deixou uma nota encardida, e com um pequeno rasgão ao meio, em cima da mesa, e saiu. Franziu os olhos com o sol de início de tarde . A cabeça pedia Protecao, e por isso tapou-a com uma boina que guardava do avô, que tinha vindo das beiras para morrer em lisboa como homem falhado, e começou a subir a rua. Estava atrasado para um encontro importante...
Ainda pediu o sal, que veio num frasco transparente, com um fundo cheio de verdete, e que parecia bailar em cima da mesa que tinha os pés assustadoramente assimétricos .
Deu duas colheradas, e socorreu-se do copo de três que repousava nos limites do toalhete encardido, quase a despedaçar-se no chão, mas que ainda servia para que aquele antro guardasse um restolho de dignidade.
Ao seu lado, um velhote que parecia mais entrado do que devia ser fitava a parede amarelada da sala. Tinha uns óculos de armação de massa, bem preta, que envolviam daquelas lentes que pareciam o entardecer: meio claras e meio escuras. Ainda lhe escapava o olhar para a barba de três dias que o outro tinha, e que só servia para lhe dar um ar de campo minado a um rosto quadrado, e que denotava um talento para a música quiçá nunca aproveitado.
Eram duas da tarde, por aí. Faltava já o apetite para continuar ali. Fez escorregar a mão direita para o bolso das calças de sarja, e tirou um lenço dobrado em seis. De um gesto fê-lo desabrochar, e encostou-o às duas narinas obstruídas por uma primavera que dava uns sinais de vida naqueles pontinhos sem cor com que sempre se anunciava, e que pareciam dançar ao som dos escapes do bulício da baixa por volto da hora de almoço, quando o calor já amornava as rotinas.
Pediu a conta. Tinha mais fome, mas só pensou em sair dali. Deixou uma nota encardida, e com um pequeno rasgão ao meio, em cima da mesa, e saiu. Franziu os olhos com o sol de início de tarde . A cabeça pedia Protecao, e por isso tapou-a com uma boina que guardava do avô, que tinha vindo das beiras para morrer em lisboa como homem falhado, e começou a subir a rua. Estava atrasado para um encontro importante...
Muito bom. Gostei da comparação da sopa com o rio Tejo.
ResponderEliminarCumprimentos Os Piruças
Obrigado os piruças pelo comentario e visita
ResponderEliminar😁
Muito bom! A vida e suas rotinas. Porém, o encontro parecia ser uma saída para esta rotina. Gostei das palavras proferidas no seu texto, nos faz pensar a cada trecho.
ResponderEliminarGostei do texto, bem diferente, comecei lendo sem saber o que encontraria.
ResponderEliminarObrigado a ambos Jonas e isabella
ResponderEliminarGrato pelas visitas
Texto super bem escrito e muito reflexivo. Parabéns pelo trabalho.
ResponderEliminarGanhou uma fã
Obrigado luciane
ResponderEliminar:)
Texto interessantíssimo, adorei as analogias, e a forma até poética com que descrevestes algumas coisas rotineiras <3
ResponderEliminarObrigado raquel, pela visita e comentário
ResponderEliminar:)
Olá, tudo bem?
ResponderEliminarAdoro textos que retratam uma rotina comum e a transforma através de nossos olhos. Simplesmente incrível a forma como descreveu todos os passos, me identifiquei com tudo.
Beijos!
Obrigado alice😁
ResponderEliminarAgradeço pelo comentário
Olá! Gostei de como montou o seu texto, fiquei pensando em pessoas do interior. Não sei bem porque, mas é que me lembrou minhas férias infantis, quando ia para o interior do Espírito Santo. A parte do lenço, também fez com que eu me identificasse de certa forma com o texto. E torço para que o encontro importante seja com a vida, viver mais. Parabéns pelo texto. Beijos
ResponderEliminarhttps://almde50tons.wordpress.com/
Obrigado raissa pela visita
ResponderEliminar:)
Gostei imenso da tua escrita, tão fluida e repleta de imagens fortes. O corte feito na saída do personagem me deu a impressão de se tratar de um texto maior (um conto? uma novela? um romance?). O Pessoa/Caeiro no fim deixou uma nostalgia de primavera (aliás, primavera que se iniciou anteontem cá no hemisfério sul). Sinto que preciso voltar aqui mais vezes... Foi grande a afinidade que senti, com referências tão próximas.
ResponderEliminar(Aliás, vi seu livro aqui do lado à venda e te pergunto: pedidos daqui do Brasil também podem ser feitos?)
Abraços
Ensaio Aberto | Teofilo Tostes
Olá Teofilo. Muito obrigado pela visita e incentivo.:)
ResponderEliminarSim o corte no fim foi um convite à continuação.
Assim eu tenha criatividade:)
Encomendas podem ser feitas sim.
Terei maior gosto em enviar um livro.
Quer?
Abraço