2018/07/02

Still to be continued

-O senhor quer morrer hoje?
À atoarda nem respondi. Estava mais com pressa de sair dali, e chegar a casa, do que dar conversa a quem não merecia. Mas ela continuou. Continuava a cacimbar, e já sentia os ossos a engilharem, como sempre acontece quando não quero enfrentar as situações.
-Só tinha era de sair da frente para eu passar!!!
A paciência mirrava-se-me a olhos vistos, e consegui, mesmo assim, levantar uma das mãos, e assentar-lhe no ombro. Acho que nada disse, mas a velha não retorquia também. Nem recuava um palmo que fosse. Aliás, até calcou os pés no chão. Trazia tipo umas redes calçadas, pretas e brancas, que por esta altura já estavam todas ensopadas em lama.
Achei que pelo menos um com licença ela me merecia. Mas continuou a falar. Tirou um livro pequeno, quase minúsculo, de capa acastanhada. Atirou-mo aos calcanhares, e disse que eu não merecia o chão que pisava. Peguei naquela amálgama de papel, ratada nas pontas, e vi que parecia um rol de mercearia. Folheei uma ou outra coisa, enquanto a velha não parava de ruminar qualquer coisa que eu nunca, e em qualquer momento, entendi.
Quando me pareceu razoável virar-lhe costas, só me saiu da garganta:
- Se a senhora não tem mais nada a fazer, tenho eu. Boa tarde.
Parou de chover. Galguei uns dez passos de lama, atravancada por uns pedregulhos que pareciam lontras a boiar num rio todo sujo de óleo.
Depois calquei a calçada de basalto, sem mais olhar para trás.
Sem ver, ouvi, ou pareceu-me ouvir, que a velha tinha reentrado no pechisbeque, e arrancado....

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