2024/12/31
2024/12/30
Enviezado
2024/12/29
Ávido de mudar
Era esperado sempre à mesma hora,
Vindo pelo mesmo sitio,
Com um aspeto monótono,
Mais monocordico que ritmado,...
Era desconfiado e gerava desconfiança,
Porque o homem das esperanças vãs,
Das desilusões constantes,
O homem frágil mas forte nos silêncios,
Escrevia transparente,...
Dizia o que preciso fosse,
Com a expressão inesperada de uma virtude,...
E assim continuava,
Ávido de mudar,
Mas a saber que as pessoas referem primeiro o mau,
Enquanto desenham ofensas com os braços
Tirado daqui
2024/12/28
Era lá que gostava de andar
O desesperado da sala,
Quem se arrastava sempre entre os solsticios do tempo,
À espera não sei de quê e do que viesse por bem,
Anunciava que estava um pouco acima dos pássaros,...
Era lá que gostava de andar,
Onde as encostas das montanhas são cor de desejo,
E o valor dos sonhos descia vertiginosamente até ao real das pessoas,....
E era por isso um senhor à frente dos desesperos da vida,
Estava bem assim e nada nunca o iria fazer mudar
Tirado daqui2024/12/27
Evolução do envelhecer
Teve 20 anos num sítio,
a maturidade noutro,
Um inicio de velhice por onde desse,
E o declinio de todos os dias,....
Leu os livros que precisou,
A música esqueceu-se dele,
Da mesma forma que o tinha encontrado,....
Foi o benquerer que mais ajudou,
Acompanhava-o nos sonhos,
Dizia-lhe as verdades por cima do jogo das mentiras,....
E quando o fim fez por chegar,
Encontrou-se na contracapa de todos os livros que leu,
Insinuou-se numa metáfora,
Fez amor com as reticências,
E o último suspiro,....
Não é encontrado nesta reflexão
Tirado daqui2024/12/26
...as costas das mãos
Tirado daqui
2024/12/25
Qualquer coisa de natal escrita num comboio...
Não era culpa minha que as desilusões tivessem de ser deixadas à porta neste dia. Cheguei sozinho. A roupa estava apertada, desconfortável de uma forma quase medieval. O frio afagava-me o rosto, em intervalos curtos, psicoticos. Disseram-me que aquele sitio estaria cheio de gente, e que eu seria só mais um anónimo, capaz de deixar o tal de natal à porta, e confundir-me no meio de mais uma multidão, como as tantas em que ultimamente me achei imiscuido. Mas não. Era um edifício alto, imponente. Com arcos medievais, e onde as únicas formas de vida pendiam dos voos difusos de pássaros que, como eu, se incomodavam com a crueldade dos elementos. Anoitecia. Olhei para trás, e o sol já era um com a linha do horizonte. Pensei nos outros sítios todos onde poderia estar. A ouvir o barulho infernal de bairros iluminados por reuniões anónimas de amor e familiaridade, que se repetiam em loop, ano após ano. Ou sozinho em casa, a olhar para um prato de comida. A desenhar círculos intermináveis com os meus olhos. Mas estava ali. A fazer não sei o quê....
2024/12/24
2024/12/23
...estendal de roupa
A vida é como um estendal de roupa,
Com pedaços de pele estendidos ao dissabor do vento,...
E há contrições de jugulares envelhecidas,
Chuva imprecisa que tenta esconder o que nós não sabemos,...
E quem observa,
Indigna-se,...
Acha que os segredos são cabotinos,
Talvez próprios para tamborilarem ao vento,
Mas nunca de forma desonesta,
Como um convite à devassa e à normalização do pecado,...
A normalidade vem quando a mulher do anonimato chega,
Final da tarde instalado,
E desapossa a intenção da possessão pública,....
Só depois regressa o silêncio despretensioso e simples da noite
Tirado daqui2024/12/22
Dinheiro de ontem
o suicídio das palavras,
cenas e cenas de silêncios,
ocultas em risos vazios e absurdos,...
o dinheiro de hoje,
usado ontem,
e que pesa verdades
alarmantes,
e quase de sangue,....
está aqui,
notas de desígnios frios,
moedas antigas,
morriam iludidas,...
tanto e tanto dinheiro,
útil só ao
anoitecer
2024/12/21
Um cão a rondar o amor...
É nosso, não é de ninguém,
A vitória cozinha-se com dúvidas,
Um cão a rondar o amor,
Partirmos de onde nunca tivemos lugar,....
Mentir fabrica-se com o azedo da verdade,
E ser assim custa menos,
Dói menos,...
Anula a razão e faz da mentira a perna curta do caminho que nos há-de faltar,....
E só é pequenino quem quer,
Falar assim é uma insignia invisível de grandeza,...
Para que a razão,
A desordeira razão,
A que fica sempre para o fim nos pardieiros mais infetos,
Seja expulsa a pontapé,
E nos deixe com o silêncio da pobreza alegre a que nos devotamos
Caroline Hohenrath, acrílico sobre tela
2024/12/20
Assomada à janela,...
E um mundo descolava-se do escuro,
Pessoas novas,
Razões para a alegria,
Passos certos mesmo que para caminhos errados,....
E ela era a razão de tudo,
Assomada à janela,
Reconhecida pela luz e pela sombra,
E a guardar um segredo único,....
Era um personagem ficcional,
Escrita não se sabe quando,
E que À noite se desmaterializava,
E dormia
Em livros ao acaso
Tirado daquiIlustração de Casper David Friedrich
2024/12/19
Fui, deixando de ser
fui uma televisão,
a sobriedade da tua pele,
um prato de comida
resplandecente de outros tempos,....
fui a atração da praça cívica,
o homem que se arrasta
em música infinda,
fui a parte sóbria de uma tragédia,...
fui tanta coisa,
e agora o silêncio,
ondas e ondas de
virtude silenciosa,....
para ser nada,
e ainda assim feliz
2024/12/18
Fixava o caminho peremptoriamente...
Ela subia a rua sempre da mesma forma. Como dizem os mais velhos, tal e qual alguém lhe devesse alguma coisa, e ninguém quisesse pagar. Fixava o caminho peremptoriamente, ignorando olhares de qualquer teor. Os cabelos cacheados, de um negro irrepreensivel, funcionavam como um rasto de culpa não assumida. Preferia os caminhos ascendentes, porque lhe davam a classe que ela achava dissolver no ar como um aerossol que infetasse as pessoas. Ninguém a tinha ensinado a ser assim. Ela aprendera com as hesitações, os amores mal terminados, e principalmente com a vontade inexcedivel de se sentir bem consigo própria, ao achar que os outros pensavam bem de si. E fazia-o todos os dias sem olhar para trás, sem pensar no que os outros observavam ou achavam ver no seu caminho, e no rasto que ia deixando. Seguia de queixo levantado, bracos esticados ao longo do corpo, mala herança da mãe segura com firmeza. E palavras mudas. Muitas palavras mudas que ia deixando pelo caminho.
Tirado daqui2024/12/17
A volatilidade de como és...
Não és só tu,
Nem a roupa espalhada da entrada ao quarto,...
Há uma musica intemporal que acossa os espíritos acomodados,
Os que aqui se arrastam sem destino,
Como guardiões dos desejos libertados outrora,....
Revejo-te como te encontrei no dia da revolução do nosso país,
Completa,...
Desejosa de mudança e reconhecimento,
A volatilidade de como és,
De como sempre foste,
Transposta para uma folha branca,....
Será a minha ultima herança dos tempos de ilusão,
Que aqui vivi e agora deixo para trás
2024/12/16
Um simples prato sem formas
Era um prato de comida,
Um simples prato sem formas,
Já se tinha partido pois esboçava um sorriso artificial,....
Eram dois copos meio cheios de zurrapa,
Desconhecia-se quem estava à mesa,
Pois o tempo parecia deslizar naquele espaço em forma de funil,....
São três dedos deformados que amparam uma caneta prestes a secar,
Os que à falta de melhor cenário,
Descrevem o óbvio e o simples de assimilar
Tirado daquiTarascon, França
Henri Cartier-Bresson, 1959
2024/12/15
sou eu mesmo do que já fui do que quero ser
já nada direi,
desfilam-me verões
passados nos rebordos
dos olhos marejados,
com memórias inofensivas
de um mal que nem
conseguia existir,....
sou eu mesmo do que
já fui do que quero ser,
sempre incoerente,
com coletes rasgados de pele,
a cobrir um corpo com
cheiro de terra molhada,....
reconheço que a voz sumiu,
mas a presença é de
um barco,
resistente
à frase destruidora do mar
2024/12/14
a pobreza
e o desejo que deixam
ao entrarem,
desacompanhadas,
no dealbar de um poema
despido de formas e suores,....
a escuridão confirmada,
as notas abandonadas
no percurso de todos os dias,....
e a pobreza,
grito a pobreza,
enquanto quem sobrevoa
me olha,
taciturno,
do alto da noite
sem contornos
2024/12/13
E não aos solavancos,...
Havendo vontade tudo se consegue,
Em resumo era como o cidadão que se dirigia,
A pagar a quota política se sentia,
Resignado,
De braços projetados para a frente,....
O intuito era que se visse uma ideia de decisão,
E deixar os olhos onde quer que fosse,...
Na realidade só queria que tudo aquilo passasse,
E não houvesse mais necessidade de mostrar compromissos com nada no mundo,....
Era uma herança que tinha recebido dos homens mais velhos da família,
A de se comprometer com uma causa que já não acreditava,....
Aquilo ia acabar,
Um dia,
Talvez quando o mundo mudasse de vez,
E não aos solavancos como parecia estar a acontecer
Tirado daqui2024/12/12
Herança dos mais velhos
Havendo vontade tudo se consegue,
Em resumo era como o cidadão que se dirigia,
A pagar a quota política se sentia,
Resignado,
De braços projetados para a frente,....
O intuito era que se visse uma ideia de decisão,
E deixar os olhos onde quer que fosse,...
Na realidade só queria que tudo aquilo passasse,
E não houvesse mais necessidade de mostrar compromissos com nada no mundo,....
Era uma herança que tinha recebido dos homens mais velhos da família,
A de se comprometer com uma causa que já não acreditava,....
Aquilo ia acabar,
Um dia,
Talvez quando o mundo mudasse de vez,
E não aos solavancos como parecia estar a acontecer
Tirado daquiCaroline Hohenrath
Acrílico sobre tela
2024/12/11
Um defunto que acorda..
Ali, está ali,
Não percebes que é diferente de ser aqui,...
a pergunta,
Um país,
Pessoas que se atropelam a fugir sabe-se lá de quê,
Um defunto que acorda para voltar a adormecer,...
Tudo pesa pouco menos que um suspiro,
É volátil,
Pobrezinho,
Pesa pouco,
Impede-nos de perceber onde estamos,...
E se houver alusão à loucura,
Perceberás que nunca será aqui onde poderão estar as coisas que interessam,
Mas mais adiante,...
Onde,
Não sei
Rjukan, Noruega, 1911
Foto de Anders Beer Wilse.
2024/12/10
De fazer números com letras,..
Acusam-me de roubar sonhos,
Das piores coisas que o acaso traz,....
De não conhecer sentimentos,
De fazer números com letras,
E frases ao acaso com os pontapés no ar que somo com devaneios,...
Acusem sem me conhecer,
Mostra a precisão dos vossos dias,
E dá vantagem inútil aos meus,...
Continuem com os falsos pressupostos,
Que eu organizo-me em fogo para me auto consumir,...
Assim tem de ser,
Há muito que estou convencido
Tirado daquiFoto de: Delfi Carmona
2024/12/09
...se fosse inventado
Eu se fosse inventado,
de ter palavras,
desejos,
teorias esdrúxulas de criadores falidos,…
se fosse inventado,
a noite falhava-me como a corrente,
e era Natal intermitente por um
período ilusório de vida,…
seria o sem registo,
a pessoa dos braços caídos,
pernas esticadas,
e ideias falidas como os elétrodos cerebrais
de um morto vivo,…
e não haveria conclusão,
só rodapés avulsos de raiva,
que ninguém explica em conveniência
2024/12/08
As reticências deste pensar..
O meu manto,
A minha defesa,
O que me cobre do rastejar da noite,
Tem gatos a passear em cima,...
Não vejo novidade,
É sempre o silêncio que me dita o pensamento,
Mas está cá tudo,...
As reticências deste pensar,
Que é perigoso
Tirado daqui2024/12/07
...dor ofegante no peito
Via-se com o tempo,
Que dos pássaros habituais que se agarravam nos fios elétricos,Sobrava quem ao passar nunca neles tinha reparado,....
Era tudo um acrónimo da expressão caminho certo,
para o imperdoável,...
Quem passava era sempre inocente,
Enfeitiçado,
Até que passei eu com uma dor ofegante no peito,...
Com o tempo nada ia sobrando,
Alguém anotava pequenas palavras num caderno vazio,
Para que estes momentos se regravassem aos olhos de quem no futuro viesse
2024/12/06
O pingo de sangue
2024/12/05
A loucura não se serve fria...
Não duvides de mim,
Se te escrevo enfurecido,
É porque já chorei,
E há uma,
várias garrafas de álcool atrás do meu caminho,....
É tarde,
A loucura não se serve fria,
Tem de aquecer,...
Mesmo que os corpos estejam nus,
E seja inverno rigoroso e impessoal lá fora,....
Remexo nos bolsos vazios com não sei o quê como vontade,...
Há uma vacina algures se acordar,
Mas não sei de ti,
E continua a contar como novidade,
Aquela dor específica num coração vazio
Poster do filme Invaders from Mars, de 1953
2024/12/04
Ideias sobre o horror
Onde foi o horror buscar as tranças de menina,
Os pés de pressa e o corpo de brandura,....
Como fala o horror se o medo não tem boca,
E as verdades das pessoas são ínfimas em desespero,....
O horror conhece-se pelas costas,
Há água onde passa,
E cheiro putrido,
Numa mistura de raiva com contentamento,...
O horror,
Se calhar dorme de olhos abertos aos meus pés,
E não há luz que me socorra de quando ele se apaixona,...
E a perspetiva do meu corpo passa a ser a transparência,
Com um leve zunir irrelevante
Tirado daquilaura makabresku
2024/12/03
Teoria sobre os cães
Um dia disseram-me que os cães entendem a desilusão. Abeiram-se da pessoa, inevitavelmente da pessoa que mais fraqueza denote, e cheiram as extremidades. Páram fixos a olhar nos olhos, porque é sempre nos olhos que estão as fraquezas. E condescendem. Condescendem tanto a ponto de nos começarem a ver como iguais. Lambem as mãos. Deitam-se sobre os pés, achando assim que consolam aquele ser com o qual se deparam, e que precisa mais de afeto do que eles estão a necessitar naquele momento. Recordo-me de quem me explicou isso. Era um velhote que nunca tinha visto. Parecia alienado, sentado num banco de um parque público. Com a mão direita sobre uma garrafa de cerveja quase vazia, e a outra gesticulando de uma forma contemporalizadora. Gostei dele. Sentei-me a seu lado, e falou-me sempre sobre animais. Disse que tinha abraçado a vida há muitos anos, e que os pássaros voam rasos quando estão para morrer. E que há muita sabedoria na quietude e mudança de comportamento dos gatos. Eles conhecem-nos melhor quando se afeiçoam, do que nos conhecemos a nós próprios. Escutei-o com atenção até anoitecer. A conversa terminou quando um homem cabisbaixo passou junto de nós, e pareceu querer começar a cheirar o chão. Ambos observámo-lo, e aí falei eu. Perguntei se ele tinha ainda alguma esperança de vida. Finalmente esvaziou a cerveja que lhe restava, e respondeu que sim. Saber o sabor do vento. Um desejo como outro qualquer. Despedimo-nos com um até breve, sabendo que provavelmente nunca mais voltaríamos a cruzar olhares, ou a trocar experiências.
Tirado daqui2024/12/02
...luminosa contração das pálpebras
A razão,
Lembro-me de observar dolosamente uma barata,
Uma simples criatura básica,
Que de dorso para baixo se debatia pela vida,....
Veio o cobertor andrajoso e desfiado que sinalizou a minha infância,
E a vontade de fazer amor comigo mesmo,
O onanista que se metia com a própria sombra,....
A razão,
A meio da madrugada,
Com os pontos de luz da escuridão a arranharem-me as janelas,...
E tanto que me falta dizer acerca de onde irei,
Com quem,
Se o ar que me magoou sempre vai chegar,....
Há música até na luminosa contração das pálpebras que se me fecham
Tirado daquiMarinheiro com dois pequenos gatos, foto tirada cerca de 1910
2024/12/01
Dezembrando a 3 de agosto
Tirado daqui
uma peça de roupa
desgarrada,
um sorriso forçado,...
tens para aí
meia idade,
e a frustração
empala-te o futuro,....
um copo de água,
sais de fruto para a
azia,
um entardecer
de meio de inverno,....
com a chuva que
existe na escuridão protetora,
enroscas em ti mesmo