2022/05/31

Escrever inebriado

 


a vantagem de escrever
inebriado,
é a mesma que sempre foi,
o desconto dos erros é
feito pelos honestos,
a virtude de errar
é ultrapassada pela espécie de reconhecimento,
que vem da condescendência de quem lê,....

e por cima de todas
as quedas,
do sangue que ressequido
nos faz adormecer,
está a vitória,
o lamento de poder gritar
e ter quem nos ouça

2022/05/30

Pernas doem


As pernas nunca vão parar de doer;
há um caminho que, 
por isso se tenta ignorar,
e a luz presente como garante da absolvição,...

ambos com a música que merecemos,
e o choro que desprezamos,
e um cansaço tão antigo como
se calhar o próprio tempo defende,
estamos imóveis,
incapazes de prosseguir para
um plano que inocente a dor,
de mais dívidas

2022/05/29

23 gramas

 


estendido ao sol,
o único caminho de
quem desaprendeu
de escrever,
reaprendeu com
base no ódio,
a virtude de um
poema concêntrico,...

os necessários ajustes
causados,
por uma pele que
se definha,
olhos que sobem
aos céus a esperar
a redenção,
e uma alma
incontida nos
23 gramas com que se desfaz,...

há uma vocação para
o alarme,
em esperar a
noite inconsciente

2022/05/28

Desejo incontido

 


só eu sei lidar
com os meus erros,
denunciá-los sabe a pouco,
repartir responsabilidades
parece de mais,
e há sempre um riacho
entendido como fogo,
onde os partilho,
acaricio,
e respeito antes
de os destruir,....

à frente do destino,
esta será a parcela
mais correta,

2022/05/27

Ar desconfiado

Estava à minha frente aquele prédio enegrecido de que me tinham falado, com um carvalho praticamente morto à frente. Parei o carro com a parte frontal virada para a estrada, e esperei. Era a primeira manhã do ano que tinha começado chuvosa. Apetecia-me escrever, e até sabia já sobre o quê,.... Um adeus mais forte que a morte. 

Mas não podia ser. Acendi um cigarro. O vidro do lado do pendura estava um pouco aberto, e a chuva caia à socapa em cima do assento, deixando-o ainda mais amarelecido. Tinha decidido vender aquele carro, mas ainda não tinha chegado o momento.

Forçava-me a concentrar no que me tinha sido pedido. Esperar por uma mulher de meia idade, de cabelo ruivo apanhado tipo cavalo da guarda, e que estaria vestida de negro. Traria na mão um livro de capa vermelha, com duas linhas de dizeres escritos a dourado. Ela ficaria à minha espera em frente à porta do prédio, com um ar desconfiado, e quase a pedir que lhe pusessem termo ao desespero de ali estar obrigada. 

2022/05/26

Nascido sem definição


a possibilidade,
um retorno atrás de outro,
mandar vir pelo prazer de
desestabilizar,...

um poema assim,
de dentro da manga para
agitar o que morrer por inerência,
e tudo voltar ao início,
sem razão para que,
parando de escrever,
a voz deixe de ser ouvida,...

e surja em seu lugar,
qualquer coisa que tenha
nascido sem definição

2022/05/25

Vale dos inconformados


Nem por todos os caminhos eu sei lá ir ter,
Recordo-me que chegou a um ponto da minha vida,
Que aquele sítio deixou de me afetar,
Aprendia a inspirar só pelo nariz,
Sem deixar que a boca me infetasse,
Todo o desânimo que dali vinha,
E assim perdia a vontade de lá regressar,...

Talvez por isso esqueci um pouco o caminho de retorno aquele sitio,
Só sei que se chama Vale dos inconformados,
E que fica perto do sítio onde já fui constantemente feliz,
Nada mais me recordo

2022/05/24

angústia

angustia-me a dor,
um caminho de pedras traduzido
em luzes foscas,
angustia-me a frase feita que
desdenha tudo isto,
angustia-me o floco de neve que,
todos os dias,
me acorda para a confirmação
desta verdade de vestido de noiva,...

angustia-me,
mas não tem de te angustiar a ti,
aprende a andar pelas nuvens,
e escapas-te a esta dor 

2022/05/23

Ano

o calendário desvenda
a novidade
no corpo velho,
do teu caminhar,
ano novo,
quando do teu feminino
se expressa a dor,...

a Páscoa de uma infelicidade
apoteótica,
o Verão de cada posse
incompleta,
e o Inverno de sempre,
teu,
meu,
da impaciência crescente,
de uma luz ténue
que é o Natal do teu sorriso,
ao dormir

2022/05/22

Opróbrios

Gosto de escrever,
Sim,também gosto de mentir,
Por entre as imperfeições do corpo,
Guardo mulheres assexuadas que compram silêncio,
Em vez de contracetivos,...


E faço delas pessoas falhadas,
Sem eira nem beira,
Capazes de tudo para remodelar um simples beijo,
A ponto de o tornar insuportável,...

No fim de um enredo,
A provável questão que resta é incomportável,
Para que perca o gosto de recriar opróbrios como estes 



2022/05/21

Aviltante

meu amor dos amores,
começámos uma linha
abrupta de remorsos,...

se connosco a verdade
se despir pelos intervalos da razão,
a minha,
a tua,
a nossa decisão de procurarmos
aconchego no que se soma,
ao decréscimo de uma vertigem,...

será de somenos,
quando a música de
uma linha de romance,
finalmente começar

2022/05/20

Dia-a-dias perdidos de sentido

entro na tua expetativa de dor,
com os pés para dentro,
as mãos feridas de abandono,
e aconchegado num sono vigilante,...

desde que me perdi do conforto,
perdi a noção de repouso,
e a ambos restam-nos encontros fugazes,
com dores nos olhos esvaziantes,
e a fundada criação de um relicário,
deixado aos pés deste altar que,
no fundo,
são todos os dia-a-dias perdidos de sentido



2022/05/19

Frase inócua

Sobrou o suficiente para bebermos até que de dia,

Se perceba que a noite não fica, 

no vazio dos olhos como uma lágrima,...


Traz-me de volta o passado,

Nesta mesa está o mundo,

Um restolho de luar,

Mas não param os desânimos,...


Só isso não chega para o rio do

Tempo,

Continuar a correr 




2022/05/18

Voz sem mar

Sou filho da verdade,

Adotaram-me de um descuido,

E há longos cabelos sem cor que pendem,

Inofensivos,

Do que mostro como voz sem mar,....


A frase certa do meu sono,

Não cabe inteira no brilho de olhar que de mim conheces,

E há uma razão para cada pausa,

Para todos os silêncios,...


É só minha,

Não a partilho 



2022/05/17

Vista para o penhasco

 Saberia esconder a alma rasgada aos pedaços,

Uma lágrima debaixo de um corpo deformado,

Por cima de uma alma inconsequente,

Ao lado de um projeto inofensivo de vida,...


Saberia a tudo trazer arrependimentos,

Lindos,

Com vista para o penhasco,

Onde um dia se imiscuiria no vazio,

De corpo inteiro 

2022/05/16

Lado B de todos os erros

Dizer-te isto e aquilo,
Esperar que o vento se funda com
a certeza de vida,
Enquanto lá fora,
À mercê da forma como se envelhece
numa cama,
Esperamos a roupa que nos
cubra da plenitude,
Mostrando apenas o lado
B de todos os erros,....

Posso colher a flor do
amor enquanto dormes,
Sei onde está,
Mas não creio que pare o
ciclo do que está para acontecer 

2022/05/15

Do lado da carne

quanto a mim escolhi,
estarei do lado da carne,
dos postulados da dor,
e da rápida regeneração,...

tudo assim se resolve
com um verso de frase,
uma conjunção hipotética,
e uma aversão a nomes
sem significado,...

sem que haja casas profundas
o suficiente,
para uma recusa
ao lado degenerativo,
e degenerado
da mesma carne,...

sempre a carne

2022/05/14

Um dia gostava de saber escrever assim

 

miguel torga / desfecho

 
 
Não tenho mais palavras.
Gastei-as a negar-te…
(Só a negar-te eu pude combater
O terror de te ver
Em toda a parte.)
 
Fosse qual fosse o chão da caminhada,
Era certa a meu lado
A divina presença impertinente
Do teu vulto calado
E paciente…
 
E lutei, como luta um solitário
Quando alguém lhe perturba a solidão.
Fechado num ouriço de recusas,
Soltei a voz, arma que tua não usas,
Sempre silencioso na agressão.
 
Mas o tempo moeu na sua mó
O joio amargo do que te dizia…
Agora somos dois obstinados,
Mudos e malogrados,
Que apenas vão a par na teimosia.
 
 
 
miguel torga
câmara ardente
1962

Novas estórias

O mais tarde que
podia entrar era até às oito e meia,
nem um pouco mais que isso,...

havia ordem no mundo enquanto
isso fosse respeitado,
levámos um pouco de tempo a combinar
que algum desse tempo,
não poderia ser inviável,...

teria de ser para nós,
e eu não senti nem a fome,
nem a sede,
nem sequer o desejo de novas
estórias,
que diferentes fossem de tudo
só pela forma como se bebiam

2022/05/13

Amour de jour


amor,
fatia de bolo inesperado,
de cor amparada,
música finda,
amor gasto,
chão de amor
que assim pisamos,...

e mal nos protegemos,
quando dele vem a partilha,
um livro por acabar,
uma oração que ao céu
não chega,
amor assim,
amor assado,
e dele nos roubamos a força,...

o que por mim te jurei
acabar,
e tu ignoraste,
amor deles,
que nosso já não é,
e assim adormecemos,
sem amor que nos madrugue,
nem choro que nos amanheça

2022/05/12

Mais minutos de tudo isto


Quero que me imagines assim,

Com um corpo circundante,

Que te distorce o campo de visão,

E sobe pelo teu caminho de silêncio,

Acima,

Sem pedir licença,... 


Não sei o que dizer quando desabrochas em provocação pura,

E o tempo perde o que de pior tem,

Para se tornar insignificante,...


Há horas que anseio por mais minutos de tudo isto


2022/05/11

Prefixo da solidão


Aparecia sempre qualquer coisa,

Um compromisso,
Uma tarde,
Dois dias escondidos num bolso roto pelo esquecimento do amor,
Tudo era nosso e selava o nosso prefixo da solidão,...

Costumavamos dizê-lo a cantar,
Porque a música era a linguagem de partilha,
Tudo servia para darmos as mãos,
E era só do momento cada momento da falta de sons,
Do silêncio necessário,....

Sinto poder chamar-te luz atordoada da imortalidade,
Porque assim tem de ser à luz desta sintonia

2022/05/10

Defesa da escrita


Ainda há um resto de inverno por enfrentar,
Dizê-lo com o coloquialidade certa,
Parece uma herança podre
abandonada no cartório da cidade,....


A solução será contornar o problema,
Como sempre com a defesa da escrita,...

Haveremos de nos sair bem 

2022/05/09

Escolhas

capaz de estoirar,
com as estórias,
com o mundo encolhido numa
mão,
à falta de verbo melhor,
tem de ser estoirar com tudo,
para que nada reste,
e em cima das cinzas sem cor,
se construa o que não sendo palpável,
tu possas arrastar pelos sonhos afora,...

e no fim haja algo melhor nos
intervalos dos olhos,
de quem escolhe nos observar

2022/05/08

Lamento ciclópico

descontente com tudo,
com a lanterna do momento perdido,
com a solidão que come connosco à mesa,
com a roupa perdida para o vício,
a raiva que se devora e depois cospe,
ficando a escorrer pelos cantos da boca,...

tanto sinal de autocracia,
e os autores de respostas fáceis que
somos,
à procura de lugar,
neste lamento ciclópico,
que não tem fim,
e se auto-renova até se esgotar


2022/05/07

Auto-conhecimento


a superfície pintada do silêncio,
as duas coisas que realmente interessam
em cenários como estes,
são a renovação e a permanência do amor,
no ar tépido das manhãs doces que
a convivência desinteressada,
tão depressa traz e leva,...

se tudo isto não faz sentido,
que leiamos livros,
com a mesma voracidade que
devoramos sons,
e depois os regurgitamos,
para nos fazer mais mal que bem

2022/05/06

Pernas de gelo

 

Há muitos, muitos anos,

Nada como começar algo supérfluo de forma inconsequente,

Voltei a ser o que deveria ter sido,

O meu nome já se escrevia a carvão,

Tinha duas pernas de gelo,

E um coração vazio,...


Ate certo ponto o desejo da maioridade expressava-se nos meus olhos,

E tudo brilhava à luz de um sol incandescente,

Que ardia em lume que se esfumava,..


Tudo deixou de ser alucinante agora 

2022/05/05

Nariz encovado

A minha cabeça imaculada está
colada a um corpo pecaminoso,
enlameado,
trovões são as minhas respostas,
e pausas de chuva resvalam de um
nariz encovado e disforme,...

A presença inusitada de um beijo
nos argumentos de final de dia,
não a sei justificar,
apenas reflito o ouro como 
cor dos meus olhos desmaiados,
e um laivo de sangue esvai-se
em cada passo para nenhures,...

haveria um regresso de dúvida,
se uma entidade expressiva pudesse
tudo isto confirmar



2022/05/04

Livro de estilo

 


Uma mulher de estudos assustava,

As roupas eram normais,
Andrajosas até,
Mas o silêncio seria diferente,
Com laivos de insulto,
De cor anil,
Que pareciam acompanhar um contorno seguro de paz,
E irrisória vontade de fazer bem,...

Teria mil nomes,
Mas nenhum se adequava ao passar do tempo,
Compassado e irrelevante,
Que derivava do livro de estilo da sua presença 

2022/05/03

Noites mais frias do tempo


Saberemos da corrente errada de pensamento,

Quando for tarde para corrigir,

E os que anotamos como exemplos começarem a desanimar,

Olhos no chão,

Ansiedade incontida em conversas de café em silêncio,...


Aí teremos de mudar para imperativos sem forma,

E conteúdo duvidoso,

Que não obriguem a pensar,

Mas deixem as chaminés a fumegar nas noites mais frias do tempo

2022/05/02

Primeiro poema de 2022 só hoje publicado


A luta escreve-se com erre,

Erre de razão,

E esconde-se nas algibeiras do velhote,

Tira-se quando é preciso acender uma beata,

E dizer do fado o pior possível,

Para que este país finalmente,...


Se torne internacionalista,

E as pessoas passem a usar a cabeça para
mais do que ajeitar o penteado,...

E ao menos,

Que se esconda o niilismo de tudo isto,

Num copo de bebida choca

2022/05/01

Há muito, muito tempo, já tive uma mãe:-(


 

Maiando ainda em 2021


Aparentava ter dos domingos à noite,

A mesma má opinião que qualquer pessoa normal,

Não havia silêncios com intervalos de sete dias entre si,

E por isso optava por estar sentada,

De janelas abertas,

A ouvir o traquitanar dos carros velhos que,

Com esforço,

Subiam aquela rua desnivelada,

E que não levava a lado nenhum,...


No fundo sentir-se mal com o passar do tempo,

Era uma desconfiança com as coisas que até poderiam ser oferecidas,

Mas que custavam sempre a suportar