de cebola, senhores,
são coisas que o estrado
já não digere,
penteio-me com o arrasto
que a calvície nunca merece,
para chorar,
de novo o tempo refém de
inseguranças,
resta-me a cebola,
frito um bacalhau com o cocuruto....
2008/08/31
A cebola
Reflexão pessoal
Montes de desalento. Sujas as mãos, Arroteias, o senhor das manhãs que pedem arrotos do fundo do estômago, já nada temia. Sentava-se no banco de vime que lhe oferecera os últimos dois tostões de há 20 anos, e eram mesmo de desalento aqueles dois montes alentejanos. Pareciam duas mamas de mulher desembaraçada, mas velha. Consumida, e velha, como provavam os sulcos que a água da chuva fazia no vale bem desenhado que avistava lá ao longe. Só que era tão deslindado o sentir que retirava daquele universo. Adorava trocar um quarto de escudo entre os nós encardidos dos dedos, enquanto fincava bem o pé na terra vermelha. De tanto fincar, partilhava o que as entranhas do planeta pareciam sangrar.
Era pessoa de antigamentes, que já não se deixava espantar com nada. Andava à procura de um dia menos previsível, para finalmente dizer a si mesmo o que queria da vida.
O vento não concordava. Beijava, de leve, o que de pudico transpirava das árvores. De carvalhos, gostava de abusar. As pessoas acreditavam em adultério, mas do ar só choviam deuses confusos. Viriatos talvez, porque de romano o ar só tinha o cheiro a coisas desnaturadas. A insultos escritos com tinta invisível.
Arroteias brincava com sonhos mal escapelizados. Não sabia de sabores a bibliotecas, mas lia tudo o que uma mulher lhe tinha para dizer. Nem que essa mulher fosse duas escrecências do planeta. Gizava planos, para esquecer-se de que relacionamentos, são chuvas mal conseguidas pelo imprevisto da criação.
Montes. Dupla de montes, que davam um pôr de sol de veias dilatadas. Sossegava mentes cansadas de explicações místicas para tudo. Arroteias dispunha-se bem, dispondo deuses de índoles diversas para conversar. E deixa-se a mais, porque pensar nunca foi arte para fazer com menos.
2008/08/28
O pintas escatológico
Cheira-me a paz de orgasmos. E quando o faço por menos que entender esse insulto, pululo por intensidades rosadas. Já me sentia original, todo descoberto, filho de altas pressões estratosféricas.
São esperanças. Pé ante pé, com a lama depurada nos calcanhares. A plantar comida, desvendando fome.
Já fomos húmus. E gritos desvairados, ranger de dentes, rasgos assoberbados de medo. Se nos devemos a algo, talvez seja ao que de original representam os nosso passos. Para tudo, menos para trás. Para trás de onde estamos.
Não esperam por nós sonetos. Nunca fomos feitos do que as estradas nos devem. Quanto muito somos o passos, pés de barro que caminham erectos, vislumbrando. Nem sequer pensamos no que se antecipa do fim. Da possível glória. Mas que glória? Sonos feitos de pedra. Rochosos vislumbres da luz eterna, daqueles sonhos que deixam o homem ainda mais solitário do que sempre foi. Será a solução para aquele mistério intrínseco que nunca soubemos explicar?
Sim, olho em frente. Ando sem ser para trás, a pensar, com achaques diversos para minimizar. Com dimensões, pretéritos por ser perfeitos, banhados em ilusões. Quero ser um desnorteado, mas nem isso consigo ser de mim. Caminho, consciente do que resta para mim.
Passos firmes, superlativos, para tudo caber na esperança de mudar. Para que o que nos torne bons, seja por fim, o fim.
Testamento
2008/08/27
Escrito sim, vivido não....
vi gente a escrever
com polegares,
algarviadas,
assobiadas,
pela celeuma de dias pesados,...
a serem frutos carunchosos,
foram polpa de sangue,
porque vi desnorte,
senti composições fúteis
e de sentido inexpugnavelmente
triste,....
li até os olhos
me doerem mais
que maviosos ses colaterais,....
foram tertúlias que me
mergulharam para não me afogar,...
e no fim sol referente,
dias que laqueavam as
singelas tentativas de
mudar o mundo,....
pus-me de menos
por tentar cingir-me
em posição de feto
desiludido,...
nasceu o sol,
log-off, obra fechada,
e consciência morta,....
menos uma noite para
despedir o mim
feio e corrupto.....
2008/08/25
Já que hoje vem antes de amanhã I
Nunca virei a esquina, sem que a rua se risse do que eu afirmo serem as premissas para um viver despreocupado. Canto, sussurro que o que importa é comer duas papas de aveia estragada por dia, ao mesmo tempo que se jura que o homem é feliz em dias de chuva ácida. E sou gozado, desprezado. Chego onde tenho de ir sempre com o estômago ao pé da alma, o suficiente para que todos me conheçam como o frente de uma existência acintosa. Talvez sim, sorrisos triangulares, seguidos de afirmações propedêuticas, sejam a solução. Nunca menos que o melhor, no relacionamento com as pessoas que vale a pena chamar pessoas. Mas o vento que esfaqueia. Sim, o planeta odeia-me, quer fazer de mim a sua prova que é cruel, e se eu deixar, martirizo-me. Trransformo em mim o que sempre quis ser...(continua)
2008/08/23
Existência em charuto acabaçado
as pessoas quase felizes
tentavam agitar águas com flatulências,...
descolavam braços postiços e abanavam,
escolasticamente abanavam próteses,
jovem de horizontes alvos,
entendia-o como posturas titubeantes,...
coisas de não confiar,...
as pessoas quase felizes desiludiram-me,
ridiculamente cerceadas de sentido,
assustaram-me,...
descolei a retina da alma
e ceguei,
hoje só acalmo com
dias salteados de
felicidade desnecessária.....
Luxos Importados II
De um xadrez impessoal,
suaram sonhos amarrados,
com torres de escárnio colorido,
de ponta a ponta desprezíveis,
Rainha morta, mas puta de mãos duras,
Bispos alienados com rezas
de cicuta para desertar fés
incompreendidas,
Fiz-me cavalo de sussurros
aquáticos,
abraçado pelo sol desnivelado, quente,
que sem mãos faz
mais que um abraço
forte do mais belo sorriso
imberbe,
que já não sei o que criei
para me afirmar como brasa,
sinto-me sal,
de peito cristalino e derreado,
a lonjura de uma alma temperada pode ser,
deve ser,
a meia gente simples que
me falta para nunca
voar pelos limites do bairro
de mim,
acordo a saber a mal,
com o sangue que não corre,
com o cheiro da desfaçatez,
pedir sono de uma paz marcial,
será o que me resta para
voar a menos que
o xadrez em que me
transformei.....
2008/08/22
E o sangue?
era uma clemência de todas as cores,
um desnível na consideração
humana de fazer os possíveis,
quando os impossíveis são
nódoas numa camisa de anjo,...
quando julgar
deixou de ser
uma criança linda,...
quando proliferar,
são arrogantes a
deitar-se com mulheres
sem espírito,...
quando nomes vazios
passarem a ser moedas a
boiar no amanhecer da praia
do paraíso,....
recomeça o mundo,....
clemências cinzentas passeiam-se
a ouvir o fado em agonia dançante,...
o homem és tu,
sou eu,
mas nunca seremos nós,...
e o sangue?
talvez o sorriso de
inconsolado falhanço
que trazes pendurado
no teu regaço....
2008/08/21
Bloco de granito
Nunca se desdisse a frontalidade com que Mena pousava a alma em cima do mesmo bloco de granito, durante todos os dias que corriam em carreira. Chovia palha, quando a chuva não era mais que o que ela queria que fossem os sentimentos e as desditas. Ventava de menos.
Sim, a alma em cima de um bloco de granito, à beira de uma paragem desactivada de transportes públicos, eram coisas exangues.
E percebia-se que Mena nem sequer existia, porque o vento só reconhece quem tem coração que transpira estatismo eléctrico.
Apostou-se bem, quando ela um dia não apareceu, e o bloco de granito passou o dia nu. Sem a alma de Mena em cima. No dia seguinte voltou, e trovejava. Foram dois vencidos da vida, dois sublinhados pelo lápis invisível da morte, que lhe bateram nas costas para a felicitar. Esse foi o momento que Mena escolheu para se desfazer. Arrancou o único cabelo dourado da cabeça de rodilhas, e o ar foi subtilmente diluindo-se em volta dela.
Acabou por o mundo ver que Mena são dois dias que nunca se encontraram em si próprios, e fizeram denúncias simultâneas de incumprimentos metafísicos. Nasceu a discórdia nesse dia, e o ar concordou quando a matou.
2008/08/20
Rúcula e jasmim
tronco de água iluminada
a minutos
de fluir a chorar
com sorrisos
de preto
de branca
de pessoas
à espera de saturno
com anéis
que com menos
de esperanças mortas
ligam se
dermos de nós....
2008/08/19
A minha própria ampulheta
o tempo pergunta ao tempo,
se tem tempo para a, destempo,
sobreviver ao que o tempo
deixa em menos tempo que o tempo
demora a passar...
o tempo responde que sem tempo,
nunca terá tempo para considerar o que
o tempo faz quando, com tempo, nem se
lembra que o tempo não são mais que
résteas de um tempo que demora tanto,
mas tanto, a passar....
somando tempos nem fica tempo,
só o tempo a rolar,
e o tempo que para não morrer,
se arrasta para passar.....
Longo roncar de pé
Nem menos que o próprio cenário de insofísmável pena. Só mais que dois claros poemas, decepados de mãos ronceiras. Talvez, porque o médio som de claridade profícua, são certezas. São iniquidades. São o que menos quis deles fazer, mas terminei por deles fazer o que nunca quis. Ser talvez poeta, por pequenos conluios na engrenagem que desdiz a amada média de amar...Não. Antes sê-lo, porque é urgente descontrair pressões erógenas. Fazer de bem, porque o mal são dois dias mal vividos, e deprimentes. Fazer de mal, porque são pêlos que nos crescem, as necessidades de tomar como frugais as buganvílias feridas da vida.
2008/08/18
Solfejo Real
luz de mais para
solfejo real que assobia
a golfadas de dor,...
de noite,
a foice,
de mim parado,
mata à lata,
sem luz que explique,
os falhanços da
pré-concebida
desnutrição de um ser,...
maleitas,
coisas que trauteiam
o que o solfejo real,
não descura,
nem desfaz....