2025/11/11

A ponto de já não haver,....

 Como se com isso lhe dissesse que a água está quente,

Que há um rio parado e intransponível,

E a terra parece estar com olhos,....


Como se lhe dissesse que vale a pena pensar em razões abstratas,

Conjecturas que nunca existiriam,

E faze-lo apenas pela boa moda de ser diferente,....


E a ele nada importasse,

Já que tinha sido engolido por uma espiral regressiva,

Que invertia o tempo e o espaço,

A ponto de já não haver,

Salvação para o que ele tinha sido


Aurora no Pólo Sul de Saturno

2025/11/10

Tempo(r)izador

 

The old italian woman
1857
Edgar Degas 

o tempo passa,
derramado,
desvirtuado,
ai de nós que oremos,...

a reza impede o sonho,
ai de nós que continuemos,
é um caminho desfiado,
como a carne dos bebés,...

e sozinhos contamos o mesmo
que um número,
que a barriga a doer,
e por cima de tudo,
atapetando tudo,
o tempo passa como arma,...

fazemos como o amor,
e a cara pesa como a
vergonha,
o tempo passa,
gelado como a morte

2025/11/09

Teoria dos entes

De: William Mortensen

Ali já estão os concorrentes,
As vozes,
Os braços,
E as unhas cortadas rentes,....

Dizer deles que assustam,
É um sobrolho,
Dois olhos inocentes,....

E a vontade de alarmar,
Eles trazem,
Como a forma de rodar,
De pneus sobresselentes,...

E pronto,
Esqueçam o dia,
A verdade,
E o amor de todas as frentes,...

Pode afinal ser amor,
O que suspirado como sangue,
Revira,
E faz de um rosto imperfeito,
Apenas e só o reflexo de dentes 

Que não sirva de desculpa,...

 

Tang Dayao
2015
Stranger


A ver se combinamos qualquer coisa,
As cores deixaram de ser cores,
Há um vento que já ganhou nome e sitio para morar,...

Porque deixamos de ter alegria mútua de nos cumprimentar,
Olhar com olhar,
Irreversibilidade pronta para escrever num pedaço de papel de café,....

A distância,
A dona distância que se veste de linho,
E passeia nestes bocados de terra que nos separam,
Que não sirva de desculpa,....

E haja mais ar inodoro que nos faça mover,
Para onde a ideia e o sentimento,
Contam mais que a presença,....

Havemos de combinar qualquer coisa,
Pensa nisso 

2025/11/08

Um dia gostava de saber escrever assim

 Em breve partirei de novo

e caminharei por desertos e por desastres

e por leituras exasperadas e citações,

entre palavras, sem ninguém real que me espere e me abra a porta

O jantar arrefecerá na mesa,

os meus livros desesperarão

e não haverá sentido que os conforte

e o meu nome, se tiver um nome, não me responderá.

E no entanto um fio de tempo ou um fio de sangue,

ou então algo ainda menos palpável,

O que partiu e o que ficou regressando um ao outro

por galerias intermináveis e sonhos desfigurados,

ausentes um do outro, desaparecendo um no outro

Como se esgota a água no fundo de um poço.

“Como se desenha uma casa” - Manuel António Pina

...em duas montanhas paralelas

 Ninguém nos ensinou que esconder custa,

é meia-noite em todos os sítios do mundo,

e assim os olhos azulam,

o corpo enrijece,

e tornamo-nos folhas por escrever,

capazes de um desejo e do seu oposto,…


e aprendemos por nós,

a anular,

a ver o sol pôr-se em

duas montanhas paralelas,

e tudo para,

furtando-nos ao vazio,

esconder sem que se aproxime,

o cheiro da morte

                                                                     Tirado daqui

2025/11/07

No que a deixasse,...

 

ela criança amava,

achava os pontos desejos,

e as linhas,

 mentiras aceitáveis,....


 passava o corpo na seda

de uma cama,

que era mundo,

oblongo,

sem formas,…


e sentia defesas desfeitas,

 guerras que não

conhecia,....


tanta música que a

embalava,

vestida de um nada que

receava,

até ao outro lado do

mundo,

que enformava em coração,

em estrela,...


no que a deixasse,

 capaz de continuar a amar,

para tudo o que o sempre

 trouxesse

                                                                   Tirado daqui


2025/11/06

Desagrada

 Tanto arde o seu peito,

como o seu mar,

não se chama verdade,

nem opta pela mentira como

companheiro de amor,…


é só uma sombra do que já foi,

aprova,

desagrada,

afasta quem gosta,

aproxima pelo desdém,…


é vítima dos próprios passos,

calcados com força na

areia molhada de um sítio de dilúvio,…


e para ele,

vociferar é o mesmo que ler,

ajudem-no a gritar é o que pede,

e comerá poesia

como quem sorve

um resto de arroz bolorento,…


porque sim,

termino-o em chamas,

nesta criação sem porção

anónima,

do que seja



                                                                  Tirado daqui

2025/11/05

Desprezo

 Não tinha dúvidas 

Se.duvidar era amor,

E as noites pesavam sempre mais que as madrugadas,

Teria de ser uma pessoa má,...


Incapaz de compreender,

De aceitar a diferença,

As resoluções dos outros,

Escritas ou faladas,....


E por isso saiu para a rua,

E deitou-se no alcatrão morno e irregular,....


Era um final de dia sem hora,

E as pessoas davam-lhe o que sempre lhe tinham oferecido,

Desprezo,....


Por isso esforçava-se por algo diferente,

E impressivo

                                                                       Tirado daqui

Filme: Perfect Days (2023)

2025/11/04

Passos a mais,...

 Conheces-me,

Um aceno,...


Em dia de desilusão,

Reconstituis o forte,...


Com ameias no sorriso que recrusdece,

Um, dois gestos não mais,...


A pedir que nos fundamos,

E haja sol,

A amparar a hesitação,

A vontade de partir que o choro dá,....


Passos a mais,

Inocência a menos,

Um pão com ar fresco da manhã,

E água,

Corpo de alma novelesco,....


Mas a segurar o chão,

Do presente 

2025/11/03

Feliz 17, filho🙂

 


Admiradores de taxidermia


                                                                         Tirado daqui

Era uma história dita gira,
Que se aperfeicoava,
Reescrevia-se consoante o tempo,
O modo,
As desilusões dos intervenientes,....

Passava como um riacho à porta de uma casa vazia,
Despercebida,
Mas completa e transcendente para os personagens,... 

E o esplendor era alcançado com admiradores de taxidermia,
Que em vez de animais extintos,
Mostravam as tristezas que tinham conhecido,
Reconvertidas em sorrisos abertos e descomprometidos

2025/11/02

E a cinza do céu está fixa,...

 De acordo com a previsão do tempo,

Não serei sombra suficiente para os resquícios da minha hesitação,

Vão chover imprecisões,

Erros do passado por resolver,....


E ao entardecer,

Procurarei sem encontrar lábios que repitam palavras de ofensa,

Prova consecutiva de que estou de mal com a vida,....


E a cinza do céu está fixa,

Por alguma razão 

                                                                           Tirado daqui

linda mendelson art to wear julie schafler dale (1986)

2025/11/01

Novembrando a 22 de maio (o meu happy morreu neste dia)😢,....

 Não me peças desejos,

Vidros foscos que mortificam casas,...


Não sou de cá,

Por isso desconheço estas ruas,

O que elas significam,....


O ardor debaixo de cada pedra,

O que as pessoas se esforçam por esconder em cada manhã,....


Não sou mago para isso,

Escrevo pequenas notas de rodapé no embaciado dos vidros,

E continuo em frente,....


Pede ao próximo que percebas,

Poder decifrar o silêncio 

                                                                  Tirado daqui

De: Giuseppe Penone

2025/10/31

Mas insegura,...

 A pele espessa,

Uma ferida mínima que verte infeção,....


Faltam dois dias para o inverno se anunciar,

Em cada porta a placa invisível de solidão vai sendo afixada,

Quando no ar,

Uma ligeira música de noite se ergue dos cursos de água,....


Ela,

Inteira,

Impoluta,

Mas insegura,

Termina a revisão de uma história de amor,....


Irá partir quando o cão das almas desertas,

Chegar para ficar até querer 

                                                                Tirado daqui

Emilio Tadini (Itália, 1927-2002)
Fragmento de “La Camera Afona” 

2025/10/30

Dançámos molhados, ..

 recebi uma visita,

o outro com aquele

pela mão,

vestiam de ouro

fora de época,

e arrastavam os pés,

 como damas comprometidas,...


falámos da virtude,

dos desejos por cumprir,

e choveu,

choveu muito de todas as cores,...


dançámos molhados,

celebrámos a amizade fortuita,

 na ocasião do amor

celebrado entre desconhecidos,....


e quando partiram,

o outro era eu,

e aquele,

o de sobras desmoralizado,

jogou o futebol

das últimas sobras do dia

                              Tirado daqui

2025/10/29

Por isso desejo-te acenos,...

 O profeta não te quer para raio de sol,

Limita-te no desânimo,

 Na chuva de riscos de cada dia,....


Os passos em que diverges,

O nevoeiro de cada olhar deprimido,

Traz-te a verdade,

A solidão,

Mas a certeza no alinhamento sentido dos desejos,....


Por isso desejo-te acenos,

Despedidas sinceras e resolutas,

Como forma de corrigir a verdade,

E trazer a loucura um pouco menos ofensiva 

                               Tirado daqui


2025/10/28

Evoquei os teus últimos dias,...

 Passou muito tempo,

Tu o do braço preso,

Óculos redondos de massa,

Com um laivo subtil de intelectual,,...


Com voz baixa,

Intuitos subtis de resgate,

E a roupa de sempre,...


Sei que voltaste num dos últimos comboios do entardecer,

Em silêncio e a fazer para que ninguém entendesse nada do passado,...


Evoquei os teus últimos dias,

E manténs o semblante carregado,...


Talvez já te tenha perdido,

E a revolução que venha seja agora azulada

                                                                        Tirado daqui

Boca remendada em silêncio,...

 Os olhos todos fechados,

Os das pequenas coisas sentados,

Em linha com o sol e a sombra da rotina percutora,...


A mesma que nos deixa de ombros alinhados,

Boca remendada em silêncio,

E as pernas impedidas de prosseguir para lado nenhum,....


Era a noite mais pesada de sempre,

Uma página iria virar-se naquele sítio,

E restavamos nós,

Nós os adjetivos,

Filhos de verbo nenhum,

E culpados pela sombra,

Acentuada e envelhecida


José de Almada Negreiros, Do Alto de Santa Catarina, Lisboa, Portugal, 1925 

2025/10/27

A questao baila,..

Até a felicidade, 

o mundo desdobrado,

 persistente por natureza, 

e crianças que desenham pelas paredes fora, 

com sorrisos inocentes

 e esgravulhas, 

a pender de bibes rasgados, 

ruçados, 

mas repletos de 

um odor de sonho,….


 Até essa felicidade, 

só vem nos livros, 

não espera pelas refeições, 

por dias de chuva 

e de sol sizudo,… 


haverá a presença

 súbita de um minuto,

 lento na passagem, mas firme nas decisões, 

que a faça retornar a este espaço,…. 


A questão baila, 

na bruma desta 

madrugada infinda

    
                               Tirado daqui

2025/10/26

E de ti retiro o que tiver de ser,....

 A qualquer momento,

Poderei rebentar,

A segurança dos meus lábios é posta em causa,

Quando ao trovejar num dia de estio,

Os teus lábios me devassam,...


Envelheco à medida que o tempo tropeça,

E recolhido na sombra do entardecer,

Sinto que planeio a persistência,

Presumo as pausas dos olhares,....


E de ti retiro o que tiver de ser,

Para que o dia regresse antes do fim de uma ideia sublimada

2025/10/25

Narizes a sorver,...

 Às vezes acontecem,

narizes a sorver,

uma pauta de música morta,

perdida na rua das quintas-feiras à tarde,….


e debruçamo-nos,

o miradouro recorta-se com

um tempero de sol,

um homem chateia-se com

o silêncio dos que o rodeiam,….


e então surgem,

voos,

invisíveis corações

a rasar os olhos,

as caras acabrunhadas,

e acontece o recomeço,

acontecem novas músicas,

que trazem a noite esperada


                           Tirado daqui

2025/10/24

Talvez fosse

 talvez eu devesse contar-te,

talvez o tempo inocente o fogo,
e hajam muitas mais histórias de desilusão,
do que as que imaginámos juntos,.....

ainda seria tarde,
não fossem as horas impolutas
decidirem o contrário,...

um escrito curto,
ofensivo,....

dizem bem do escrito,
enquanto se acariciam ao de leve,
as cabeças dos filhos que não
são nossos,...

talvez fosse tudo o
possível,
antes que houvesse luz

Social mixer
Filme It(1927)

Não tinha que haver sentido,....

 Não interessavam os porquês,

A forma como se escrevia ao longe,

E calculava o perto de um afago,....


Todas as noites estavam montadas para luzir,

Haver respaldo para a solidão,

Mas também para um amor difícil de explicar,...


Toques noutras línguas,

Corpo lambido é corpo desejado,

Possuir só pelo tacto simples da loucura,....


Não tinha que haver sentido,

Ela era a última da manhã,

Ele o primeiro da noite,

E chegava para o tempo passar,

Empertigado

2025/10/23

Ela não tem culpa,..

 Porquê culpá-la,

Se há dia Claro por culpa do seu sorriso,

E a noite pesa menos,

Sempre que passa na praça das alegrias incontidas,....


Menos justo é quando parte,

Se o som dos seus desejos se esvai,

E ao fim de contas há um vazio,

Algo que com muito esforço não se preenche,....


Ela não tem culpa,

Amanhã será a razão,

E a vitória da sua presença 

2025/10/22

....uma casa composta

 Esta era uma conversa póstuma. Ele tinha partido cedo de mais. Ninguém sabia porquê, que achaque lhe tinha dado. Mas ficou-se. Numa noite de tempestade, em que os princípios chegavam sempre depois dos fins. As mulheres ficavam em casa a cuidar dos filhos, e a fazer com que o barulho do choro se acabrunhasse o mais possível. Os velhos sentavam-se sozinhos, na cadeira de balouço, à luz do candeeiro de petróleo, enquanto esperavam fundir-se com a própria sombra. Só na manhã seguinte se soube do desaparecimento. E decidiu-se que era importante ter uma conversa, antes de o homem descer à terra. Falava-se que tinha deixado uma casa composta, parca em riquezas mas asseada. Era o que se queria naquela terra, temente ao sagrado, e que preferia manter o profano no fundo do vale, onde o pôr do sol nem sequer chegasse. Ele pensava bem de tudo isto. Amanhava-se todas as manhãs, acreditando que era abençoado por viver numa terra longe de tudo, e onde nem todos conseguiam chegar. Espreguiçava-se quando queria, adormecia sempre que o cansaço lhe levava a melhor. Era bom ser assim, e quem achasse diferente, estava no seu direito. Claro. Mas ele não gostava que lhe perturbassem o bem estar. A rotina bem posta que se esforçava por manter. O alfaiate, o melhor amigo que tinha conseguido fazer numa vida tão curta, olhava cabisbaixo para as palmas das mãos. Não se atrevia a falar, e ouvia apenas a respiração do grupo que se tinha juntado para lamentar a partida precoce de um amigo. Tudo era, de facto, póstumo, quando já não se sentia o abraço e os sorrisos barulhentos Q.B., de alguém de quem sempre se gostou.

                                                                Tirado daqui

2025/10/21

Sem título

 davam-nos amêndoas, pequenas, de vários formatos, repartidas em pequenos sacos. Diziam que era para as guardarmos nos bolsos, e se possível,quando cada um chegasse à sua casa, devia deixá-las ao sol. São frutos secos, e que sabem tanto melhor, quanto mais secos estiverem. Eramos miúdos, e aceitavamos tudo sem questionar. Aquela terra não permitia fazer o contrário


Tirado daqui

Pelas esquinas da vida,...

Ney Matogrosso

Mas quer soltar-se,
Ser branco,
Andar por ruas estreitas,
Entre os que congeminam,
Especulam,
Fazem pouco,...

E dizer de si mesmo todas as cores do mundo,
Querendo ser pálido,
Mas mesmo cor de morte,
E arrastar-se assim impoluto,
Pelas esquinas da vida,...

A pensar que se chover,
Irá dormir acompanhado,
Com o se vier o sol,
E se esta chuva fosse gelada seria Natal,....

Interessava-lhe mesmo só ser branco,
O resto seriam assuntos desnecessários

2025/10/20

...e depois chegam as sobras

 A vitória,

a anotação de borda de página,

sobre a chuva que cai,

o desejo de um vislumbre de

pele feminina,

tanta coisa resumida

pela dor que a noite traz,

chega com o pio suave do

melro,

quando lá fora já é hora

de o dia despir a camisa de noite,…


e depois chegam as sobras,

migalhas de coisas mal

resolvidas que ficaram lá atrás,

uma nódoa de um sémen nosso,

e que já não usamos,…


e o mão na mão,

numa noite de inverno acentuada

pela violência do frio,

dedos entrelaçados,

respirares profundos e calmos,

e a paz que

saiu porta fora,…


e talvez nunca mais volte

                               Tirado daqui

2025/10/19

Era um frustrado

 A verdade é que já não era uma pessoa feita. Era um frustrado. Alguém que pedia as coisas pela metade, porque se embaraçava com questões difíceis. Queria que tudo passasse rápido, e as noites pesassem sempre menos que os dias.

Tinha, de facto, aprendido a olhar para tudo de forma diferente. Sempre em frente, nunca para os lados. Indiferente a comentários, e até à forma como o tempo passava pelos dias frios, de forma diferente do que o fazia quando o calor obrigava as pessoas a sentarem-se nas portas das casas, à espera de um qualquer armagedao que acabava sempre por não chegar.

Ele era como era, portanto. Sem estar disponível para ser revisto, recordado de forma abstrata, ou até tocado fugazmente, em circunstâncias de convívio social que não conseguia dominar. Era a pessoa suficiente para si próprio. Não iria mais chegar para os outros 

                                                                  Tirado daqui

2025/10/18

Sendo ainda anónima,....

 Um ato desproporcionado,

Desregrado,

Na pessoa de uma mãe anónima,

Que trouxe pela mão a sua ingenuidade para a rua,

E propositadamente se esqueceu dela,....


O desapego dos cidadãos anónimos,

E os passos que o tempo calca na terra húmida,

Fizeram com que a ingenuidade se sumisse,

Como uma cor molhada,

E deixasse de existir,....


Falamos hoje de uma mãe que,

Sendo ainda anónima,

Perdeu o presente,

E ficou presa no passado sem cor,

De um ato que em breve será público 

                                                                     Tirado daqui

Trabalho de DIEGO RIVERA (1886-1957)
Pintor e muralista mexicano

2025/10/17

E dizer que se gosta,...

                                                                     Tirado daqui
E bastar-se,
dizer c’est sufisant,
o gesto,
o modo,
Pensar em códigos
diferentes dos habituais,…

não é diferente,
achar que o sol queima
mais que a chuva,
do que usar a chuva
para fugir,….

e dizer que se gosta,
não que se gostou,
je t’aime,
falando noutro cenário,…

e amanhã há mais,
se assim
for o querido


 

2025/10/16

Tanto mas tanto frio,...


                                                                      Tirado daqui

era geada,

filamentos de cabelos

desfeitos,

espalhados pela calçada

irregular e íngreme,....


gritos de todo o tipo,

uma parcela de amor

espalhada pelo chão,

e a incapacidade de rimar,...


um homem que gritava,

falando que desobstruía os

pulmões,

sempre que encaixava

sons ao desbarato,....


mas tinha desaprendido,

e agora era geada,....


tanto mas

 tanto frio,

que ler era o afundar

desordenado do tempo a passar



2025/10/15

Je t'aime

 E bastar-se,

dizer c’est sufisant,

o gesto,

o modo,

Pensar em códigos

diferentes dos habituais,…


não é diferente,

achar que o sol queima

mais que a chuva,

do que usar a chuva

para fugir,….


e dizer que se gosta,

não que se gostou,

je t’aime,

falando noutro cenário,…


e amanhã há mais,

se assim

for o querido

                                                                 Tirado daqui

2025/10/14

Sou o mesmo de sempre,..

 Eu não falhei,

Olho-me ao espelho e são risos que desfaço,

O gosto acentuado da mortificação,

Rugas que circunscrevem um rosto enfesado,...


Arredado da alegria,

E das letras inocentes de músicas esquecidas,....


Sou o mesmo de sempre,

Com defesas de general anónimo,

Um ataque estruturado mas que prenuncia o derrotismo,...


Por aqui continuo,

A mirrar,

Sem que me vejas,

E o mundo pare de girar,

Só porque lhe peço 



De: Berber Theunissen

2025/10/13

Uma casa sem dono

 mas querem entrar,

não batam com a porta,

a casa é frágil,

uma mulher desusada

e sem norte viveu aqui,…


as paredes abanam com a

versão brusca,

do que tendo sido o seu

desaparecimento,

é agora cantado pela vontade

suja do povo,....


arrisquem um sonho,

a pressão de resolver

mal este cenário,

porque esta terra,

o papel rabiscado das

vidas e mortes deste povo,

torna instável o antigo lar,

que agora é uma casa sem dono

                                                                        Tirado daqui

2025/10/12

O céu escurece,....

 Estou farto de escrever direito,

o papel é torto,

o coração é desnivelado,

as pernas cansam,

o corpo ofega,…


e se te afastas do que é o destino,

o céu escurece,…


o regresso ao embalo dos desejos frustrados,

dos sonhos por concretizar,

é certo em tons de azul pastel,…


e a escrita torta,

sem sentido,

para públicos sem nome e apátridas,

será a solução concatenada


                                                                    Tirado daqui

2025/10/11

O teu desnorte,...

 A minha razão,

O teu desnorte,

Fracas visões da dúvida,

Uma manta estendida no chão imenso,....


Por vezes a passar por cima do choro,

Outras sozinho,

Sem luz,

Com o corpo afunilado no escuro que nos rouba o desejo,....


De tudo te deixo um escrito,

Trémulo,

Em papel velho e decano,...


Mas fiel a uma experiência,

Mais que sensorial


                                                                             Tirado daqui

2025/10/10

Há pequenos sons,...

 Dito de outra forma,

A sombra está projetada nas paredes sobrepostas deste sítio,...


Há pequenos sons,

Fugidios,

Que escapam ao sentir básico das pessoas que por ali passam,....


Entende-se mal a explicação histórica,

Deste que é um monumento esquecido,

Onde terão passado reis,...


Princesas partidas de coração,

E até um bobo,

Homem enlouquecido,

E do qual se sente ainda a virtude escondida que esgrimia em silêncio 

                                                                        Tirado daqui

2025/10/09

O rosto do que arde,...

 não sabemos de todo,

o rosto do que

arde,

as insuficiências

do que fica,....


passos soltos,

que deixam para trás

a ruína,....


nem suspeitamos,

que quando quem

respira,

ofega,

esforça-se por

agarrar a vida,...


há um relógio que

se move,

lentamente,

em sentido oposto

à previsão de que a Terra

 vá deslizar,...


e os corpos podem,

porventura,

agarrar-se

com dificuldade,

às impaciências de existir


                                                                    Tirado daqui

2025/10/08

Saberás de novo ler sangue,..

 À pressa,

O teu corpo não é o meu,

Sei só que quero escrever um livro,

E pensar em cardos,....


Dizer de abraços que eles não me merecem,

E quem sabe,

Quando o cheiro a desejo esmorecer,

E for noite onde te deitas esquecida dos meus passos,

Saberás de novo ler sangue,....


E com isso volto a erguer-me,

Chamarei ponta de sol aos pés cravantes do escuro no meu peito,

E depois será com as minhas regras,

A minha vontade,

E a tua mão à procura da minha

                                                                                Tirado daqui

2025/10/07

O amanhã depois,..

 As vezes de partes,

São mais que os muitos de nunca,

E as hesitações de tantos,...


No meio das pausas do orvalho,

Tentar um caminho nas imprecisões do que como isto é indefinido,...


Não tem voz,

Nem sequer linhas de passos irregulares,

E Torna difícil a precisão de um abraço,

De um toque,....


E como eu o mundo agora,

O amanhã depois,

A noite despida de pele morena,

Quando chegar 

Autoretrato nas orquídeas
Claude Cahun
1939

2025/10/06

Um cão acentuado,...

 Há quantos meses,

Divertido mas soturno,

Um cão acentuado caminha sem destino,....


Parti por entre os desiludidos,

Recordo-me,...


Era um final de verão acrescentado,

Com desenhos toscos,

E sentia-me só,...


Mas realizado 

                                                                 Tirado daqui

De: Felix Vallotton
Squatted Woman Offering of Milk to a Cat
1919

2025/10/05

E que gostava de escrever à noite

 Soube que ele estava a escrever um livro. Contaram-me, mas ninguém parecia saber qual seria o final do mesmo. Sabia-se que havia duas mãos sobre o manuscrito. Ele recusava vender-se a auxiliares mecânicos da ligação cérebro-membros humanos. E que gostava de escrever à noite. Quando a lua esticava os braços, e o sol deslizava pelos rebordos do mundo, para ir mostrar o seu rosto no outro lado da existência.

Gostava do escuro. A profundidade da descrição das personagens, tornava-se assim mais intensa. Mais fantasmagórica. E com números claros de desilusão, plasmados nos respetivos rostos. Ele era isso: um autor de desilusões. E secreto. As pessoas que o conheciam, dedicavam-se a uma observação casual, mas atenta. Eu incluído.

Decompunham-se os seus gestos de rotina; quando saía de casa, e descia a rua para o primeiro café da manhã. Quando voltava já ao entardecer, cabisbaixo, com cuidado para evitar os desníveis do terreno da zona velha da cidade onde escolhera morar. Imaginei, pessoalmente, se isso constaria do enredo. Pensei em mulheres anódinas, conciliadoras, que viviam para a família, mas em segredo alimentavam desvarios que só elas próprias saberiam descrever. E ele era pessoa para captar isso, e descrever em figuras de estilo. Um baile de rua de figuras de estilo, atraentes e atrativas

                                                                          Tirado daqui

2025/10/04

e comer a ansiedade,..

 todos os planos

nada

fizeram por mim,

pensava no retorno,

nos triângulos do retorno,….


nas linhas retas

por que deixa de se regressar,

em círculos,

dias infindos

a andar à volta de um

ponto mínimo no chão,....


e sentir que

era noite,

baixar-me para

apanhar o pó,

e comer ansiedade,

 doses monstruosas de

descontrolo,….


 que me faziam perder

 a história,

e pensar em chamar-me

Manuel de Qualquer Coisa,

o protetor das horas curtas,....


e era isso,

nada adiantava

planear,

só esperar



                                                                   Tirado daqui

Felix Tobeen

On The Dune

Cerca de 1914

2025/10/03

E por isso esconder,....

 Um plano,

A verdade montada no vento forte que se acumulava,...


Não dizer que se espera o inesperado,

A montra escassa do silêncio,...


Saber que,

Como os teólogos antigos diziam,

O homem cinge-se ao etéreo,

À falta de racionalidade,

Mesmo que diga o contrário,...


E por isso esconder,

Esconder o lado animalesco,

O profano do ódio ao espiritual,

Um plano de reconstrução pessoal,....


A ideia era passar a ser diferente,

Quando o novo dia nascesse 

                                                                    Tirado daqui

2025/10/02

Mas fosse o que fosse,...

 Pareceram-me as loucuras com peso e medida,

Ela dizer que se abeirava de homens,

E lhes mostrava o desejo,

Conforme ele sempre foi,

Com cores, 

E gatos queridos a passearem em cozinhas vazias,....


E fazia-o consciente de que podia estar errada,

Mas fosse o que fosse seria o seu erro,

Ela a mulher de todos os dias,

Amarga nos intervalos da boca,

De corpo doce mas em decadência,....


Eram loucuras saudáveis,

Mas extremadas,....


O futuro próximo fazia-me pensar 

                                                                      Tirado daqui

2025/10/01

Outubrando a 21 de maio

                         Tirado daqui

Nagai kazumasa

(Poster)

não a mim,

não ao meu peito,

não e apesar do erro,

não que esteja

escrito na rua,....


não percebo,

não entendo

o que me sobra à noite,

não quero mais leite

estragado,...


nem a porção certa

de um livro rasgado,

não posso explicar,

porque nada te devo,

não há a noite

nem o dia para mim,

não me quero sequer

na madrugada,

simplesmente não


2025/09/30

O rosto envelhecido,..

 As palavras não me sabiam,

O vento rezava por cima de um amor de esquecimento,...


Apresentei-me como o sol dos sapatos velhos,

O rosto envelhecido,

Que o sol humedece e a terra frita,...


Ás vezes,

Conheço-me como sombra,

Resposta iludida e ilusória,

Mas uma continua corrente elétrica de dias repetidos,...


E acabou-se,

Tão depressa como a novidade de ser novo num instante que morre

                                                                           Tirado daqui

2025/09/29

Começou a chover,...

 Escrevo histórias porque mas dão,

sim,

a manhã levanta-se,

a noite lamenta a roupa velha,

as rugas desnecessárias,…


e à porta,

após dois baques suaves,

encontro uma criança perdida,…


fala-me do além,

que o mundo se põe a jeito

de levar com almas inconsequentes,

e ao afastar-se faz-me o gesto da paz,…


começou a chover,

voltei para a minha parca habitação,

e sentado a escrever encontro-me

em versos de prosa,…


sim,

dão-me histórias como estas,

e eu faço delas rebordos de solidão