Uma ideia curta, imóvel, que não incomodava. Mas ela via uma repugnância atroz naquele conceito, que tinha aprendido a ver com olhos próprios. E numa rotina quase programática. Estava ora sentado no parapeito da janela, e tinha a forma de um proxeneta de esquina, que insistia em assobiar músicas de que todos já se tinham esquecido. Fazia pantominices tais, que quase caía sem amparo. Mas segurava-se...
Também o via ocasionalmente na casa de banho. Como uma mulher de corpo a regua e esquadro, que deixava a água escorrer sorrateira e de forma sedutora pelo corpo, e revelava a cara só quando queria. E ao faze-lo, mostrava um rosto destruido pelo tempo. Tudo aquilo escapava ao que sempre tinha considerado racional...
O dia não está mau. Frio, sim. Sente-se um pouco nos ossos. Mas há um sol ansioso, a querer descender sobre a Terra, e que se insinua como uma bênção na pele. Queria fazer-me à estrada o quanto antes, e por isso tratei de me alimentar. Uma chávena média de café muito claro, três pedaços de pão castanho poeira, com uma manteiga cor de anjo. Serve-me a ilusão de saciedade. Pego no jornal de há vários dias, vai sempre a amparar o braço trémulo, e abro a porta para sentir a brisa desabrida a beijar-me de bons dias.
As rotinas são feitas para transgredir, mas já não me sinto desafiante o suficiente para o fazer. As pernas tremem ao descer a rua mal amanhada, e é com dificuldade que evito os obstáculos. Aquela hora só os que ainda com mais problemas do que eu lidam com o mundo andam na rua. E isso faz-me sentir, se calhar, menos desafortunado. Mas consciente de que o mundo tem limites auto-impostos. E eu respeito-os ao chegar ao centro, percebendo que é a solidão que me espera
um sinal, a violenta marca de uma mão que tomba, sim meu amor, eu sou disso, perdido numa rua onde os cegos marinam, sou de me encontrar na latrina onde os gatos mijam, onde nunca passarás, se a comiseração me vencer de vez,....
desilusões como as que me contaste, as que me rataste, aqui tenho-as a subir pelo corpo, como baratas cegas que fogem do frio,...
procuras a palavra, e ela não está no copo que és incapaz de conter em mãos trémulas. Levantados os olhos, vês ao nível de um horizonte limitado. Ideias imprecisas escorrem-te pela testa, salgadas pelo suor que o teu corpo ainda produz. A palavra não está ali, porque se calhar nem sequer existe. Há vontade de redenção. Pecados explicados em pequenos tiritares de unhas falhadas, num balcão sujo e de pedra. Silêncios cúmplices de anónimos como tu, à esquerda, à direita, atrás. E fazeres da mentira a saída desta limitação, não parece resposta. A palavra estará lá fora, na raíz da árvore moribunda que ainda vai sobressaindo ao pores os pés na rua...........
eu, se fosse inventado, a perna doía como um erro, o braço escavava a terra, e fecundava a matriz criadora, o coração dissolveria a fuga ao amor, e o amor das mentiras feito, beijaria as bocas que quis, e nunca tive,....
se fosse inventado, a luz nada diria ao escuro das lágrimas, eu contava como números furados, e chorava, havia de chorar tanto, que os restos do peito explodido, alargavam o ventre do meu regresso, de forma brutal, criminosa, sem perdão
reviro-me em sangue, há propósito, pele excruciada, notas pisadas, de música enterrada e decomposta, num tempo que se lavra, a si próprio, para estender a esterilidade, como um manto diáfano, que protege a madrugada,....
mas como ser de noite, nego roupa, beleza impura, lágrimas nos olhos, e sons soltos da ingenuidade natural, nego porque a revolta, é a minha cama, a vontade excelsa de ofender, provocar, denotar virtude, e exaurir maldade,...
tudo mudará, com a presença estreita do amor, aí a luz voltará, servida como água em deserto
sentia-se anónima, os lábios esfoliavam sem razão, as mãos tremiam e perdiam secura ao décimo de segundo, sem que conseguisse guardar o olhar onde fosse,....
ele fixava-a, predava cada porção do seu ser, distantes pareciam aproximar-se, e ela pensava que lindo é, o rosto pedia arte, o corpo aproximava-se virtualmente do seu, e ela pedia mais,...
pedia volúpia, animalidade, devassa de pele e sexo,....
mas sentia que a Terra a absorvia, a engolia, e ele, sem se mexer, estava já junto a ela,...
escondeu as mãos nos bolsos, trincou suavemente o lábio, e sentiu que chovia,...
ele estava lá, mas ela virava costas, ia deixar , outra vez, a escuridão tomá-la nos braços
Um casaco perdido no meio de uma rua lúgubre Uivos de um cão perdido, que não se deixa ver, e parece chamar por todos os desejos que alguma vez perdeu,...
Contar-te isto custa. Perdi o sol, os passos certos para as opções erradas. Mas de voz precisa, palavras previsíveis, e um sentido de responsabilidade trémulo, coloco-te a mão no ombro. Sinto que já foste mais perfeita. A magreza da tua envergadura entristece, talvez menos que a resolução perdida de saber que já é final de mais um ano. E talvez por isso isto seja a morte.
Acendo um cigarro, e a noite de cacimba ilumina-se, nem que seja um pouco, para que algo que pode ser para sempre, se torne de fácil explicação. Falei-te vezes sem conta de névoas inexplicáveis, pessoas com propósitos diferentes que nelas habitam, e eu como elo perdido em algo que nunca realmente entendi. E não entendo. Anda. Caminhamos juntos para aquela viela sem nome, e ali sentir-me-ei mais seguro para qualquer coisa...
a porta do quarto abriu-se, tudo estava intacto como deixara há mais que muito, uma cama periclitante mas digna, um espelho que tremia com a brisa que se insinuava pelas frestas da janela, pedaços de pétalas de flores, gastos pela oxidação, que representavam a persistência do amor naquele sítio,...
os passos que retomava naquele espaço, desenhavam vontade, a vitória da luz sobre a escuridão,...
até um pequeno livro, de autor desconhecido, foi pousado no parapeito, como uma chave para o mundo exterior
vou dizer pior, fazer assim, e assado, mais pelo dito, espero pelo desdito, há frase, conjugação certa para a menina errada,...
já nem o chapéu me tiram, porque o carro partiu, e fiquei para trás, chio mal, esgravato bem, e tudo soa a maldade, quando o bem, a verdade do calor, surge despida, como a mulher que imagino, o corpo que não terei,...
e direi pior, tão mal, que ao doer-me a alma, gritarei tanto, mas tanto, que despido de falso, me arrastarei, como privado do público amor
e se um dia, a palavra surgir um dia, como flor no cabelo alourado do destino, se um dia o tempo se ajoelhar no caminho irregular, que fere olhos, descarna pernas, e fomenta a discórdia,...
se um dia a Terra se abrir, e de dentro de tudo surgir o nada, se um dia houver um livro onde, toscamente, com escrita trémula, e um caminho humedecido de lágrimas, tudo ficar registado para frases que hão-de vir, aí eu falarei,...
Tal como woody allen, Entras num sitio, Cafe, bar, tasca, lugar infecto, É indiferente,...
Pedes uma bebida e servem-te vapor de álcool, Algo que melancolicamente te embebede,....
É então que olhas para o lado, E um som nefasto de clarinete te envolve, Rebate as defesas, E num espaço breve de abrir e fechar os olhos, Dás por ti a falar com uma mulher insegura, Bonita e que parece ser sexualmente ativa,...
Diz chamar-se annie, E acabou naquele momento de voltar a pôr o namorado judeu fora da sua vida, Apetece-lhe conversar,...
O sorriso era reconhecivel.vulgar mesmo. Os lábios gretados, aparentemente fruto de uma alimentação deficiente, à base de fritos e outras coisas normalmente dispensáveis.
Os dentes, apesar de parecerem desenhados à esquadria, eram finos. A boca assustava, em suma, por isso permanecia oculta com camisolas 'turtleneck' de cores sóbrias, que independentemente da estação do ano tapavam os lábios, e com isso dificultavam a percepção de uma identidade difícil de ser definida.
Este é um retrato feito ao longe, e que permite perceber um homem de meia idade, assoberbado pela rotina. Pode ser sempre encontrado à mesma hora, mergulhado num mar de gente anónima, com transportes que vão e vêm até chegar o certo. Veste roupa formal, e na mão uma pasta de executivo, já desgastada pelo tempo e uso.
Oculta a calvície precoce, e o cabelo envelhecido, com o mesmo chapéu. De feltro, com uma banda azul escura. Herdara-o do pai, que o tinha recebido do seu pai,....
E era algo que sempre tinha contribuído para manter um ar de distinção na família. Este é um exercicio de escrita que parte do particular para o geral. É respeitando essa ideia que surge, por entre a chuva que entretanto aparece, ritmada e sorrateira, o transporte que tantos esperam. Entra no velho autocarro de dois andares, de fabrico inglês, e mantém-se com a dignidade intacta, na medida do possivel. Engolido por uma maré de anónimos, pensa em branco. Com rebordos de cores desmaiadas, e que talvez indiquem alguma alegria impossivel de explicar...
o vento, o que restava do vento, as franjas do vento, uma cara substituta do vento, forçava sorrateiramente as janelas, encostadas, e entrava sem pedir licença.
Os cabelos louros espalhavam-se, sem ordem nem tempo definido, sobre duas almofadas que lhe elevavam subrepticiamente a cabeça. Respirava com dificuldade, enquanto olhava, de olhos bem abertos, para um reflexo semi-apagado no espelho. Achava-se semi-nua. Pernas de que gostava, uma fletida, e a outra esticada a ponto de dar a entender um sangue que corria descontrolado. Os braços estavam dispostos, sem qualquer pedido ou ordem pensada, em cima de uma cama barroca larga. A cabeceira da mesma era dourada, com reposteiros envelhecidos, presos toscamente com fitas de tecido.
Os contornos das ancas, que cantavam um gemido de mulher, confundiam-se com o desenho de onde repousava. Um seio, de branco mais alvo que a madrugada que despontava, dava os bons dias. O outro escondia-se, nas fímbrias dos lençóis. Achava-se prostrada, esquecida, quase oculta nas ondas mais revoltas da solidão. Peças de roupa avulsas, escolhidas sem critério, pintavam o chão do quarto, escondido nas traseiras de uma mansão sem idade, oculta no cerrado daquele local
Sinto o teu joelho a afundar-se, Numa pressão assustadoramente definida, Primeiro quase imperceptível, E depois a esmagar-me o coração,...
A vida abandona-me pelo cansaço do choro que deixaste em bolas de terra, Nas noites que encolheram pelo lado mais negro,...
E deixo-me ir até onde o inferno me leva, Abrindo os olhos onde a confissão é o mais escaldante, E o nódulo de visão se reduz a um ponto de acidez no horizonte
dizem-me que ela não sofreu nada, ninguém lhe tocou, simplesmente aconteceu,....
não há violência na verdade, nem há acomodação no refúgio da mentira, e fechei os olhos, admitindo a presença da ilusão da pancada, dos brutos e inverídicos olhos que sangram,....
ela não sofreu nada, assumindo que nunca quis que isso acontecesse, e ofereceu o corpo às mãos de um remédio que desconhecia