após o dilúvio, a praia torna-se um vai-vem de despojos de todo o tipo. Restos de cascas de árvores apodrecidas, misturados num mosto de cheiro pútrido com algas, pedaços de seres invertebrados, e lixo de toda a ordem, bailam sem coordenação. O vento levanta a areia pela base, e os poucos que se atrevem a enfrentar a tempestade juram, por vezes, ver lindas danças de moças orientais sem forma e sem idade, que enfrentam o rigor dos elementos para provar um conceito próprio de liberdade. Havia a jura de luz feita sombra naquele local assoberbado. Tudo soava a renascer, a verbos gastos pelo tempo e pela indecisão do espaço. Uma mulher submete-se, de cócoras, a uma reza impercetível. Um homem passa por ali sem destino, mas com um cão que se arrasta sem nome nem sentir. A voz do vento dita para a luz metálica do céu, juras de um compromisso sem idade.
terra de pés, mãos formosas, a luta significa o sangue, há parangonas, jornais ofensivos, vítimas soltas do desejo,...
terra de pés, com pés descalços, crianças iludidas, para quem o choro foi esquecido, e os proveitos de um amor, se resumem a olhos fechados, no escuro da noite iludida, e a pensar em mães que descolaram, da poesia séria do real
porque devo esquecer-me das vírgulas?, é uma interrogação com capitular, porque se a necrose do amor se intensifica, em mim floresce também o mês de dezembro, e o adeus a tantas coisas de pés pequenos, e corpos disformes,...
as vírgulas são passagens, secretas como inofensivas, que os olhos lamentam mais que a voz,...
e de mim só partirão, quando por esta janela aberta entrar o pássaro do silêncio, e me conseguir desmaterializar, em odores de frase muda
Por aqui o caminho parecia mais curto, Não havia a proeminência de razões obscuras da terra, A impedir a passagem,...
Lembro-me que nos indicaram a rota várias vezes, Por entroncamentos desconhecidos e veredas onde o tempo parecia não querer contar,...
E ao chegarmos já a noite abraçava todas as coisas vivas, Havia pessoas que na rua se deleitavam com o simples prazer da amizade, Como se do último ato de razão se tratasse
ter indecisões. Desconhecer se a comida é boa, ou se poderá matar-nos. Ter barulhos que nos irritam, sem sabermos porquê. Achar um amanhecer deprimente, a ponto de a cama ser um passaporte para o edén. Tudo junto, faz um homem passear sobre brasas. E por isso, se calhar por isso, estava ali
Levanta os olhos do chão. Contou os vértices dos polígonos que os azulejos representam. Contou-os todos, antes de enfrentar aquele par de óculos. Olhos sem cor, protegidos. Um homem esquálido, de tão magro, pernas cruzadas há demasiado tempo. Parece querer fumar. Será solitário, a julgar pela falta de asseio nas vestes. Está ali, apesar de tudo, para ajudar. Mas custa tanto não sabermos de nós, e deixar outra pessoa querer iludir-nos. E há uma música que, quase sempre, nos entra pelo canal auditivo a dentro, e joga com os nossos receios. As nossas certezas. A volúpia de nos sentirmos atraentes. Joga com tudo. Aquele homem está ali para ajudar. Pede se pode acender um cigarro. Digo que sim. Às vezes há certezas que passam por desilusões. Pergunta-lhe coisas sobre o passado. Onde nasceu. Tem irmãos? Gosta de animais? É sexualmente ativo? Guarda lembranças da primeira experiência sexual.
E queria estar em todo o lado, menos ali. Lembra-se de uma gôndola virada em Veneza, com um homenzinho ridículo a pedir socorro. E ele a comer um gelado. Lembra-se de uma chuvada sobre o Castelo de São Jorge. Os ossos ressentiam-se do frio. Mas esteve ali, E agora, estava sem dormir. Comia pouco. A comida fazia-lhe aquele nó que havia em criança, e não descia. A vida tinha, basicamente, perdido o sentido. É certo que nunca tinha tido muito. Mas antes, a manteiga nas torradas escorregava melhor. O amor por coisas medíocres existia, e era compensador.
O homem esquálido, sobre quem nada insistia saber, matraqueava perguntas. Algumas eram respondidas com o simples esforço do músculo do pescoço....
consigo ouvir o teu choro de ressalto, fechado nos claustros de um local sagrado, o som respalda nas paredes, e complementa o desespero inerente ao silêncio,...
uno o cansaço, com a derrota assumida do prazer, e ali me sinto unido, com o que sobrar de um coração, alarmado, com a tua distância
Já dentro da alegria novamente a tristeza A espuma do escuro onde os ombros se acolhem Os escolhos – os escombros o dilúvio obscuro? Que tempo me importa onde os outros não olham? maria teresa horta poesia reunida educação sentimental dom quixote 2009
ele acusou-os. havia uma mesa de ébano, fora do comum. estava posta para refeição, com pratos de alumínio envelhecidos, os talheres para prato de carne, e copos que pareciam ser de vinho. ele acusou-os, porque não se vergava a solidões impostas. e um livro, apenas um livro. encomendava a alma a qualquer coisa de escurecido, de cada vez que o folheava. e culpava-os. sentou-se para compor a respiração. uma dor saltitante, resumida a odor de morte, palpitava-lhe por todo o corpo. e via-os sorumbáticos, a mirá-lo com uma frieza metálica. via-os inocentes, mas tão tristemente culpados do desânimo. conseguiu repor a vontade, o desejo de caminhar sofregamente. a rua inevitavelmente pintava-se do tom metálico do céu. e ouviu-os mesmo assim a lamentarem o sol. as nuvens que desenrolam um carpir de mágoas separadas. ele acusou-os. e dormiu sobre o silêncio recebido. quando só o silêncio com ele partilhava aquele fim de mundo