Pachos na testa
terço na mão
uma botija
chá de limão
zaragatoas
vinho com mel
três aspirinas
creme na pele
grito de medo
chamo a mulher -
ai Lurdes Lurdes
que vou morrer
mede-me a febre
olha-me a goela
cala os miúdos
fecha a janela
não quero canja
nem a salada
ai Lurdes Lurdes
não vales nada
se tu sonhasses
como me sinto
já vejo a morte
nunca te minto
já vejo o inferno
chamas diabos
anjos estranhos
cornos e rabos
vejo os demónios
nas suas danças
tigres sem listras
bodes de tranças
choros de coruja
risos de grilo
ai Lurdes Lurdes
que foi aquilo
não é a chuva
no meu-postigo
ai Lurdes Lurdes
fica comigo
não é o-vento
a cirandar
nem são as vozes
que vêm do mar
não é o pingo
de uma torneira
põe-me a santinha
à cabeceira
compõe-me a colcha
fala ao prior
pousa o Jesus
no cobertor
chama o doutor
passa a chamada
ai Lurdes Lurdes
nem dás por nada
faz-me tisanas
e pão de ló
não te levantes
que fico só
aqui sozinho
a apodrecer
ai Lurdes Lurdes
que vou morrer.
António Lobo Antunes
2017/09/28
2017/09/26
Dececiona-nos
Dececiona-nos,
Incentiva-os pelo medo,
A soma dos percalços desta confiança é a terra a transpirar gritos indecifráveis ao amor dos mortos que respiraram o fim juntos,...
Tudo isto escrito dá os escritores amordaçados que ninguém conhece,
E o respirar dos dias iguais aos minutos seguidos de segundos esganados de solidão ...
2017/09/25
Laços
Não gostava de fazer pouco das pessoas. Só se ria á socapa quando aquela senhora mais cheinha e com ilusões desfeitas só por se cruzar com qualquer pessoa ao início de qualquer manhã, se arrastava junto a ele. Por isso achava se respeitador de todos. E por isso credor do boa tarde, e dos até amanhãs desmesuradamente falsos que todos os dias enchem o mundo. Mas um dia as coisas mudaram. Resolveu insultar pelo simples prazer de o fazer. Talvez por qualquer coisa que tivesse comido na véspera.
Fê-lo com o filho adolescente da vizinha do terceiro andar. O rapaz mancava um pouco. Devia ter uma perna mais comprida que a outra.
Num dia de manhã chegou se ao pé do jovem e disse lhe algo que ninguém percebeu. O miúdo ficou branco, a princípio conteve o choro, mas depois desfez se em insegurança com as lágrimas frias a rolarem lhe pelo rosto.
A coisa deu discussão. Arrastou se por alguns dias. E por isso foi obrigado a mudar se.
Hoje vive à beira de uma Horta. Sem ninguém com quem falar. A não ser duas macieiras que já parecem mortas. 2017/09/24
...de volta a regressar
Desobedeceste ás inconstâncias do tempo,
Mordeste as mãos até lhes arrancares as cicatrizes dos segundos mal vividos,
E no fim o peito das frustrações ferveu o que restava da invernia dos desejos por realizar,...
E tudo para envelheceres melhor do que a comida dos astros,
Fazendo o até só restar uma coisa para fazer,
Recomeçar ...
2017/09/15
2017/09/11
2017/09/09
Domingo como nenhum outro domingo....
Num dia de domingo o tempo passava triste como o bacalhau
dos pobres,
Havia os homens de soluções encardidas que em vez de falar
optavam por estranhos sinais
Com os sobrolhos unidos,
O sofrimento das esposas era uma figura disforme e sem
pernas que caminhava pelos
Intervalos da chuva sem cor que o céu vomitava,
E depois os pequenos,
Os sorrisos de ouro e transparências escritas em inocências
que saltitavam pelas poças douradas de lama,
Num dia de domingo somos tudo isto e nada ao mesmo tempo,
Só querendo se volta a este andar para o lado como o
caranguejo,
Em que o tempo flui,
Mais doce,
Mas menos timidamente infeliz do que no resto dos sítios em
que existem
Domingos de manhã,
Neste, como noutros dias,
Só se olha pelos segundos disformes que faltam para que o
tempo passe a ponte
Vagarosa que o torna velho,
Num dia de domingo,
Escreve-se assim porque ontem foi o resto da vida do
universo que vai morrer alegre….2017/09/08
Reading and rewriting....
Estava escrito a letras negras, que lentamente se dissolviam
debaixo da chuva persistente. O vento irregular, fazia bailar as folhas das
resmas de jornais, ignorados por entre a multidão que seguia isolada, numa
realidade própria.
O poeta tinha morrido
na noite anterior. Paz à sua alma. Nacionalista, ilustre e capaz descritor das
vicissitudes do ser português, e glória de uma nação com povo aguerrido,
Fernando Pessoa foi levado aos 47 anos. Sobre as cinzas do que deixou, faz
Ricardo Reis a irregular contrição de regressar à Lisboa de 1935.
2017/09/06
2017/09/05
Se de hoje a mil milhões de anos....
Se de hoje a mil milhões de anos eu ainda estiver aqui sentado à tua espera,
Não me irás ver mais,
A tua memória ficará no éter do que o universo for na altura,
Eu serei pó,
O resto do que foi a experiência de te ter sorrindo,
Capaz de me desfazer no mais pequeno átomo de felicidade,
Que com a explosão das coisas reais me devolvia à infelicidade da felicidade desenhada,...
Se de hoje a mil milhões de anos eu ainda aqui estiver sentado á tua espera,
Olha em frente e verás que estás a um segundo de não me largares na infinidade do para sempre...
Não me irás ver mais,
A tua memória ficará no éter do que o universo for na altura,
Eu serei pó,
O resto do que foi a experiência de te ter sorrindo,
Capaz de me desfazer no mais pequeno átomo de felicidade,
Que com a explosão das coisas reais me devolvia à infelicidade da felicidade desenhada,...
Se de hoje a mil milhões de anos eu ainda aqui estiver sentado á tua espera,
Olha em frente e verás que estás a um segundo de não me largares na infinidade do para sempre...
Subscrever:
Mensagens (Atom)
Etiquetas
'abrir os olhos até ao branco'
(2)
'Depois de almoço'
(9)
'na terra de'
(2)
abstracao
(1)
abstração
(19)
abstrato
(197)
Absurdo
(62)
acomodações do dia
(1)
acrescenta um ponto ao conto
(1)
alegria
(2)
alienação
(1)
amargo
(4)
análise
(1)
animado
(2)
animais
(4)
aniversário
(11)
antigo
(1)
antiguidade
(1)
atualidade
(2)
auto
(1)
auto-conhecimento
(4)
autor
(12)
Blog inatingiveis
(4)
blogue
(10)
breve
(4)
casa
(1)
casal
(1)
coletâneas
(2)
companhia
(1)
conformismo
(3)
conto
(4)
Contos
(61)
corpo
(5)
crónica
(1)
crossover
(4)
cruel
(1)
curtas
(8)
Dedicatória
(22)
Denúncia
(2)
depressão
(6)
dia da mulher
(1)
Dia Mundial da Poesia
(7)
Diálogo
(6)
diamundialdapoesia
(2)
dias
(1)
dissertar
(11)
divulgação
(1)
do nada
(5)
doença
(1)
escrita criativa
(1)
escritaautomática
(10)
escritores
(12)
escuridão
(2)
pessoa
(6)
pessoal
(32)
pessoas
(13)